Os cartórios do Espírito Santo recuperaram o fôlego em 2018 e registraram o maior valor de faturamento dos últimos cinco anos. Ao todo, eles arrecadaram R$ 260,5 milhões no ano passado, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Esses valores correspondem à arrecadação do cartório com os chamados emolumentos, que são as taxas que a população paga para registrar firma, títulos ou um imóvel, por exemplo. Parte dos recursos (veja no infográfico) vai para fundos do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), da Defensoria Pública, do Ministério Público Estadual e da Procuradoria-Geral do Estado.
Há também tributos incidentes, como o ISS, que vai para os municípios. O restante fica para o cartório e deve ser usado para manter a própria serventia, pagar funcionários e a remuneração do titular.
Os responsáveis pelos cartórios devem ser, por lei, pessoas aprovadas em concurso, e que são delegadas para gerir o serviço público. No entanto, essa exigência foi criada pela Constituição de 1988, e a regra só foi regulamentada em 1994. Por conta disso, ainda há milhares de cartórios no país classificados como vagos, pois são ocupados por interinos que não se submeteram a concurso.
No Estado, dos 369 cartórios extrajudiciais existentes, 53% ainda estão ocupados por interinos, embora o TJES tenha realizado concursos em 2006 e 2013.
PANORAMA
De acordo com dados do sistema Justiça Aberta, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referentes ao Espírito Santo, a maior parcela (36%) entre os cartórios que possuem titular concursado arrecadou acima de R$ 500 mil no segundo semestre de 2018. Outros 35,1% auferiram de R$ 100 mil a R$ 500 mil.
O panorama geral dos cartórios considerados vagos foi menos rentável, já que 28,7% deles faturaram entre R$ 10 mil e 50 mil, e 23,3% arrecadaram de R$ 100 mil a 500 mil no mesmo semestre.
Com 189.033 atos praticados durante todo o ano de 2018, a serventia que arrecadou as maiores cifras no ano passado foi o Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Registros Civis das Pessoas Jurídicas de Vila Velha, com R$ 20,1 milhões, e que é classificado como vago.
Já o segundo maior, o Cartório do 1º Ofício da 2ª Zona da Serra, que está ocupado por um concursado, auferiu ganhos da mesma proporção, recebendo R$ 19,8 milhões no ano.
DESEMPENHO
O resultado financeiro dos cartórios é totalmente atrelado ao desempenho da economia, conforme aponta o Sindicato dos Notários e Registradores do Estado (Sinoreg-ES).
A entidade explica que o aumento da arrecadação aconteceu pelo fato de que nos últimos anos muitos serviços deixaram de ser feitos pelo Judiciário e foram para os cartórios, como os divórcios, usucapião, a legalização de documentos nacionais para uso estrangeiro.
É importante esclarecer que, do total cobrado para cada serviço, descontados impostos e taxas estaduais e federais, menos da metade fica com os cartórios para cobrir todos os custos do serviço, que não são baixos, e remunerar a atividade com algum lucro que possibilite manter os serviços e o reinvestimento na sua melhoria, ressaltou o Sinoreg-ES. O serviço que mais arrecada é o registro de imóveis.
EXPECTATIVA
Para 2019 e os anos seguintes, a expectativa do setor é de haver queda na arrecadação, de acordo com o tabelião e representante do Sinoreg Bruno do Valle.
Nosso movimento já caiu muito e ano que vem cairá mais ainda, pois há poucos empreendimentos sendo construídos, somente estamos fazendo registro de imóveis mais antigos. Além disso, estamos fazendo poucos protestos, pois os comerciantes não estão querendo correr riscos, só vendem para quem tem certeza que vai pagar, destaca.
DÉFICIT
O tabelião acrescenta que o grande número de cartórios vagos deve-se ao fato de serem deficitários. Há cartórios muito pequenos, de distritos, e que ninguém entra. Tem dois deles que faturaram R$ 150 em um semestre no ano passado. Outros 20% faturaram no máximo R$ 20 mil em seis meses. Como eles são inviáveis, mesmo havendo concursos, ninguém quer assumir a titularidade. É necessário fazer uma reestruturação, diz.
Este ano, o TJES já deu a outorga para 97 aprovados instalarem seus cartórios. O candidato tem 60 dias, prorrogáveis, para montar toda sua estrutura, arcando com todos os custos. Caso desista, comunica o Judiciário e a serventia volta a ser considerada vaga.
PROCESSOS NO TJES APURAM FALTA DE REPASSES AO JUDICIÁRIO
Como os cartórios extrajudiciais são um serviço público exercido por particulares, que têm a obrigação de repassar valores ao poder público, as serventias precisam ser alvo de fiscalização frequente, como exige o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A tarefa fica a cargo dos juízes de Varas com competência para o registro público, que enviam anualmente relatórios de inspeção à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
De acordo com o relatório da última inspeção feita pelo CNJ no Judiciário capixaba, em fevereiro de 2019, foram instaurados 23 Processos Administrativos Disciplinares (PADs) e 114 reclamações contra delegatários titulares de cartórios, ou seja, os titulares concursados, para apurar irregularidades.
Há também 89 apurações em um procedimento chamado de quebra de confiança, em face dos delegatários interinos.
Em um dos PADs abertos, um tabelião é investigado por não ter recolhido os valores devidos aos fundos em 2016, com um débito de R$ 23,6 mil. Em um outro processo, o rombo foi de R$ 45,8 mil.
Houve também uma acusação a um cartório de São Mateus que confeccionaria documentos, como contratos e recibos, mas que não declarava o valor recebido nas rendas do cartório.
Após o processo, as punições podem ser de perda da delegação, cessar a interinidade, multa e repreensão, quando a penalidade é anotada na ficha funcional.
Segundo o relatório do Conselho, nos últimos três anos foram aplicadas uma perda de delegação, 8 suspensões, 4 multas, uma repreensão e 19 penalidades por quebra de confiança.
HISTÓRICO
As fraudes em cartórios também foram alvo das investigações da Operação Naufrágio. Em 2008, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou um suposto esquema de enriquecimento ilícito pelo loteamento de cartórios de Registro de Imóveis que haviam sido criados na época.
Duas das serventias citadas na denúncia encaminhada à Justiça ainda constam como cartórios vagos: o 1º Ofício de Cariacica e o 1º Ofício de Cachoeiro de Itapemirim.
PARENTESCO
A última inspeção do CNJ também constatou que ainda existem no Espírito Santo serventias que estão ocupadas por interino que seja cônjuge ou parente até o 3º grau do antigo titular, o que é vedado pela lei.
Embora a situação ainda não esteja totalmente conforme as exigências do CNJ, em dezembro de 2018 uma decisão do corregedor-Geral de Justiça, desembargador Samuel Meira Brasil Júnior, determinou que 41 interinos deixassem a função em razão de parentesco com antigos titulares e de magistrados.
APÓS LONGA ESPERA, 97 ASSUMEM CARTÓRIOS
Uma série de cartórios do Espírito Santo está em vias de ter a sua titularidade regularizada, com os aprovados nos últimos dois concursos públicos podendo, enfim, assumir suas vagas.
Em fevereiro e março, ao todo, 97 pessoas já receberam a outorga do Poder Judiciário como oficiais e tabeliães de cartórios. As vagas se referem a 29 serventias do concurso de 2006, que estavam em discussão na Justiça, e às serventias do concurso de 2013.
Este último contou com cerca de 180 aprovados para 171 vagas oferecidas. Mas ficou suspenso desde maio de 2017 por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, quem permaneceu à frente dos cartórios considerados vagos foram os interinos, não concursados.
Somente em setembro de 2018 foi resolvida a homologação do certame de 2013 pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Naquele mesmo mês, o Tribunal convocou os aprovados para uma audiência em que eles puderam escolher as serventias de notas e registros que iriam assumir.
De acordo com a posição do candidato no concurso, ele consegue escolher um cartório mais vantajoso do ponto de vista financeiro. Geralmente os mais lucrativos são os localizados em áreas nobres e aqueles que fazem atos de registro de imóveis, pois os proprietários de imóveis são obrigados a registrar seus bens na serventia de sua região.
A relação dos cartórios ofertados também costuma ser alvo de brigas judiciais. Todo ano, o Tribunal de Justiça tem que divulgar uma lista com todas as serventias extrajudiciais que não têm tabeliães titulares e, por regra, todas aquelas que estão vagas devem ser oferecidas em concurso.
Algumas podem ser declaradas como sub judice por haver ações judiciais pendentes de julgamento sobre a situação dos atuais ocupantes. Na última lista, constam 196 cartórios vagos, mas somente 84 estão sem nenhuma pendência judicial.
No caso do cartório que fica em Vila Velha e registra há anos a maior arrecadação do Estado, por exemplo, a situação jurídica do responsável consta como vago, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, ele não foi disponibilizado aos 97 aprovados no concurso, pois ainda é alvo de processos na Justiça.
O titular deste cartório ingressou na atividade antes da Constituição de 1988, em outra serventia do Estado, e desde 1999 está à frente da unidade de Vila Velha.
OUTRO LADO
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) foi procurado pela reportagem para comentar sobre os processos dos cartórios e, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que havia encaminhado os questionamentos para a Corregedoria Geral de Justiça, mas não deu retorno até o fechamento desta edição.
PARA SER DONO DE CARTÓRIO
Seleção
Antes de 1988, os tabeliães eram nomeados sem um critério rígido, muitos por indicação política ou do Judiciário. A Constituição passou a estabelecer a realização de concurso público para quem quiser ser titular de cartórios no Brasil. Em 2009, o CNJ impôs as regras para a realização das seleções.
Exigências
Ser bacharel em Direito ou ter completado 10 anos de exercício em serviço notarial ou de registro, não possuir antecedentes criminais, e ser aprovado em concurso público.
Vínculo
O tabelião é o profissional responsável pela gestão do cartório. Mesmo passando por concurso, ele não é considerado servidor público. A atividade é uma espécie de regime de concessão: agente privado que trabalha para o Estado.
Ganhos
O titular de cartório ganha por meio do que arrecada em emolumentos. Os valores de cada ato são definidos em uma tabela de custo que o Estado edita todo ano. Logo, não existe uma remuneração fixa. Ele tem os ônus e os bônus, como se fosse uma empresa, porém fiscalizada pelo Estado.
Limite
Os donos de cartórios que são concursados não têm limite de remuneração e podem receber o valor integral do faturamento da serventia. Já os interinos são limitados a receber 90,25% do teto do funcionalismo, o que significa R$ 35,4 mil.
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