A cidade de Wuhan, na China, epicentro do surto do novo coronavírus, chamou atenção do mundo ao anunciar, na última segunda-feira (3), que finalizou em dez dias a construção de um novo hospital para dar conta da crise de saúde. Com capacidade para mil pacientes, ele foi construído numa área de 25 mil metros quadrados e foi erguido com base na mesma estratégia utilizada em Pequim durante a epidemia do Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), em 2003.
Enquanto isso, do outro lado do mundo, mais especificamente no Espírito Santo, hospitais e unidades de saúde ultrapassam uma década sem ainda estar 100% prontos. A comparação considera o início efetivo da obra, com o primeiro tijolo. Porque, se for levado em conta todo o período burocrático anterior, desde o anúncio do investimento até a empresa começar a trabalhar, a novela é ainda mais longa.
Grandes hospitais da Grande Vitória, construídos pelo governo do Estado, são alguns exemplos. As obras do Hospital de Urgência e Emergência, o antigo São Lucas, na Capital, foram divididas em cinco blocos, e começaram em 2008. A primeira etapa levou seis anos para ser concluída. Hoje, 12 anos depois, está em andamento a construção do quarto bloco, com 43 leitos. Ainda vai faltar a última etapa, que é a implantação de um estacionamento. Segundo o Portal da Transparência do governo, já foram gastos R$ 47 milhões com as quatro etapas, somente com os prédios, sem contar com as compras de equipamentos.
Outro exemplo da morosidade para tirar um hospital do papel é o do Hospital Geral de Cariacica, obra anunciada em 2015. Para 2020, o governo está prevendo gastar R$ 12,6 milhões e entregar 32% do hospital. Em junho do ano passado, foi lançado o edital para a construção da fundação do prédio, que é a primeira parte do projeto.
Além da demora e da complexidade comuns a esses investimentos, em alguns casos há ainda o complicador gerado pelas paralisações nas obras, seja por quebra de contrato, problemas com a empresa ou decisão dos órgãos de controle. Em Guarapari, desde 2011 a população espera a construção do Hospital Maternidade Cidade Saúde. Naquele ano, houve a apresentação do projeto, mas a obra só teve início efetivamente em 2015. No entanto, foi paralisada em 2016 e os trabalhos só foram retomados em 2018. O custo dela é de mais de R$ 23 milhões.
Em obras menores, como as de construção de Unidades de Saúde, isso também acontece. Em Vila Velha, em 2012 houve um primeiro contrato para a obra da Unidade de Saúde do bairro São Torquato. Ela foi paralisada por rescisão contratual naquele mesmo ano. O contrato foi retomado somente em 2019, e meses depois, novamente foi desfeito. Segundo a prefeitura, isto ocorreu por problemas internos da empresa. No final do ano, outro contrato foi feito e os trabalhos foram retomados. O custo da unidade de saúde é de R$ 2,6 milhões e, agora, a previsão de entrega é para julho de 2020.
Para construir um hospital em tempo recorde, a China contou com milhares de operários, mobilizados dia e noite, usando peças pré-fabricadas em quase toda a obra. O próprio projeto também ficou pronto rapidamente, afinal era uma adaptação de um local construído em 2003, em meio à epidemia de Sars.
Mas além das tecnologias avançadas do setor de construção na China, que possibilitam obras emergenciais de curta duração, especialistas apontam outros fatores que fazem as obras do Brasil demorarem tanto além. As razões vão desde a demora para definir um projeto e todas as questões políticas que isso envolve, passando por toda a burocracia para a contratação do investimento e as restrições orçamentárias, e sofrendo, por fim, eventuais impactos de paralisações e corrupção.
O economista e mestre em Planejamento e Políticas Públicas Wallace Millis avalia que a descontinuidade dos governos são um entrave para que as obras sejam entregues em tempo razoável.
"Elas não são tratadas como de interesse público, do Estado, e sim como questões de governo. Troca-se o governo, e muitas vezes aquela obra não é vista mais como prioridade, é paralisada. Ou, se já está parada, não há um esforço para que seja retomada. Outra questão diz respeito à qualidade dos projetos públicos, que às vezes não consideram a capacidade orçamentária, não preveem adequadamente a obtenção de licenças, e o contrato não anda", afirma.
Ele lembra que uma obra na área de saúde é especialmente complexa, já que precisa levar em conta várias normatizações específicas, questões de impacto ambiental, de contato com a vizinhança, questões jurídicas, de engenharia, gestão de pessoas, e para isso, precisa haver um gerenciamento integrado.
Embora haja hoje no mercado diversas tecnologias que permitam que a execução de uma obra seja mais rápida, a exemplo dos prédios pré-fabricados da China, boa parte das contratações do Brasil ainda utilizam metodologias mais conservadoras e lentas, por conta da exigência pelo menor preço da Lei de Licitações, pontua o Millis.
"São as duas coisas juntas: problemas de gerenciamento e de técnica. A intenção de exigir o menor preço é boa: criar um limite para inibir desvios de conduta. Mas isso engessa o processo, dificulta a tomada de decisão. Nosso processo licitatório é demorado, exige uma fiscalização robusta, e o gestor fica jogando para se defender. Eles joga para não errar e não ser responsabilizado por algum erro, e não para entregar a obra rápido."
O pós-doutor em Administração Pública e professor da Ufes, Robson Zuccolotto, também concorda que o processo de contratação de obras e a execução precisam ser revisados.
"Ele é arcaico, muito influenciado por interesses. Nada impede que os nossos editais diminuam prazos, tenham incentivos para ter outras estruturas de construção mais modernas, como os prédios pré-fabricados, materiais que fiquem menos à mercê do clima. As empresas privadas hoje trabalham com essas estruturas. E também depois que a obra já foi iniciada, mas foi paralisada, é preciso melhorar os mecanismos de controle para que ela seja retomada o mais rápido possível. Obra parada é desperdício de dinheiro", afirma.
Zuccolotto ressalta também que o fato de a China não estar sob uma democracia também interfere na velocidade de uma obra. "É muito mais fácil para esses governos aprovarem obras e projetos quando quiserem. Não é preciso passar por grandes planejamentos, orçamento, discussão com a população. Eles entendem que quanto mais ágil, menor perda econômica vão ter, pois estão dando uma resposta ao mercado. Aqui, se discute a obra, segue-se uma série de leis, decretos, e o mercado é complexo, guiado por interesses", analisa.
Em nome do governo do Estado, o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, pontuou que a lentidão das obras públicas do país, comparadas às da China, não são somente na área da saúde.
"A China é dirigida pelo partido Comunista, e possui empresas estatais que atuam no ramo de construção civil, que possuem um marco legal totalmente diferente do modelo brasileiro. O país também é destaque na área de construção civil e tecnologias. Hoje já temos tecnologias no Brasil para fazer entregas rápidas em curto período de tempo, como a construção seca, modulares, diversos tipos de materiais, mas o que é mais necessário são atualizações normativas nos procedimento licitatórios, de uma forma que continuem garantindo a impessoalidade e eficiência."
O secretário aponta que a criação do Regime de Contratação Diferenciada (RDC) já foi um avanço para o setor público neste ponto, assim como a nova Lei das Estatais. Com o RDC, é possível fazer uma mesma licitação para o projeto e para a execução da obra. No modelo tradicional, é preciso fazer licitações separadas para essas duas etapas, o que também torna o processo mais lento - cada uma leva, no mínimo, três meses.
No caso dos Hospitais de Urgência e Emergência, antigo São Lucas, e o de Cariacica, segundo Nésio, uma das explicações para levarem tanto tempo para ficar prontos é o fato de serem obras que foram licitadas no modelo tradicional vigente, com construções de alvenaria, convencionais.
"Essas obras tiveram processos licitatórios de grande volume, com muitos concorrentes. Acaba havendo judicialização da própria licitação. Além disso, obras hospitalares são complexas, não é o mesmo que construir um prédio administrativo", argumenta.
O secretário complementa que para a construção do Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, o governo já pretende ter sua primeira experiência com obras mais modernas.
"Pretendemos licitar com tecnologia modular e pelo modelo de RDC, que dará capacidade de entrega mais rápida. Estamos em busca da aprovação do financiamento para esta obra."
O Hospital de Urgência e Emergência deve ter a entrega de sua quarta etapa no segundo semestre deste ano, e o Hospital de Cariacica deve ter a construção da fundação finalizada também em 2020, e ser feito o lançamento do edital para a obra em si. De acordo com Nésio, as duas obras são tidas como prioridade pela gestão, e não sofrerão cortes.
Sobre a demora na conclusão do Hospital Maternidade Cidade Saúde, de Guarapari, a prefeitura do município afirmou, por nota, que o principal motivo foram pendências detectadas pela Caixa Econômica Federal na liberação de recursos.
Segundo a administração, a obra encontra-se agora em pleno funcionamento e cumprindo o cronograma físico e financeiro constante no contrato, com a empresa responsável. Atualmente ela encontra-se com nove medições realizadas, e já foi 16,41% executada. A prefeitura ressaltou ainda que durante a gestão 2013-2016, além dela ter sido paralisada, menos de 1% foi executado.
Já a Prefeitura de Vila Velha declarou que a atual gestão retomou as obras da Unidade de Saúde de São Torquato que estavam paradas por gestões anteriores.
"O primeiro contrato de 2019 foi paralisado pois a empresa que estava executando a obra pediu rescisão contratual por problemas internos. Imediatamente foi feito um novo contrato com a Empresa Vibra Construção e Serviços, e hoje a obra está em ritmo acelerado", afirmou. A Unidade de Saúde terá nove consultórios e capacidade para 80 mil consultas por ano.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta