A crise deflagrada no PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, junto com o caso dos deputados Felipe Rigoni (PSB), Tabata Amaral (PDT) e outros, acusados de infidelidade por seus votos no Parlamento e punidos pelos partidos, pode reacender a proposta de candidaturas avulsas. Hoje, o modelo adotado no Brasil é fundamentado nos partidos políticos e é impossível disputar eleição independentemente de estar associado a uma legenda. No entanto, situações como a de Bolsonaro e Tabata demonstram, de acordo com analistas, que a impossibilidade das candidaturas avulsas não tem evitado os problemas da cultura personalista que há na política brasileira, em que alguns nomes são maiores que seus partidos, ou que tenham se filiado às legendas apenas para cumprir a lei, sem concordar com todo o programa.
No Espírito Santo, além de Rigoni, Ted Conti também foi punido pelo PSB com suspensão por terem votado a favor da reforma da Previdência, contrariando a orientação da bancada. Afirmam tê-lo feito para ir de acordo com suas convicções. Na Assembleia Legislativa, o deputado Lorenzo Pazolini elegeu-se pelo PRP, mas após a fusão do partido com o Patriota, em março, não migrou para nenhuma outra agremiação. Vencedor nas urnas principalmente por sua popularidade como delegado, Pazolini se filiou ao PRP quase no limite do prazo e não chegou a ser muito ativo na sigla.
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para 9 de dezembro uma audiência pública para discutir a possibilidade de candidatura avulsa e se ela é constitucional. O tema é objeto de um recurso extraordinário com repercussão geral que tramita na Corte. Essa permissão já foi defendida por partidos como a Rede e o Novo, e por movimentos como MBL, Agora! e Vem Pra Rua.
Sem partido, para aqueles que apoiam a ideia, seria dada mais autonomia aos políticos, livrando-os das interferências de caciques partidários. Mas haveria consequências: a primeira delas, política. As siglas perderiam poder. Em segundo lugar, viriam questões de ordem prática, pois como o sistema eleitoral no país se baseia na lógica de partidos, negociações no Legislativo e a divisão dos recursos públicos são feitas de acordo com as bancadas.
Para o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rogério Baptistini, esse clamor por candidaturas avulsas se explica pela crise profunda enfrentada pelos partidos. No entanto, para ele, é necessário reforçar o papel dos partidos como organizadores da disputa política, pois sem eles, a representação pode se tornar exclusivamente personalista e se perder de vez qualquer vinculação com a ideia de um projeto coletivo.
"Os partidos têm mais condições de garantir a impessoalidade do mandato. Ainda não vejo que a sociedade esteja madura o suficiente para isso. Se mantivermos essa negação aos partidos, nós não conseguiremos educar a sociedade para o debate público substantivo. Pulverizamos a opinião, o que é ruim. Vamos ter uma gama de candidatos que não representam nada nem ninguém, o que é ruim para a educação pública", afirmou.
Apesar disso, Baptistini admite que a sociedade passou a se organizar de outras maneiras desde que essa exigência foi colocada na Constituição, há mais de 30 anos. "Nas pequenas cidades, é comum que os prefeitos e vereadores sejam eleitos por um partido e migrem para outro sem que isso represente nada para os eleitores. Até porque eles não têm estrutura, os diretórios estaduais pouco se importam com eles. Esses candidatos já são quase avulsos."
No entanto, o professor considera que, no curto prazo, não vê condições de que uma mudança como essa seja aprovada, tanto pelo Judiciário como por meio do Legislativo. Esta é a mesma avaliação do professor da FGV e doutor em Ciência Política Sérgio Praça.
"É improvável e indesejável que candidaturas avulsas sejam admitidas no Brasil. Os partidos ainda têm muita força para evitar a aprovação de uma proposta dessa, que não interessa a eles. Bancadas informais, como dos movimentos cívicos, não têm força suficiente para pressionar. Seria melhor, mesmo, que essas pessoas que têm força política independentemente dos partidos, entrassem neles e mudassem, comandassem".
No caso do PSL, em meio à escalada das desavenças entre Jair Bolsonaro e o partido, o filho dele, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, chegou a defender a adoção de "candidaturas independentes" como condição para a "restauração da decência", em suas redes sociais. Carlos é o único membro do clã Bolsonaro que não está filiado ao PSL, pertence aos quadros do PSC.
Do ponto de vista jurídico, o professor de Direito Eleitoral da FGV Diogo Rais aponta que a candidatura avulsa não é um mal em si, já que existe na maioria dos países democráticos. Um levantamento divulgado pelo Senado mostrou que mais de 90% dos países permite algum tipo de candidatura avulsa nas suas eleições, entre eles, os Estados Unidos. Na Rússia, o presidente Vladimir Putin se reelegeu em 2018 sem representar formalmente nenhuma legenda.
Para ele, caso haja alguma mudança, no entanto, ela deveria vir por meio de mudança na legislação. "Se o Brasil for fazer mudança, o ideal é que seja normativa, cabendo ao Parlamento. Não defendo que caberia ao Supremo definir isso. Ficariam várias lacunas, como a distribuição dos recursos, prestações de contas, limitações dos candidatos", afirma.
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