Após minimizar por meses a gravidade da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou, na última terça-feira (07), que havia testado positivo para a doença. A forma como o anúncio foi feito, contudo, deu sinais de que o chefe do Executivo não vai mudar a postura de negacionismo em relação à pandemia do novo coronavírus.
Além de ter convidado a imprensa para uma coletiva, onde divulgou o diagnóstico, ele tirou a máscara durante a entrevista para mostrar que estava perfeitamente bem. Bolsonaro também afirmou estar tomando hidroxicloroquina, medicamento que não tem a eficácia comprovada cientificamente e pode, inclusive, provocar efeitos colaterais.
Mas não é só Bolsonaro que parece estar ignorando o diagnóstico. As recomendações no Planalto a servidores e membros do governo também não seguem as normas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Funcionários que tiveram contato com presidente não foram afastados e ministros, que fizeram parte de agendas com Jair Bolsonaro nas últimas semanas, realizaram testes sorológicos de sangue. O teste padrão e que tem eficácia comprovada é o PCR, que colhe amostras da cavidade nasal e da boca do paciente.
Confira ponto a ponto das medidas adotadas pelo presidente e o Planalto que contrariam recomendações da OMS e do Ministério da Saúde:
Mesmo com o resultado positivo do teste, o presidente Jair Bolsonaro ignorou, mais uma vez, as recomendações de isolamento do Ministério da Saúde e convidou jornalistas para uma coletiva de imprensa. A orientação não só da pasta, mas da OMS, é para que pacientes infectados pelo novo coronavírus cumpram quarentena rigorosa de 14 dias. Isso significa que essas pessoas devem ficar isoladas, se possível em cômodos separados dentro de casa, e ter o mínimo de contato com outros, inclusive membros da família.
O presidente, contudo, foi cercado por pelo menos três repórteres e cinegrafistas ao dar entrevista, quebrando o isolamento. O anúncio do diagnóstico poderia ser feito por meio de transmissão pelas redes sociais, plataformas que o presidente tem feito uso recorrente, não expondo assim, os jornalistas ao vírus. As equipes de reportagem que participaram da coletiva foram afastadas pelas emissoras. A Associação Brasileira de Imprensa disse que vai entrar com notícia-crime contra o presidente por ter colocado em risco a vida dos funcionários.
Durante o anúncio do resultado positivo do teste, Bolsonaro se afastou e retirou a máscara que usava para mostrar que "estava bem". Apesar de a máscara não ser 100% segura, o uso do equipamento é recomendado pela OMS para diminuir o risco de contágio pelo coronavírus e já se tornou obrigatório, por meio de decretos, em diversos municípios.
Na última segunda-feira, a OMS admitiu, após apelos de cientistas, que o vírus pode ser transmitido pelo ar e reforçou a necessidade da máscara. De acordo com a organização, as máscaras podem fornecer uma barreira para gotículas potencialmente infecciosas.
Um estudo recente, na Alemanha, mostrou que o uso da proteção facial pode impedir o crescimento de casos da Covid-19. O país tornou obrigatório a máscara e disse que viu reduzir em 40% o contágio do novo coronavírus.
Bolsonaro também aproveitou a entrevista para defender mais uma vez o uso da hidroxicloroquina no tratamento para a Covid-19. Ele disse que está se tratando com a droga e que tem dado certo. No mesmo dia, o presidente postou um vídeo em suas redes sociais tomando uma dose do medicamento e fazendo propaganda: "Estou tomando aqui a terceira dose da hidroxicloroquina e estou me sentindo bem", disse o presidente.
Não há, contudo, comprovação científica da eficácia da hidroxicloroquina em pacientes infectados com o novo coronavírus. O uso, inclusive, não é recomendado pela Sociedade Brasileira de Infectologia, que aponta que há riscos de agravamento do quadro e fortes efeitos colaterais, como arritmia cardíaca.
Referência em estudos sobre a Covid-19 no Brasil, a médica capixaba e pesquisadora da FioCruz, Margareth Dálcomo tem alertado, constantemente, sobre o uso da hidroxicloroquina e outros medicamentos como ivermectina e azitromicina, que, segundo ela, não tem serventia no tratamento da doença.
"É preciso deixar claro, que não há nenhum tratamento, com nenhum fármaco, determinado para isso [combate à Covid-19]. Remédio de verme, tomando Ivermectina, Anitta, misturado com zinco. Isso tem zero valor, zero. E eu quero deixar a opinião pública muito claramente informada sobre isso. Não faça uso de medicações que não têm serventia para a doença, destacou em entrevista recente.
Mesmo Bolsonaro tendo contato próximo com vários servidores e membros do governo na última semana, o Palácio do Planalto informou que não orientou o afastamento de nenhum funcionário. A medida contraria a recomendação da OMS e do próprio Ministério da Saúde, que em junho deste ano publicou uma portaria orientando o afastamento imediato do trabalho de pessoas diagnosticadas com a Covid-19, pacientes suspeitos e pessoas que tiveram contato próximo com elas.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma pessoa infectada pode começar a transmitir o vírus nos seis dias anteriores ao início do aparecimento dos sintomas. Em toda a semana passada, Bolsonaro trabalhou normalmente, fez reuniões e recebeu políticos e autoridades. Para o infectologista Julio Croda, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde e pesquisador da Fiocruz, quem teve contato com o presidente Bolsonaro até dois dias antes de ele começar a apresentar sintomas deve isolar-se por ao menos uma semana.
Apesar disso, o Planalto argumentou que não há protocolo médico que justifique o afastamento de funcionários que tiveram contato com o presidente. Nesta quarta-feira (08), o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia, disse à imprensa que a orientação era pra que qualquer pessoa que tivesse contato com casos confirmados procurasse uma unidade de saúde. "A nossa orientação é a de que qualquer pessoa que tenha contato com caso confirmado, deva procurar uma unidade de saúde", disse. "Se for o caso, (o médico) vai prescrever medida de distanciamento, medidas terapêuticas, farmacológicas ou não, e com pleno consentimento do paciente", completou.
Ao menos dez ministros realizaram testes rápidos de sangue para verificar se foram contaminados pelo novo coronavírus. O tipo de exame, entretanto, não é o mais indicado para diagnóstico e tem baixa precisão, com risco de dar falsos negativos. Isso porque ele identifica anticorpos produzidos pelo corpo após a exposição ao vírus e deve ser feito depois do oitavo dia de sintomas.
"O teste rápido não detecta o vírus nos primeiros dias, ele precisa da presença de anticorpos para verificar a positividade. E muitas vezes o corpo só vai produzir anticorpos depois de 7, 8 dias. Não é um teste que deve ser usado para identificar a corrente de transmissão do vírus, mas pode ser útil para se ter uma ideia do tamanho da população exposta ao vírus, para estudos epidemiológicos, comentou o infectologista Lauro Pinto, em entrevista recente para A Gazeta.
O teste padrão usado em todo o país para diagnósticos da Covid-19 é o do tipo molecular (RT-PCR), feito em laboratório a partir da coleta de secreções nasal e bucal do paciente. Este exame, contudo, não foi o utilizado pelo Planalto. Alguns ministros informaram que devem realizar o teste novamente.
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