O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu na segunda-feira (28) uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por prevaricação. O documento – assinado pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede-ES) – pede para que a Corte intime a Procuradoria-Geral da República (PGR) a investigar o presidente, no caso Covaxin.
Segundo a denúncia apresentada pelos parlamentares, Bolsonaro teria deixado de informar aos órgãos de controle possíveis irregularidades apresentadas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde, na compra das vacinas da farmacêutica indiana Bharat Biotech. Nesta terça-feira (29), o ministro Marcelo Queiroga anunciou que vai suspender o contrato com a Covaxin.
A ministra do STF Rosa Weber foi sorteada como relatora da notícia-crime e já encaminhou o pedido dos senadores à PGR. Cabe, agora, ao procurador-geral da República, Augusto Aras, analisar os indícios apontados pelos parlamentares e decidir se vai oferecer denúncia contra Bolsonaro ao STF ou arquivar o pedido.
Caso ele opte por denunciar o presidente, o STF, antes de dar início à análise da denúncia, tem que remeter o processo para a análise da Câmara dos Deputados, que pode autorizar ou não que o Supremo julgue o presidente. Para que o processo seja levado adiante, seria necessária a aprovação de dois terços dos deputados, o que equivale 342 votos.
A notícia-crime protocolada pelos senadores reproduz o depoimento de Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, que informou ao irmão, o deputado federal Luís Miranda, que sofria pressões para aprovar a aquisição da vacina indiana Covaxin, mesmo com irregularidades no processo. O parlamentar, de acordo com o que o próprio Miranda contou à CPI, levou o caso ao presidente Jair Bolsonaro em março.
A compra das vacinas pelo laboratório indiano levanta, ainda, outras suspeitas, como a de superfaturamento, já que o valor estabelecido com o governo brasileiro é 1.000% maior do que o preço inicial anunciado seis meses antes pelo laboratório. A contratação foi feita em fevereiro, quando a Anvisa nem sequer havia aprovado a vacina da Covaxin, contrariando procedimento que vinha sendo anunciado pelo governo federal.
Além disso, a Covaxin é o único imunizante contratado pelo país que possui uma empresa atuando como atravessadora na negociação. A Precisa Medicamentos, que representa a fabricante indiana no Brasil, tem como dono o empresário Francisco Emerson Maximiano, que é investigado pelo MPF, em uma ação de improbidade administrativa.
Em 2018, a Global Gestão em Saúde, que tem Maximiano – dono da Precisa Medicamentos – como sócio, recebeu do governo federal pagamentos antecipados de R$ 20 milhões por medicamentos não entregues. Na época, o ministro da Saúde era Ricardo Barros (PP-PR), que atualmente deputado e líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Barros foi, segundo o depoimento do deputado federal Luis Miranda à CPI, apontado pelo presidente Jair Bolsonaro como responsável “por um rolo” na compra da Covaxin.
Na notícia-crime, os senadores pedem que o STF cobre um posicionamento de Bolsonaro sobre a reunião em que os irmãos Miranda teriam levado a ele as denúncias e quais as providências que tomou ao ser informado delas. O pedido também quer que a Polícia Federal informe se houve a abertura de algum inquérito sobre o caso Covaxin. Para os senadores, é dever do presidente levar adiante as denúncias recebidas.
O crime de prevaricação ocorre, segundo o Código Penal brasileiro, quando um funcionário público "retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
Esse ato de ofício, no contexto do caso Covaxin, seria uma suposta não comunicação de uma eventual irregularidade por parte do presidente. A pena prevista é de três meses a um ano de prisão, além de multa.
Além de ser passível de punição penal, o crime de prevaricação também pode ser considerado, na esfera cível, como um crime de responsabilidade, de acordo com o professor de Direito da FDV Américo Bedê Freire Júnior.
A notícia-crime dos senadores está agora nas mãos da PGR, que vai analisar os fatos apontados e decidir se vai abrir uma investigação para apurá-los. O órgão pode requisitar o auxílio da Polícia Federal durante essa investigação. Caso sejam identificados indícios de que o presidente tenha cometido crime, que possam ser comprovados, a PGR pode encaminhar a denúncia ao STF.
Foi o que aconteceu, por duas vezes, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). As duas denúncias feitas pela PGR ao STF tiveram que passar pela Câmara dos Deputados. Somente com a votação de dois terços dos deputados federais é que o Supremo estaria autorizado a dar prosseguimento à denúncia. Caso contrário, como ocorreu, as denúncias são arquivadas.
Caso o procurador-geral da República, Augusto Aras, leve a denúncia até o STF, ele pode desagradar o presidente, o que afetaria os planos do PGR para ser reconduzido ao cargo. Além disso, Aras também é cotado para ser indicado à vaga do ministro do STF Marco Aurélio Mello, e concorre, nos bastidores, com o atual advogado-geral da União (AGU), André Mendonça. Cabe a Bolsonaro indicar quem vai ser o procurador-geral da República e também o novo ministro.
Se a notícia-crime for arquivada pela PGR, caso o órgão considere que não há elementos suficientes para mover uma denúncia contra o presidente, o Supremo não pode, segundo o regimento da Corte, divergir da decisão do procurador-geral da República.
Como a prevaricação está tipificada como um dos crimes de responsabilidade que podem levar ao impeachment de um presidente, o caminho da denúncia do caso Covaxin pode ser mais eficaz se tramitar no Senado. Como tanto o caminho pela Justiça comum quanto pelo Congresso Nacional a denúncia precisaria ser analisada pelos parlamentares, há maior chance de haver alguma punição ao presidente, caso seja comprovado algum ato ilegal, pelo poder Legislativo.
A lei que trata dos tipos de crimes de responsabilidade prevê que um deles pode ser tipificado quando o presidente "não efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição".
"A CPI pode, por exemplo, chegar à conclusão que o presidente cometeu crime de responsabilidade e pedir ao Senado que abra um processo de impeachment. Como ambos os casos dependem de um fator político, a via pelo Legislativo pode ser, digamos, mais efetiva do que o caminho pelo Judiciário", analisa o professor da UVV Carlos Magno Lima.
A reportagem foi atualizada com a informação de que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou, na tarde desta terça-feira (29), que vai suspender o contrato de compra da Covaxin.
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