Contrariando a tradição de uma eleição voltada a temas locais, candidatos bolsonaristas que estão na disputa por prefeituras ou por uma cadeira de vereador devem apostar nos discursos da pauta conservadora, da segurança pública e de defesa da postura de Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia de Covid-19. Seria uma estratégia para se associar ao presidente, apesar de Bolsonaro não ser unanimidade, e tentar se eleger.
Muitos almejam ter o selo de "candidato do Bolsonaro" nas cidades, embora o chefe do Executivo federal tenha dito que não quer se envolver no primeiro turno das eleições municipais, mesmo com a pressão que recebe de aliados. Em muitas cidades, há um número expressivo de pré-candidatos no campo da direita e da centro-direita, que é por onde transita o bolsonarismo.
Os nomes que pretendem se alicerçar no bolsonarismo estão distribuídos em diversas agremiações, principalmente no PTB, Republicanos, PRTB, Patriota, PL e também no PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu. Após romper com a sigla e tentar, sem sucesso, de tirar uma agremiação própria do papel a Aliança pelo Brasil , ele permanece sem partido.
Mesmo sabendo que é improvável ter o apoio declarado de Bolsonaro, os candidatos querem votos de quem elegeu o presidente em 2018. Na última eleição, Bolsonaro foi o mais votado no Espírito Santo, e com boa margem, nos dois turnos.
Especialistas avaliam que a construção de imagem vinculada ao presidente pode encontrar apelo entre o eleitorado, embora muitos dos temas explorados pelo bolsonarismo não sejam de competência municipal, e sim federal. No entanto, só as urnas darão a resposta se tais pautas do conservadorismo vão se sobrepor a demandas mais próximas da população, como atendimento médico, vagas em creches, pavimentação de ruas, entre outras.
Além dos temas, a forma de fazer campanha nas redes sociais adotada pelo presidente e seus apoiadores, como a distribuição de conteúdos muitas vezes enganosos ou de desinformação em plataformas como o WhatsApp, e a participação em massa em discussões, com comentários nas redes e impulsionamento de publicações de bolsonaristas, também deve ser adotada por aqueles que querem ser os "candidatos do presidente".
A falta de filiação partidária de Bolsonaro não será capaz de atrapalhar tanto os candidatos que queiram se colocar como seguidores do presidente na eleição, já que o bolsonarismo não é um fenômeno partidário, ao contrário do lulismo , na avaliação do doutor em Sociologia e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufes Igor Suzano Machado.
Embora em 2018 a simbologia do número 17, do PSL, possa ter ajudado alguns candidatos e o uso da máquina partidária ainda consiga impulsionar determinados políticos, o modo de agir do bolsonarismo pode ser classificado como populismo de extrema-direita, utilizando-se dos discursos de ordem, repressão, moralidade, de uma agenda de costumes conservadora, e algumas pautas do liberalismo econômico, segundo o professor.
Tudo isso apostando nas novas tecnologias, na comunicação direta com o público, ou por canais de sites e blogueiros específicos. "A postura de Bolsonaro é a de estar sempre buscando um antagonismo entre o povo e os inimigos do povo, sendo que ele é quem se coloca para falar em nome desse povo, de suas insatisfações. Muitos políticos devem tentar replicar essa imagem", acredita Machado.
Outros símbolos do discurso também podem estar presentes, como o verde e amarelo, a militarização e o uso de símbolos nacionais, da pátria.
O professor capixaba que atua na Universidade de Virgínia e especialista em antropologia da informática e etnografia, David Nemer, espera que o modo de ação dos bolsonaristas nas eleições de 2020 seja semelhante ao de 2018, mas de forma descentralizada.
"A forma como o discurso estará materializado vai depender muito de como grupos ou políticos regionais adaptarão para a realidade local. No Espírito Santo, houve a suspeita de replicar o gabinete do ódio, no qual o discurso do Bolsonaro se materializa através de memes, mídia de fake news. Outro sinal disso é o número de recorde de policiais que devem ser candidatos, reforçando a pauta da lei e ordem", afirma.
Ele também avalia que muitos eleitores não se engajam na política de realidade e sim na política de identidade. "Ou seja, você não quer saber se a proposta é boa ou mais eficiente. Você vai votar no bolsonarismo porque é com ele que a sua identidade se relaciona. Por isso que os políticos podem falar sobre aborto, drogas, pedofilia, mesmo que não tenham poder nas decisões locais", explica.
Doutorando em Antropologia Social, com estudos sobre movimentos conservadores, Lucas Bulgarelli complementa que as eleições municipais podem fazer com que haja a criação de novos quadros regionais e locais que replicam o bolsonarismo.
"Os posicionamentos de Bolsonaro e alguns de seus ministros, como a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, fez surgir vários militantes locais nesta mesma linha, que tentaram criar políticas sobre ideologia de gênero, escola sem partido. E já vimos tentativas de implantar localmente essas ideias, em políticas públicas. Então por mais que o bolsonarismo tenha a maior parte das pautas nacionais, é possível haver a municipalização", explica.
Entre os apoiadores do presidente, é possível que nas eleições municipais haja uma separação entre o chamado eleitorado "conservador ideológico", e os "conservadores não-ideológicos", que são os que rejeitam a esquerda, mas podem ser atraídos por candidatos de discurso mais pragmático.
Esses guardam mais relação com questões da cidade e fenômenos específicos de bairros mais tradicionais do que com ideologias de direita e não seriam tão influenciados pelo bolsonarismo, segundo os especialistas.
Para o doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Juliano Corbellini, o desempenho da economia tem um peso forte na eleição municipal, assim como tem na nacional, especialmente neste contexto de pandemia, em que aumentou o desemprego e caiu a renda da população. Ele também acredita que possa haver um pouco de ressaca, ou uma força residual, mas ainda importante, do antipetismo.
"Sempre há uma proeminência da pauta municipal, mas estas eleições sinalizam o ambiente da opinião pública com vistas à eleição nacional. Nas municipais de 2000 era possível antever a vitória do PT em 2002. Nas municipais de 2016 se vislumbrou a onda antipolítica que culmina com a vitória do Bolsonaro em 2018. Então estas eleições serão um termômetro para 2022", avalia.
"Uma safra de prefeitos eleitos com base na chamada nova política ou na antipolítica em 2016 serão julgados nas urnas. Cidades como o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo, onde prefeitos se elegeram com discurso de critica à política tradicional. Agora serão avaliados com base na sua capacidade administrativa", acrescentou.
O professor David Nemer avalia que o bolsonarismo ainda pode vir forte, pois sua mensagem ainda comove muitas pessoas e porque mesmo os últimos escândalos da família Bolsonaro não abalaram o núcleo duro, dos cerca de 30% da população que o defendem. A performance dele de pessoa moderada, investindo em presença maior no Nordeste, e defendendo um programa de renda básica, tem o ajudado a crescer na aprovação.
"Até mesmo o posicionamento dele na pandemia é defendido por esta parcela de pessoas. Apesar de ser visto por parte de seu eleitorado como insensível em relação às mortes por Covid-19, ele conseguiu sensibilizar um grupo sobre a dicotomia entre combater a pandemia e preservar a economia", analisa.
"Para a população mais empobrecida, o isolamento social é um privilegio da classe média alta. As pessoas estão com medo da fome e do desemprego e veem que Bolsonaro positivamente por conceder o auxílio de R$ 600 porque as deixou voltar a trabalhar."
Alvo de assédio de pré-candidatos a prefeito e a vereador identificados com o bolsonarismo para declarar seu apoio nas disputas eleitorais deste ano, Bolsonaro tem avisado que não deve se envolver com as campanhas no primeiro turno. Com a extensa programação de viagens do presidente pelo país, assessores do Palácio do Planalto tentam evitar que as visitas sejam usadas como palanques para políticos locais.
Segundo informações do Estadão, a orientação da equipe presidencial é ter atenção redobrada com o que chamam de "oportunistas eleitorais", evitando que Bolsonaro apareça em fotos e vídeos que possam ser apresentados à população como um endosso a determinado candidato. Por outro lado, o presidente, que já mira uma reeleição, não pode correr o risco de desagradar apoiadores.
A decisão de Bolsonaro de não mergulhar em disputas municipais é baseada no cálculo político de que a derrota de um apadrinhado possa ser debitada de sua conta como uma rejeição a ele. O chefe do Executivo também quer evitar o que ocorreu nas eleições de 2018, quando diversos deputados e senadores se elegeram com a bandeira do bolsonarismo, mas depois romperam com o governo.
A apoiadores que lhe pedem para gravar declarações favoráveis a algum candidato, o presidente tem dito que poderá entrar na campanha apenas no segundo turno.
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