O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ganhou os holofotes, nos últimos meses, após ter apontado uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de um ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e também por conta dos debates sobre o deslocamento do órgão do Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça, e seu posterior retorno para a área econômica, após a votação da Medida Provisória da reorganização administrativa do governo federal.
No Espírito Santo, o órgão de inteligência financeira foi o responsável por dar o importante pontapé, em 2015, para as investigações que em 2018 resultariam na Operação Nexus.
Deflagrada pelo Ministério Público Estadual (MPES), a operação denunciou o recebimento de propina por empresários do ramo da construção civil para, em conjunto, dominarem o setor em regime de cartel nas obras de construção de estradas, principalmente no programa "Caminhos do Campo", tocado pela Secretaria de Estado de Agricultura (Seag). As fraudes investigadas são de 2010 a 2018.
Tudo começou a partir de um relatório de inteligência financeira do Coaf, discriminando movimentações atípicas e indícios de uma associação criminosa que causava a lesão aos cofres públicos estaduais em favor de particulares, que eram sócios de empresas contratantes com o Estado e municípios.
O relatório foi usado como base para uma notícia de fato, encaminhada pela delegacia de Polícia Federal, para a Procuradoria-Geral de Justiça.
No documento, o Coaf identificou que o empresário denunciado Marcos Vinícius Alcântara de Souza, sócio da empresa Connect Construções e Incorporações Ltda, do ramo de construção civil, tinha registrado movimentações atípicas de R$ 8,54 milhões em um período de cinco meses, de outubro de 2011 a março de 2012.
Neste mesmo período, o órgão teve outra suspeita das movimentações do empresário, da ordem de R$ 8,55 milhões. Alguns dos pagamentos que acenderam o alerta foram transferências milionárias e atípicas feitas pela filha do empresário.
O Coaf também levou em consideração que Marcos Vinícius é engenheiro com renda informada de R$ 30 mil, e patrimônio de R$ 10 milhões, já possuindo uma condenação em primeiro grau por crime de responsabilidade, no município de Mendes Pimentel, em Minas Gerais.
COMO SÃO
Como o Coaf atua eminentemente na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, os Relatórios de Inteligência Financeira produzidos pelo órgão são protegidos por sigilo, e tem como destinatárias as autoridades competentes para investigação, que fazem uma averiguação mais aprofundada.
O Coaf comunica apenas indícios. Quem conclui pela existência ou não de algum ilícito são os órgãos competentes por meio da devida investigação, via de regra o Ministério Público e a Polícia Federal.
O Coaf também recebe comunicações de todos os bancos, automaticamente, independentemente de qualquer análise, se houver movimentações em espécie de valor igual ou superior a R$ 50 mil.
Fazem parte do Coaf o presidente do plenário, que é indicado pelo presidente da República, e outros 11 conselheiros, que devem ser servidores públicos de reputação ilibada e integrantes do quadro de pessoal efetivo de órgãos como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Banco Central, Controladoria-Geral da União (CGU), entre outros.
AS FRAUDES
De acordo com a denúncia do Ministério Público, que foi recebida pela Justiça no último dia 22 de maio, tornando os sete investigados réus, o empresário Marcos Vinícius recebia informações privilegiadas e colaboração de quatro servidores para fraudar contratos do programa "Caminhos do Campo", pagando, como contrapartida, valores ao à época, Coordenador de Projetos e Subsecretário de Estado da Agricultura.
Auditorias feitas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCES) também demonstraram superfaturamento, execução do serviço em qualidade inferior ao contratado, e outras irregularidades.
A reportagem tentou contato com o empresário Marcos Vinícius e seus advogados, mas não conseguiu retorno.
Governo adota medidas para evitar fraudes
Após dois servidores e dois ex-servidores do governo terem se tornado réus, no âmbito da Operação Nexus, que desvendou um esquema de corrupção nas obras da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag), o governo afirmou que possui hoje uma nova portaria em vigor, de janeiro de 2019, estabelecendo critérios mais rígidos para o contato e possíveis reuniões entre o governo e as empresas de engenharia.
Após a operação, realizada em julho do ano passado, a Justiça aceitou a denúncia contra os quatro então servidores da Seag e três empresários.
Os servidores são réus por associação criminosa, corrupção passiva e fraude a licitações.
De acordo com o Ministério Público, entre 2010 e 2018, o empresário Marcos Vinícius Alcântara de Souza, citado como o coordenador do grupo, recebeu informações privilegiadas e a colaboração dos servidores Eduardo Chagas, Roberto Carlos Leite, Gimenes Vasconcelos e Bruno Carnielle para fraudar a execução contratual no âmbito da Seag.
Essas fraudes resultaram no superfaturamento e direcionamento contratual ou ainda pela execução do serviço em qualidade inferior àquele efetivamente contratado.
Ao aceitar a denúncia, a Justiça também determinou o afastamento cautelar dos servidores públicos pelo prazo de 180 dias.
RESPOSTA
A Secretaria de Agricultura afirmou que desde o começo de 2019 tem tomado medidas administrativas para melhorar a transparência eficiência, como a criação de normas de segurança.
"No dia 9 de janeiro, foi publicada no Diário Oficial a Portaria 001-R, que normatiza o atendimento das empresas e impede que elas tenham contato com os engenheiros, fiscais ou qualquer outro servidor responsável por contratos sem que tudo seja registrado e documentado. A Portaria estabelece ainda que as reuniões com as empresas sejam realizadas em dia e horário fixos, na Seag, sempre durante o expediente", explicou.
Além disso, o governo declarou que o departamento jurídico da Secretaria protocolará um documento hoje no Ministério Público do Espírito Santo (MPES), relatando as medidas que estão adotando para ter lisura no processo.
Por fim, a Seag enviará para a Secretaria de Controle e Transparência (Secont) todos os contratos que envolvem as empresas citadas no caso, com o objetivo de descobrir se existem mais irregularidades.
Após a decisão judicial de recebimento da denúncia, o servidor Eduardo Chagas foi devolvido para seu órgão de origem, o Idaf, para que fossem tomadas providências. Ele foi subsecretário da Seag na gestão passada, e seria próximo ao ex-secretário Octaciano Neto.
Bruno Carniele era funcionário em designação temporária e não terá o contrato renovado. Já Roberto Carlos Magalhães Leite e Gimenes Vasconcelos não fazem mais parte do quadro de servidores da Seag desde janeiro.
Todos os denunciados foram procurados, mas a reportagem não conseguiu contato. O ex-secretário Octaciano também não atendeu as ligações.
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