A primeira eleição unificada das prefeituras no Espírito Santo, após a ditadura militar, ocorreu em 1988. Daquele ano até agora, 24 mulheres, entre 140 candidatos — o equivalente a 17% — participaram da disputa para o comando do Executivo nos quatro principais colégios eleitorais da Grande Vitória — e nenhuma se elegeu ao longo desses 36 anos.
Conforme levantamento de dados no Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES), a maior participação feminina foi registrada na Serra, onde oito se candidataram para o comando do município no decorrer desse período. Para as Eleições 2024, porém, nenhuma se apresentou para concorrer — ou, pelo menos, não teve o nome confirmado junto à Justiça Eleitoral. Na disputa de outubro, apenas Vitória e Cariacica têm candidatas ao Executivo municipal.
Gabriela Sabino, autora do livro “Política: substantivo feminino" e ex-chefe de gabinete no Ministério de Portos e Aeroportos, analisa que, embora os últimos anos tenham registrado um aumento de mulheres nas disputas, ainda há muito para avançar.
A baixa participação, afirma a escritora com mestrado em políticas públicas, não significa que elas não estão interessadas. Entretanto, quando elas vão para a corrida eleitoral, costumam enfrentar outras barreiras, como a jornada tripla comum às mulheres (trabalho, casa, maternidade), além de também serem alvos mais frequentes da violência política.
Nesses 36 anos, mulheres concorreram em cinco disputas à Prefeitura da Serra. A primeira vez foi logo em 1988, com Rose de Freitas (PSDB), que era deputada federal e depois se tornaria senadora. Naquele ano, José Maria Feu Rosa se elegeu — e foi assassinado dois anos depois. Em 1992, 1996 e 2020 duas mulheres concorreram em cada disputa. Em 2000, somente uma mulher se candidatou. Nos outros anos, nada. No universo de 42 candidatos para assumir a prefeitura nesse período, somente 19,04% eram mulheres.
Vila Velha aparece em segundo lugar, com seis candidatas que representam 18,7% dos nomes colocados em disputa no município, desde 1988. Em quatro eleições, mulheres concorreram. A primeira vez foi em 1996, com Marcia Almeida (PPS).
O ano com maior representação feminina foi 2020: Cláudia Autista (PRTB), Fernanda Martins (PV) e Mônica Alves (Psol) tentaram alcançar o posto máximo do Executivo canela-verde. Em 2024, porém, nenhuma mulher está concorrendo.
Vitória teve cinco postulantes ao cargo de prefeita, incluindo Camila Valadão, do Psol, neste ano. A participação feminina na Capital do Espírito Santo é de somente 15,62% entre 32 candidatos nessas quase quatro décadas.
A primeira vez também foi em 1996, com Rita Camata (PMDB). Ela ficou em segundo lugar, perdendo para Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), que hoje tenta voltar ao comando do município. A emedebista seguiu a trajetória política no Legislativo como deputada federal.
Cariacica ficou em último lugar, com outras cinco candidatas. Em um grupo que tem 34 concorrentes, elas correspondem a 14,7% dos candidatos. Nas Eleições 2024, a professora Célia Tavares (PT) é a representante das mulheres para a prefeitura do município.
Nesse levantamento, há registro de mulheres concorrendo em mais de uma eleição, como a deputada petista Iriny Lopes (2000 e 2012), em Vitória; a ex-deputada Aparecida De Nadai (2004 e 2008) e Célia (2020 e 2024), em Cariacica. No entanto, na contagem de candidatas por município, os nomes delas foram registrados apenas uma vez. Ainda que fossem contabilizadas todas as disputas, a participação feminina seguiria baixa na Grande Vitória.
Gabriela Sabino observa que muitas mulheres não conseguem ser só candidatas, como é mais frequente entre os homens, e ainda falta a muitas delas a preparação para a disputa. "Isso é culpa dos partidos que, muitas vezes, não as preparam da mesma forma que fazem com os candidatos. Não as envolvem nas reuniões de decisões de chapa, de fundo (eleitoral). A viabilidade dessas candidaturas passa também pelo fato de as mulheres ocuparem espaços de decisão, partidariamente falando", sustenta.
As mulheres, continua Gabriela, precisam passar por essa qualificação e entender como o jogo funciona.
O letramento eleitoral, na opinião da especialista, deve começar ainda na escola, para que as meninas vislumbrem desde cedo a possibilidade de ocupar funções públicas e disputar eleições. Gabriela conta que ela mesma só foi entender o papel de uma vereadora, deputada ou senadora quando já estava na faculdade de comunicação.
É preciso, ainda, mais mulheres ocupando funções de liderança, como ministérios e secretarias de Estado — não apenas em pastas ditas femininas, como Ação Social, ressalta Gabriela. "Isso, para que inspirem e sejam referência para jovens também sonharem com cadeiras na Casa Civil, no Desenvolvimento Econômico, nas Relações Externas", pontua.
Gabriela Sabino lembra que, com a mudança na legislação eleitoral que instituiu a cota de gênero, exigindo que partidos assegurem o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo, as mulheres conseguiram ter um pouco mais de espaço nas disputas, porém ainda no menor limite definido na lei.
"Eu penso que não basta a lei, porque aí pode vir uma espécie de PEC da Anistia — o Senado aprovou, em agosto, proposta que perdoa multas de partidos — se as legendas não cumprirem as regras. É preciso um compromisso de todos, do Judiciário, da sociedade, para que não seja tão difícil às mulheres chegarem até o dia da eleição, o dia da urna e terem a chance de serem eleitas", pondera.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) fez um estudo em que destaca que 2.311 candidatas foram registradas para disputar o cargo nas prefeituras de 1.947 cidades do país, o que corresponde a 15% do total concorrentes deste ano. Isso significa que, somente em 35% das cidades, há alguma mulher na disputa, enquanto o percentual é de 98% entre os homens.
O Espírito Santo, conforme aponta o levantamento, só tem mulheres na disputa em 19 dos 78 municípios.
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