O convite do PSB para que o governador Renato Casagrande (PSB) seja candidato à Presidência da República em 2022 pode enfraquecer a base do socialista no Espírito Santo. Mesmo que a candidatura não se viabilize, o movimento do partido já é considerado, até entre aliados, como algo que impacta nos planos de vários grupos políticos do Estado para a próxima eleição. A avaliação é que o aceno a essa possibilidade por parte de Casagrande "abre a porteira" para que os partidos aliados ao governador comecem a traçar novas estratégias.
Entre os aliados, a preocupação é de que uma suposta ausência dele na eleição de 2022 possa desarticular a base e fragmentar o grupo. A tendência, segundo especialistas, é que, em cenários assim, o consenso criado em torno de Casagrande se desintegraria e as lideranças locais que hoje estão sob o guarda-chuva do governador passariam a disputar a lacuna deixada por ele.
Já entre os possíveis adversários de Casagrande, a pré-candidatura precoce pode dificultar a articulação do governo estadual com o governo federal, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Caso o presidente o veja como um futuro concorrente, há o risco de isso atrapalhar o envio de repasses. A tese também é defendida pelo cientista político Fernando Pignaton. Para ele, Casagrande corre, agora, o risco de enfrentar o "efeito Doria".
"Quando o governador de São Paulo, João Doria, passou a ser visto como um candidato à presidência, ele não só perdeu o apoio de outros governadores, que não queriam comprar briga com Bolsonaro, como o presidente passou a confrontar a administração estadual. Doria o acusou de atrasar repasses, em represália. Casagrande, se for visto como adversário pelo presidente, pode enfrentar os mesmos problemas", analisa Pignaton.
Casagrande não tem a mesma projeção ou musculatura do governador de São Paulo, no entanto, que vem se movimentando como "presidenciável" há tempos e provoca confrontos diretos com Bolsonaro num tom acima do que faz Casagrande.
A reportagem conversou com lideranças estaduais de vários partidos da base casagrandista. A avaliação é que a chance de o governador ser mesmo candidato a presidente da República é pequena, mas real.
Em uma hipótese em que ele queira ser candidato a outro cargo que não o governo estadual, por exemplo, ele teria que se afastar do Palácio Anchieta em abril, pela regra da desincompatibilização. E, caso entre em campanha nacional, provavelmente teria que percorrer o país, ou seja, dificilmente poderia subir no palanque de algum substituto no Estado. Assim, a construção de um nome de dentro do grupo de partidos aliados, a pouco mais de um ano e meio das eleições, é vista como uma tarefa complexa.
"Acho arriscado a ausência dele na eleição para governador. Como não temos nomes consolidados, os grupos poderiam se dividir e poderia surgir algum aventureiro com chances reais de ganhar o pleito. Tem que ser um movimento feito com cautela”, observa um ex-deputado aliado ao governador.
O cientista político João Gualberto Vasconcellos corrobora a análise. Para ele, a base fica desprotegida sem uma liderança que possa substituir Casagrande, não só na condução do governo, mas na articulação política.
"A tendência é uma autofagia no grupo, caminhando para uma crise interna. Não vejo nomes sendo construídos para o substituir dentro da base. O (secretário de governo) Gilson Daniel (Podemos) poderia ser um nome, mas chegou há pouco tempo no governo, talvez o (secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia) Tyago Hoffmann também possa ocupar este espaço. São nomes que têm alguma força, mas não surgem naturalmente como a alternativa", avalia.
Sem Casagrande e sem o ex-governador Paulo Hartung (sem partido) – cuja candidatura em âmbito estadual é vista como improvável – lideranças locais acreditam que o cenário ficaria muito aberto, o que poderia gerar um volume grande de candidatos e uma eleição pulverizada, com muitos candidatos recebendo poucos votos.
Da base casagrandista, um outro nome que tem sido lembrado como o “plano B”, caso a candidatura do governador à presidência surpreenda e saia do papel, é de um dos caciques do Republicanos no Estado, o deputado federal Amaro Neto (Republicanos). O parlamentar já foi cotado para a vaga em pleitos anteriores, mas, nos últimos anos, não tem feito movimentações mais agressivas em direção ao Palácio Anchieta.
"(O Republicanos) é um partido que está crescendo e hoje tem uma relação sólida com o governo estadual. Muita gente vê o Amaro como um futuro candidato a governo. Eu não acredito que agora seja o momento dele, mas em uma mudança de cenário pode se tornar uma das principais alternativas", acredita um palaciano.
A movimentação em torno de possíveis candidaturas ao governo fora do núcleo de Casagrande ainda é pequena. O único a se colocar como pré-candidato é o ex-deputado federal Carlos Manato (sem partido) que, em 2018, ficou em 2º lugar na disputa pelo governo do Estado, com 27% dos votos. Casagrande foi eleito com 55%.
Bolsonarista e conservador, Manato aguarda a definição do presidente para se filiar a um partido para a disputa de 2022. Ele afirma que respeita a decisão partidária do PSB, mas acha difícil que Casagrande se viabilize até lá.
"Estrategicamente, prefiro disputar a eleição contra Casagrande do que alguém indicado por ele. Meu projeto de governo é um contraponto ao atual governo. Minha proposta é o que defendem os conservadores. Mas, se ele for disputar, não cabe a mim ficar julgando quem tá de um lado ou de outro”, argumenta.
O MDB, cujo responsável pelo partido no Estado é o ex-deputado federal Lelo Coimbra (MDB), deve lançar candidato a governo em 2022. Uma das principais apostas é o prefeito de Linhares, Guerino Zanon (MDB), que está em seu quinto mandato na cidade. Lelo admite que o anúncio de Casagrande mexe com o tabuleiro, mas que não muda os planos do partido.
“Abrimos as portas para o Guerino se candidatar, mas isso ainda não é um fato consumado. É claro que uma eleição com o governador é uma e sem ele é outra totalmente diferente, mas não acredito que isso traga grandes mudanças no que o MDB decidir”, aponta.
A pouco mais de um ano e meio das eleições, é comum que os partidos passem a colocar pré-candidatos na disputa à presidência para dar início às articulações com outros partidos. No entanto, o anúncio do PSB parece ter pouco efeito no cenário nacional.
O que repercute mesmo é a tentativa de atração da empresária Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, para a sigla. O anúncio de Casagrande como pré-candidato tem passado quase despercebido.
A possibilidade de o governador capixaba ser o nome do PSB na disputa à presidência tem ganhado mais destaque no Estado do que no país. Importante lembrar que quem apontou a candidatura para o governador foi o presidente nacional do partido, Carlos Siqueira, mas dificilmente Casagrande foi pego de surpresa com o anúncio. Ex-presidente da Fundação João Mangabeira, mantida pelo PSB, e atual secretário-geral do partido, Casagrande passa pelo centro de tomada de decisões da sigla.
A candidatura vai de encontro ao que o próprio governador vinha defendendo, de montar uma frente ampla com partidos "que tenham compromisso democrático". Em entrevista ao colunista Vitor Vogas, Casagrande confirmou o convite, mas disse que não pensaria em questão eleitoral neste ano, ou seja, é algo que ele só deve definir em 2022.
Para João Gualberto, levar essa decisão em banho-maria só prejudica a articulação dos próprios aliados de Casagrande, que, se o governador não for candidato à reeleição, já têm pouco tempo para começar a construir um substituto.
"O governador disse que não é hora de pensar nesse convite, o que é compreensível, mas é preciso se posicionar. Se for candidato, ele terá que sair em abril. Vai esperar até abril para se posicionar? Isso desarruma o tabuleiro político. Me parece uma ideia fora de lugar. Não consigo enxergar em como ele pode se beneficiar com este convite, nem o PSB, nem ele. Há outras candidaturas a presidente colocadas há mais tempo. Esse movimento é uma soma cujo resultado é negativo para todos", opina.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta