Carlos Fernando Lindenberg Filho, o Cariê, que morreu nesta terça-feira (06) por complicações de uma pneumonia, teve uma trajetória marcante de compromisso com um jornalismo isento e independente. Desde que chegou para cuidar dos negócios da família na Rede Gazeta, em 1963, foi aos poucos questionando o jeito tradicional de fazer jornalismo, com o que chamava de "autocensura" e receio de perder anunciantes, e propondo, em troca, a independência editorial.
Formado em Direito em 1958, Cariê chegou ao jornal com o dever cumprido: estudou sobre ética jornalística e absorveu o que precisava para tentar mudar a forma como o jornal, na época, era feito. Logo que chegou à Rede, em 1963, a empresa ainda era vinculada a um partido político, o PSD. A independência política, portanto, não aconteceu no primeiro momento de sua chefia, mas isso não quer dizer que ele deixou os processos exatamente como estavam.
Em entrevistas, o fundador relatava um acontecimento que o marcou logo em seus primeiros dias de trabalho. Houve um acidente que deixou mortos envolvendo um ônibus de uma empresa de transporte de passageiros, em Vitória, mas no dia seguinte o evento não foi noticiado em A Gazeta. Intrigado, Cariê foi à redação e perguntou o motivo da omissão e ouviu como resposta que a empresa era, na época, um dos anunciantes do jornal. Percebeu ali, então, que existia um outro "problema" a ser resolvido: a autocensura.
Foi tentando "aos poucos, lentamente e de maneira gradativa" mudar essas práticas na empresa. Além das inovações na prática jornalística, sua chegada trouxe mudanças nas áreas administrativa e financeira do grupo. Foi com ele que começaram a ser feitos, por exemplo, os orçamentos que regulavam entradas e saídas de dinheiro. Foi responsável, também, pela aquisição dos equipamentos mais tecnológicos para acelerar a impressão dos jornais anos mais tarde.
O "capixaba de coração" era firme ao dizer que "nunca pediu dinheiro ao governo" e, por isso, nunca teve dificuldades ao se relacionar com o poder político e econômico. O primeiro passo para marcar a independência de A Gazeta foi convidar Esdras Leonor, que era do jornal O Diário, veículo contrário ao PSD, para ser editorialista de política.
Visionário, Cariê não queria que a mudança parasse no Espírito Santo. Para difundir a ideia, organizou em junho de 1973 um encontro entre os principais jornais do país para falar sobre inovações administrativas e uma melhor prática jornalística, que envolvia uma atuação isenta.
O momento foi visto como "uma grande abertura para a imprensa brasileira independente", como sintetizou Wenceslau Cunha, representante do jornal Diário de Minas.
Com o tempo, os valores da Rede Gazeta foram se desenhando de forma clara. O intuito, segundo Cariê, é o de ter equilíbrio e independência total, ser plausível com a comunidade e sempre ouvir todos os lados, para que todos tenham a chance de dar "sua versão" do que for levantado.
Ao longo de 91 anos a Rede Gazeta passou por muitas mudanças. O jornal impresso chegou ao fim e se estabeleceu, com a popularização da internet e da comunicação instantânea, a preferência da audiência pelas notícias na internet. Antes, Cariê assistiu ao surgimento da TV, que ameaçava o sucesso das empresas que apostavam no rádio.
Quem vive muitos anos, como Cariê e a Rede Gazeta, precisa se adequar e acompanhar as mudanças, prática que o fundador da empresa não teve dificuldade de executar ao longo do tempo que passou à frente da equipe.
Em 2019, quando A Gazeta chegou aos seus 90 anos, o fim da circulação do jornal impresso diário também foi encarado com tranquilidade por Cariê. Otimista, o fundador previa que o jornalismo on-line seria uma forma de ampliar a transparência e a credibilidade do jornal, além de conquistar ainda mais leitores.
Escritor, músico e compositor, o fundador da Rede Gazeta trabalhou para que empresa chegasse aos 91 anos com credibilidade. Em todas as mudanças, fazia questão de manter o que era de fato importante.
Bacharel em Direito que dedicou longos anos de sua caminhada para aprimorar o jornalismo e difundir uma prática livre de interferências políticas e econômicas, Cariê Lindenberg faleceu na madrugada desta terça, aos 85 anos, por complicações de uma pneumonia. Sua dedicação ao jornalismo, como ele mesmo descreve, era também sua fonte de "alegria".
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