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CNJ manda recalcular processos de R$ 14 bilhões no Espírito Santo

CNJ manda recalcular processos de R$ 14 bilhões no Espírito Santo

Valor se refere a títulos que servidores estaduais ganharam na Justiça por conta de perdas salariais ocorridas em 1990

Publicado em 21 de novembro de 2018 às 13:12

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Tribunal de Justiça julgou processos de precatórios da trimestralidade envolvendo servidores estaduais. ( Marcelo Prest)

Uma decisão do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou nesta terça-feira (20) que os valores devidos pelo Estado por meio dos precatórios da trimestralidade sejam totalmente recalculados e que, enquanto isso, todos os pagamentos permaneçam suspensos.

Os precatórios gerados nos 30 processos judiciais sobre o tema alcançariam hoje cerca de R$ 14 bilhões ao Estado, caso os cálculos não fossem refeitos. Isso significa quase o valor total do Orçamento do Estado para um ano inteiro, já que o de 2018, por exemplo, é de R$ 16,87 bilhões.

A decisão atende a um pedido de providências formulado pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), feito em agosto, e posteriormente endossada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

A PGE briga na Justiça com todos os 30 credores, que representam cerca de 20 mil pessoas, por meio de ações para anular os precatórios, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou o reajuste da trimestralidade inconstitucional. Nessas ações, foram concedidas liminares – decisões provisórias – que suspenderam os pagamentos dos títulos. Portanto, até hoje, nenhum deles conseguiu receber nada.

Precatórios são ordens de pagamentos provenientes de sentença judicial contra o poder público. Os precatórios da trimestralidade receberam este nome pois foram obtidos para corrigir perdas salariais de servidores do Estado, por conta de uma lei de 1987, que concedia reajustes a cada três meses, compensando a inflação do Plano Cruzado.

Nos últimos meses, em três desses processos, as liminares que suspendiam o pagamento do precatório foram derrubadas, o que poderia ocasionar a obrigação de que o Estado realizasse o pagamento.

No entanto, um problema central na questão estaria na forma de cálculo dos precatórios, conforme apontou o desembargador Pedro Valls ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Segundo ele, "os cálculos de atualização mostram-se claramente incorretos – em muitas das vezes com mais de 99% de diferença entre o realmente devido".

O magistrado acrescentou que em razão da "manifesta ilegalidade, o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES) recomendou que os valores fossem revistos", já que esse recálculo também já havia sido determinado pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.

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Todavia, os valores nunca foram revistos, motivo pelo qual o Estado do Espírito Santo encontra-se prestes a ter de pagar valores injustos e irreais

Pedro Valls Feu Rosa, desembargador, em pedido enviado ao CNJ
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De acordo com os cálculos anteriores, um único credor poderia receber R$ 200,9 milhões, sozinho. Ao todo, os 30 precatórios somariam R$ 14 bilhões.

INDÍCIOS

O desembargador Pedro Valls identificou a existência de erros nos cálculos quando estava na presidência do TJES, em 2012, e instituiu força-tarefa para esta apuração.

Após examinar o caso de três precatórios, ele identificou que os valores corretos seriam, muitas vezes, de 1% do que aquilo que estava sendo reivindicado. Um precatório de R$ 26,7 milhões, por exemplo, cairia para R$ 231 mil, com o recálculo.

Em sua decisão, o corregedor do CNJ, Humberto Martins, também ponderou que "notadamente foram identificados erros quanto à imputação de juros e desrespeito ao termo final das diferenças pela superveniência de Planos de Cargos e Salários das diversas categorias".

Desde 2014, o TJES, o TCES e a PGE assinaram convênios para propor uma fórmula de cálculo. Cabe ao vice-presidente do Tribunal de Justiça, que é o desembargador Ney Batista Coutinho, estabelecer qual será a metodologia utilizada.

VITÓRIA

O procurador-geral do Estado, Alexandre Nogueira, comemorou a decisão tomada pelo CNJ de suspender o pagamento dos precatórios da trimestralidade até que haja a conferência de todos os cálculos.

"Há uma decisão de 2015 do TJES, do então presidente Sérgio Bizzotto, de que o recálculo fosse feito com os parâmetros indicados pelo Tribunal de Contas. Por ele, os valores cairiam para 3% em alguns casos, ou até para 1%. Defendemos que esta metodologia seja a adotada. Os valores estariam corretos, e em um patamar que o Estado poderia pagar", explicou.

O procurador destacou ainda que o Espírito Santo tem se empenhado no trabalho de quitar todos os precatórios, e que é o único Estado que está com os pagamentos em dia.

O governador Paulo Hartung (sem partido) também considerou a decisão benéfica. "Tivemos uma vitória extraordinária, a Procuradoria-Geral do Espírito Santo ganhou no Conselho Nacional de Justiça", afirmou, durante uma coletiva de imprensa.

O TJES foi procurado para esclarecer sobre os valores dos precatórios da trimestralidade e sobre as fórmulas de cálculo, mas não respondeu os questionamentos da reportagem. O CNJ também não deu retorno.

Para 2019, já está marcada a inspeção que o órgão fará no Poder Judiciário capixaba: será de 18 a 22 de fevereiro. Nela, todos os serviços judiciais são avaliados, inclusive a Assessoria de Precatórios.

COMO COMEÇOU

Os precatórios da trimestralidade surgiram a partir de um passivo gerado por uma lei estadual de 1987, que previa reajuste dos salários dos servidores estaduais a cada três meses, repondo 60% da variação do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), que era um índice federal.

O governador da época, Max Mauro (PTB), deixou de conceder por duas vezes esses reajustes, alegando que "teria falido o Estado", pois comprometeria quase 140% da receita. Com isso, a partir de 1990 diversas categorias de servidores começaram a ingressar na Justiça para garantir o pagamento da recomposição de perdas salariais.

Elas entraram com mandado de segurança e venceram na Justiça, ainda na década de 90, gerando os chamados "precatórios da trimestralidade", que são o reconhecimento judicial de uma dívida que o poder público – no caso, o Estado –, tem com o autor da ação.

A primeira a ingressar com uma ação foi a Associação dos Procuradores do Estado, e seus títulos tiveram sentença transitada em julgado em 1995.

Na lista dos que aguardam receber, há um desembargador, sindicatos de servidores e associações de classe representando funcionários públicos, totalizando cerca de 20 mil credores, alguns deles familiares de servidores já falecidos.

No entanto, a polêmica se tornou ainda mais complexa pelo fato de o STF ter declarado a lei de 1987 inconstitucional, por utilizar um índice de correção federal, e não estadual.

Nos tribunais superiores, por outro lado, foi avaliado que esta tese da "coisa julgada inconstitucional" deve ser considerada como exceção, e não como regra.

ENTENDA

O que são

Precatórios da trimestralidade são títulos que servidores estaduais ganharam na Justiça, após alegarem perda salarial sofrida em 1990. O débito do Estado com esse tipo de precatório foi gerado entre março e maio do referido ano, quando o governo deixou de pagar 112,75% de correção salarial aos servidores. A reposição era prevista na Lei Estadual 3.935/87, conhecida como "lei da trimestralidade", porque concedia aos servidores um reajuste de 60% da inflação acumulada nos três meses anteriores.

Credores

Na época, mais de 20 mil servidores entraram na Justiça para receberem a correção salarial. Após a decisão em última instância, eles conseguiram o direito à reposição, passaram a ser credores do Estado e até hoje aguardam o pagamento.

Processos

Os precatórios da trimestralidade gerados nos 30 processos judiciais alcançariam hoje cerca de R$ 14 bilhões, caso os cálculos não fossem refeitos.

DO REAJUSTE AO PRECATÓRIO

1987

Criação da lei

No período do Plano Cruzado, de inflação galopante, o governador Max Mauro aprovou projeto instituindo a trimestralidade, para realizar a reposição salarial aos servidores estaduais.

1990

Pagamento não foi feito por duas vezes

Apenas por duas vezes, a partir de maio de 1990, o governador foi impedido de conceder o reajuste por força da Constituição de 1988, que estabeleceu que Estados e municípios não poderiam gastar mais de 65% de suas receitas correntes com pessoal.

Caso vai parar na Justiça

No mesmo ano, a Associação dos Procuradores do Estado, entidade responsável por defender os interesses da categoria, foi a primeira a recorrer para receber a trimestralidade, em setembro. O Tribunal de Justiça do Estado concedeu uma liminar à Associação, mandando o Estado pagar.

2003

Inválidos

Após os servidores terem vencido dezenas de ações, o TJES decidiu que esses créditos não tinham validade, por terem sido gerados com base numa lei inconstitucional, que utilizava um índice de correção federal.

2008

Liminar

O TJES concedeu liminar suspendendo o pagamento de um precatório, liberando temporariamente o Estado do pagamento de todos os demais, pois o reajuste foi considerado inconstitucional pelo STF.

2010

Precedente é aberto

No julgamento de um recurso, o STJ decidiu manter a obrigatoriedade do Estado do Espírito Santo de pagar um precatório da trimestralidade – que o TJES havia invalidado –, abrindo o precedente para outros credores.

2014

STF nega pedido para anular precatório

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido do Estado para anular um precatório em favor da Associação de Procuradores do Estado (Apes). O título da Apes foi o primeiro a ser analisado no STF. Os outros 29 ficaram suspensos no TJES ou em fase de recurso no STJ.

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