Em janeiro, Valentina (nome fictício) tinha 17 anos quando o então deputado estadual Luiz Durão (PDT), aos 71 anos, entrou com ela em um motel. Ele dava uma carona à menina, de Linhares a Vitória, algo que prometera à mãe da garota. Valentina alertou amigos por mensagens. Eles chamaram a polícia e o político foi preso na saída do motel. Luiz Durão foi processado por estupro, com o agravante de ser apontado como alguém que tinha convivência no âmbito familiar da garota.
Na semana passada, foi absolvido em primeira instância. A Justiça entendeu não haver provas suficientes que possam condená-lo por estupro. O político comemorou a decisão e sugeriu ter sido provocado pela menina.
Depois dessa decisão judicial, Valentina falou pela primeira vez desde que a situação ocorreu. Em uma entrevista na qual foi às lágrimas diversas vezes, ela mostrou-se revoltada com o desfecho. "Se tivesse meu consentimento, não teria pedido socorro do início da viagem até o final", disse. Confira a entrevista abaixo.
Hoje com 18 anos, a jovem diz que o mais doloroso desde o ocorrido é a sensação de culpa que jogam sobre ela quando, nas redes sociais, dizem que caberia somente a ela evitar o episódio: "Ninguém questiona por que ele não fez".
Desde então, Valentina vem fazendo acompanhamento psicológico para lidar com o trauma. A rotina também mudou bastante. O padrasto chegou a deixar o emprego para ter disponibilidade de levá-la e buscá-la na escola diariamente.
Luiz Durão era um antigo conhecido da família. As reuniões políticas em determinado distrito de Linhares aconteciam na casa dos avós de Valentina. É padrinho de casamento da mãe da garota. "Eu achava que era uma amizade, como a de um pai, uma pessoa que eu poderia contar nos meus momentos difíceis", afirmou a mãe, que também falou com a reportagem de A Gazeta.
Foi o histórico de boa relação com a família que a fez confiar Valentina ao político. Luiz Durão frequentava a casa. Inclusive, ofereceu a carona enquanto tomava um café na residência, contou a mãe da menina.
Durão teria prometido à mulher que mais pessoas fariam a viagem, no mesmo carro, o que não aconteceu.
"Ele passou e pegou a Valentina. Aí questionei: 'cadê o pessoal?' Ele disse que saiu da fazenda atrasado e que ia pegar o pessoal lá no centro. Falei que minha filha vale ouro pra mim, ele falou: 'eu cuido de vocês todos'", disse a mãe.
Confira a entrevista com Valentina:
Tem sido completamente o oposto [do que era antes do episódio com Luiz Durão]. Não tenho mais liberdade, não ando mais sozinha, tenho medo de ficar sozinha. [choro] Eu desenvolvi ansiedade.
Sim, desde janeiro. Minha vida mudou completamente, principalmente psicologicamente. Quase precisei tomar remédio antidepressivo. Fui encaminhada para um psiquiatra, mas não quis depender de remédio.
Para ser sincera, na hora entrei em desespero. Não era o que eu esperava, que o agressor vai ficar livre. Porque se fosse para saber que o agressor vai ficar livre, você prefere se poupar de toda a dor de passar por tudo isso. Porque a humilhação é do início ao fim. Desde a dor de entrar na delegacia até hoje [choro]. Então doeu muito. Praticamente foi em vão tudo que passei até aqui.
Tem sido a desconfiança de todo mundo. Todo mundo achar que por ser mulher eu sou culpada, que eu poderia ter evitado. E não o fato de ele estar sozinho e ter me levado para lá... De não ter sido a culpa dele, somente a minha culpa. O fato de tudo cair sobre mim, de só eu poder evitar tudo isso. E ninguém questiona por que ele não fez, mas o fato de não ter tido minha reação. Isso machuca muito. Parece que o sentimento de culpa nunca vai sair de mim por mais que a culpa não tenha sido minha.
Não, nunca na minha vida.
A única troca de palavras que eu tive com ele foi quando disse que queria sair dali e e ele falou "calma, vai ser rápido". A única vez que tinha falado com ele foi quando minha amiga me ligou. Ela falou para repetir tudo o que ele falasse. Foi na hora que perguntei em qual trajeto a gente tava, porque ele passou num trajeto que não tenho conhecimento. É um lugar que não tinha sinal de celular. Aí quando consegui falar com ela, eu perguntei a ele onde a gente estava. Aí ele disse que estávamos passando por Jacaraípe. E ela falou para perguntar pra ele quanto tempo que a gente ia demorar. Eu perguntei e ele falou: uma hora e meia. Mas eu sabia que não dava uma hora e meia. Foi a única troca de palavras que a gente teve.
Não falamos mais nada. Não abri minha boca para falar com ele.
Sim, ele colocava a mão entre as pernas. Eu tinha a reação somente de apertar a bolsa para tentar tirar, mas tinha muito medo. Eu tava dentro daquele carro e não sabia o que podia acontecer. Eu não tinha a sensação de reação, só tinha medo.
Sim.
É um absurdo. Se tivesse meu consentimento, não teria pedido socorro do início da viagem até o final. Eu ia gostar de estar ali. Eu não ia falar pra minha amiga ficar atenta pra onde ele estava me levando. Eu não teria mandando mensagem dizendo que eu estava sendo assediada. Falta de prova acho que não foi. Tem as mensagens, tem o exame de corpo delito, tem os depoimentos.
Não, tanto que nem vi. Eu só senti que o carro fez uma curva. Eu tava tentando mandar mensagem para minha amiga. Quando eu levantei a cabeça e vi que ele estava entrando no motel, mandei a localização na hora para minha amiga. Ele não falava nada. Ele sabia que eu estava com medo. Se uma pessoa não conversa, não tem reação, ela não quer estar ali.
Não, eu só tinha medo. A hora que eu realmente chorei foi quando ele saiu do quarto e vi que minha mãe estava me ligando e minha amiga falou que tinha chamado a polícia [choro]. Eu estava com medo de acontecer alguma coisa comigo. Quando ele entrou no carro, ele falou assim: "você falou o que com sua mãe?". Eu falei que a gente estava sem sinal. Mas eu já sabia que a polícia estava ali fora. Foi a única coisa que consegui falar [choro]. Parecia que seria um ponto final.
Nada. Quando ele colocou a mão na minha perna, eu pressionei a bolsa com força pra tirar. Ele perceberia. Não fiz insinuação nenhuma. Na entrevista ele disse que eu estava de vestido. Eu não estava de vestido. Estava com um macaquinho. Tenho a roupa até hoje, mas nem quero ver essa roupa nunca mais.
Era um macaquinho preto.
Na abordagem, na hora do flagrante, ficava o questionamento se eu ia denunciar mesmo. Uma mulher que estava acompanhando ele falou pra eu parar de fingir, pra parar de vitimismo.
Queria justiça. Se aconteceu comigo e não deu em nada, talvez possa acontecer com outra pessoa. Pode acontecer com outra. Enquanto tiver solto, ele pode fazer isso.
Nem sei [choro]. Um apelo, talvez. As pessoas sempre acreditam na versão dele, na do homem. E dói muito saber que não tive voz até agora [choro]. Eu achei que a justiça ia ser feita. Nas rede sociais, fazem chacota, falam que eu tinha interesse [choro], que era para chamar atenção, que uma adolescente não entraria num motel forçada. Eu nunca tinha entrado em um motel. Eu achei que ia acabar ali. Alguém ia pedir minha identidade. Mas ninguém pediu nada.
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