No que depender das pré-candidaturas a prefeito este ano, os negros continuarão sendo minoria na política capixaba, assim como foram nas últimas eleições municipais. Em 2016, pretos e pardos representaram 26% dos que se lançaram na disputa nas cidades no Espírito Santo, e apenas 14% dos eleitos.
Em 2020, apesar de as candidaturas ao pleito ainda não estarem registradas, não há indícios que essa situação vai mudar. A Gazeta conversou com dirigentes dos principais partidos do Estado para saber quem são os pré-candidatos negros e o que as legendas têm feito para aumentar a presença deles no ambiente político. A maioria afirmou que possui vários representantes, mas se limitou a citar dois ou três. Outros nem sequer conseguiram lembrar algum nome.
Pretos e pardos representam 62,2% da população capixaba, de acordo com dados dos Instituto Jones dos Santos Neves. Essa proporção, contudo, não se reflete nas urnas. Em 2016, 260 candidatos estavam aptos à disputa por prefeituras no Estado. Desses, 191 eram brancos, 68 negros (61 pretos e 7 pardos) e 1 amarelo. Ou seja, as candidaturas negras representaram apenas 26%. Do total, somente 11 dos 78 prefeitos eleitos faziam parte dessa minoria racial.
O MDB, partido com maior número de candidatos a prefeito nesse período foram 48 candidaturas teve apenas 11 representantes negros, o que representa 23%. Deles, apenas dois foram eleitos. Em 2020, três municípios da Grande Vitória terão pré-candidatos pretos e pardos: Cariacica, com Ivan Bastos; Viana, com Willis Lira; e Serra, com Márcio Greice.
Os nomes foram citados pelo articulador político do MDB estadual, Lelo Coimbra. De acordo com ele, a sigla tem incentivado candidaturas de minorias raciais.
Temos no MDB uma representação do movimento negro. É um compromisso nosso fazer com que essas candidaturas se materializem. Há candidatos negros, mas eles são minoria, em todos os partidos. Essa ausência reflete a história dessas pessoas na sociedade, declarou.
O PSL, que tem mais de 420 pré-candidatos (a vereador e a prefeito) nas eleições deste ano, conseguiu citar apenas um negro na disputa pelo Executivo: Joel da Costa, em Cariacica. O partido disse que tem feito um trabalho com minorias negros, mulheres, homossexuais e que julga importante a participação de todos eles na política. No entanto, em 2016, nenhum dos quatro candidatos lançados a prefeito pelo partido era preto ou pardo.
Situação semelhante é a do Republicanos. Apesar de afirmar que possui um segmento, dentro do partido, que visa incentivar a participação de minorias raciais, a Executiva estadual não conseguiu citar nenhum negro que é pré-candidato a prefeito. O partido disse que possui candidaturas, mas que precisaria de tempo para analisar.
Já o PSD, partido que em 2016 lançou 15 pré-candidatos a prefeito, sendo apenas um deles pardo, citou somente um representante negro esse ano: Hubistenio Cajá, em São Mateus. De prefeito temos pouco, vereadores tem mais, disse o presidente estadual do PSD, Neucimar Fraga.
Questionado se o partido possuía algum programa para incentivar a participação de negros na política, ele disse que o PSD estava aberto a qualquer pessoa. "Não tem nenhum programa de incentivo, mas também não tem programa de rejeição, declarou.
Para o cientista político e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Ufes João Victor Penha Santos, estar "aberto" a negros não é suficiente. Diferentemente de pessoas brancas, pretos e pardos enfrentam uma série de barreiras para ocupar espaços de poder na sociedade, entre eles a política. Quando os partidos não os tratam de forma diferenciada, eles acabam inviabilizando candidaturas.
"O partido é o caminho de acesso ao poder, se eles não têm políticas afirmativas que garantam a entrada de negros nesse espaço, essa população nunca estará representada", declarou.
A secretária nacional da Negritude Socialista do PSB, Valneide Nascimento dos Santos, trabalha há mais de 20 anos com a negritude do partido a nível nacional. Ela foi indicada pelo PSB-ES para falar sobre a representatividade negra no partido.
Segundo Valneide, apesar do trabalho duro que ela tem feito para garantir candidatos negros em eleições majoritárias, poucos dirigentes se interessam pela inserção de pretos e pardos na política. Os partidos não se importam, são todos formados e dirigidos por pessoas brancas. Um negro conseguir assumir um cargo de destaque é muito difícil. Isso é no Brasil todo."
No Espírito Santo, o PSB teve 28% de candidatos negros ao cargo de prefeito nas eleições de 2016. Este ano, segundo o partido, há representantes dessa minoria racial disputando o pleito em Vila Pavão, Bom Jesus do Norte e Guaçuí. Mas Valneide critica a forma como o partido têm lidado com as candidaturas negras no Estado.
Em geral, partidos pequenos, que lançaram menos de dez candidatos a prefeito em 2016, destacaram-se proporcionalmente em relação ao número de representantes negros. É o caso de PSC, PTN, Rede e PSOL, todos eles com mais de 70% de candidatos pretos ou pardos.
No PSOL, André Moreira, que é negro, disputou o governo do Estado em 2018. Ele afirma que a pauta racial é prioridade.
O PSOL no Espírito Santo tem suas duas maiores expressões públicas negras. Essa pauta é muito importante para a gente. Nós temos uma resolução nacional de cotas para candidatos negros e mulheres. A negritude está em destaque no partido, declarou. Sempre vai ter algo a melhorar, claro. Ainda tem muito espaço para ocupar, acrescenta.
Em 2016, 5 dos 7 candidatos a prefeito do PSOL eram negros. Contudo, nenhum deles foi eleito.
Um dos partidos com maior estrutura de combate ao racismo, o PT possui uma cota étnico racial para a ocupação de cargos na direção do partido. No Estado, a legenda é comandada por uma mulher negra, Jackeline Rocha.
Em 2016, 5 dos 11 pré-candidatos do PT a prefeito eram negros, ou seja 45%. Entre os partidos grandes, com mais de 10 candidaturas, foi o que apresentou maior presença de minorias raciais. Em 2020, o PT terá oito pré-candidatos negros nas eleições majoritárias. "Além dos vereadores", acrescentou Jackeline. Entre os que vão disputar o pleito no Executivo municipal, está Fernanda Souza, na Serra.
O PDT também aparece entre os partidos que teve maior representatividade de negros nas urnas. Em 2016, 9 dos 20 representantes do partido que disputaram as eleições para prefeito eram pretos ou pardos. Para este ano, o PDT citou duas pré-candidaturas: Sérgio Vidigal, na Serra, e Bruniele, em Bom Jesus do Norte, o que o próprio partido assumiu que é pouco.
Sem dúvida, é muito pouco. Estamos passando por um momento de intenso debate, não cabe só a sociedade dizer que não é racista, mas aos partidos também", declarou o secretário-geral do PDT no Estado, Weverson Meireles.
De acordo com ele, o partido tem um Movimento Negro estruturado para incentivar a participação de pretos e pardos na política. Nas últimas eleições, a legenda conseguiu eleger seis prefeitos, sendo dois negros.
Reconhecer que existe um problema racial na sociedade é o primeiro passo para enfrentar a desigualdade dentro dos partidos, segundo o advogado e cientista social Nauê Bernardo.
Os partidos precisam entender que o racismo existe e ele está dentro da política. Quando eles levam isso a sério e reconhecem que existe um problema grave de diversidade, eles entendem o papel que tem para corrigir essa desigualdade e passam a criar mecanismos para viabilizar candidaturas de pretos e pardos."
Ele pondera que é necessário não apenas incentivar candidaturas negras, mas investir nelas e permitir que sejam competitivas. Ter pessoas negras filiadas é uma coisa, o processo de colocar o nome na cédula e na praça é diferente. No Brasil, fazer campanha requer dinheiro e, ao dificultar o acesso de negros a esse recurso, os partidos tornam as candidaturas deles menos competitivas."
Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os recursos do fundo eleitoral dos partidos dinheiro que é distribuído a candidatos durante a campanha sejam repassados a candidatos negros na mesma proporção que suas candidaturas. Assim, caso os negros representem 30% dos candidatos, eles terão que receber 30% da verba. Se representarem 10% dos candidatos, o percentual do recurso do fundo a ser direcionado a eles também tem que ser de 10%.
A medida passaria a valer somente nas eleições de 2022.
No último dia 10, no entanto, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a cota financeira para candidatos negros seja aplicada já nas eleições de 2020. A decisão monocrática (de um magistrado só) está valendo, mas ainda vai ser avaliada pelo plenário do Supremo, que pode mantê-la ou derrubá-la.
A distribuição proporcional do dinheiro do fundo de campanha visa reparar a exclusão financeira que os negros também são submetidos dentro dos partidos e garantir que eles tenham acesso aos recursos. De acordo com o TSE, em 2016, 49% dos candidatos homens no Brasil eram negros, mas eles receberam apenas 26% da verba dos partidos.
"Vejo essa decisão do TSE com bons olhos. Acredito que vai sim permitir que candidaturas negras sejam mais competitivas, mas é preciso pensar que ações afirmativas não funcionam como resolução de problemas. Elas são apenas medidas paleativas", finalizou.
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