Associações que representam magistrados, membros do Ministério Público e policiais federais avaliam que os vetos do presidente ao projeto de lei do abuso de autoridade a dispositivos em 19 artigos atenderam, em parte, as categorias, mas o texto ainda gera preocupação.
Para o presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, Pedro Ivo de Sousa, o trecho sancionado que estabelece que é abuso instaurar investigação "sem qualquer indício da prática de crime" e o que faz o mesmo em relação a "estender injustificadamente a investigação" são muito subjetivos.
Ele não descarta que os membros, representados pela associação nacional, ingressem na Justiça questionando esses artigos. Por outro lado, avalia que o veto ao artigo 43, o que considerava crime ferir prerrogativa de advogado, era um dos "pontos sensíveis" e que acabaram vetados.
"Dentre os itens retirados do texto, o art. 43 era um dos mais problemáticos, uma vez que criminalizava a violação de prerrogativas, sem considerar os mecanismos legais já existentes, dando um tratamento único e privilegiado aos advogados", avaliou, por meio de nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Dos oito vetos solicitados pela Ajufe, quatro foram atendidos.
ALGEMAS
O presidente da Associação dos Policias Federais no Espírito Santo, Marcus Firme, diz que esperava o veto total ao projeto, mas que com os 19 vetos "já melhora bastante".
"Na questão do uso das algemas, por exemplo. A algema envolve o policial num momento crucial da prisão, mas outros vetos também foram importantes". Da forma como o Congresso aprovou, policiais que algemassem presos que não oferecessem resistência poderiam ser enquadrados na lei. Bolsonaro vetou.
O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, disse que também tinha esperança do veto total, como Firme. "Mas, vi que o presidente acolheu diversos reclames da magistratura, evitando um imenso enfraquecimento dos órgãos que combatem à criminalidade."
Já o advogado Ludgero Liberato avalia que, entre o foi vetado, o principal ponto é o dispositivo que criminalizava a decretação de prisão quando "manifestamente" incabível. Mas para ele a discussão sobre o tema foi "praticamente inútil".
"Porque quando se cria um crime de abuso de autoridade contra um magistrado quem deve acusá-lo é um procurador e quem recebe essa denúncia e quem torna o investigado em réu é o tribunal no qual o magistrado tem foro. Eu não via nem o risco de se criminalizar a atividade da magistratura e também não via qual o benefício desse dispositivo, como isso seria capaz de reduzir as prisões incabíveis."
Já a carteirada, enquadrada como abuso de autoridade pelo Congresso, foi assim mantida pelo presidente. Quem "se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido" pode pegar de seis meses a dois anos de detenção e multa.
PUNIÇÕES
As punições previstas na lei de abuso de autoridade sancionada pelo presidente são brandas "pequenas ou médias, em sua maioria", pontou o advogado. Mesmo que membros do MP, do Judiciário ou policiais sejam enquadrados, não vão resultar em prisão e tampouco em julgamento.
"Pena máxima de dois anos vai para o Juizado Especial e pode ser encerrado com transação penal. Todos os casos em que a pena mínima for menor ou igual a um ano cabe a suspensão condicional do processo, que é uma espécie de acordo. Muitas dessas coisas não chegarão a ser julgadas, poderão ser resolvidas em âmbito negocial com o Ministério Público."
Ainda assim, as penas, prossegue Ludgero, são um tanto mais severas do que as da lei anterior de abuso de autoridade, que agora fica revogada. Mas em um ponto o texto atual é ainda mais brando: "Antes, o ponto mais temido pelos servidores na lei de abuso de autoridade era a possibilidade de perda do cargo. Agora, a perda do cargo ocorre somente em caso de reincidência."
O QUE FOI VETADO POR BOLSONARO
Queixa
Artigo que estabelece que os casos de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada, ou seja, a denúncia independe da vítima prestar queixa, devendo ser assumida pelo Ministério Público mesmo que a pessoa alvo do abuso não queira dar prosseguimento ao caso.
Função policial
Ponto que prevê como pena a proibição de exercer, por um a três anos, funções de natureza policial ou militar no município que tiver sido praticado o crime e naquele em que residir e trabalhar a vítima
Desconformidade com a lei
Punição ao juiz que mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou deixar de soltar ou substituir prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir
Sem flagrante
Punição para quem prender ou executar busca e apreensão sem condição de flagrante e sem mandado judicial
Constrangimento
Punição para quem constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro
Fotos sem consentimento
Punição para quem fotografar ou permitir que o preso seja fotografado ou filmado sem o seu consentimento
Silêncio
Punição para quem continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado sem que este esteja presente
Sem identificação
Punição para quem não se identificar ou fornecer identificação falsa para o preso no momento da prisão
Algemas
Punição para a autoridade que usar algemas em quem não resista à prisão, não ameace fugir ou represente risco à sua própria integridade física ou à dos demais
Entrevista com advogado
Punição para quem impedir a entrevista do preso com seu advogado
Exposição
Punição para quem extrapola os limites do mandado judicial e mobiliza agentes, veículos e armamentos de forma extensiva para expor o investigado a vexame durante ação de busca e apreensão
Instigar flagrante
Punição para quem induzir ou instigar alguém a praticar infração para capturá-lo em flagrante
Omissão de informação
Punição para quem omite informação juridicamente relevante e não sigilosa com o intuito de prejudicar um investigado
Sem justa causa
Punição para quem dá início a processo ou investigação sem justa causa e contra quem se sabe inocente
Negação de acesso aos autos
Punição para quem nega ao investigado ou à sua defesa acessos aos autos de qualquer procedimento de investigação salvo situações em que o sigilo é imprescindível para a apuração em curso
Erro em processo
Punição para quem, tendo conhecimento de um erro em um processo, deixar de corrigi-lo
Manifestação
Punição para quem coibir, impedir ou dificultar sem justa causa a associação ou reunião pacífica de pessoas (caso de uma manifestação sem violência, por exemplo)
Meio de comunicação
Punição para a autoridade que atribuir culpa a alguém em qualquer meio de comunicação, inclusive redes sociais, sem que as apurações tenham sido finalizadas e a acusação tenha sido formalizada
Prerrogativas do advogado
Artigo que criminaliza a violação das seguintes prerrogativas do advogado asseguradas em lei:
1) inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, instrumentos de trabalho, correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática relativas ao exercício da advocacia;
2) comunicação com clientes de forma reservada quando estes forem presos, em estabelecimento civil ou militar, mesmo que sejam considerados incomunicáveis;
3) ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia.
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