A manutenção do Espírito Santo nos limites determinados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e recomendados para que a gestão pública siga em equilíbrio vai exigir um esforço extra do governo e dos Poderes a partir dos próximos meses, apesar dos bons resultados apresentados no primeiro trimestre de 2020. Isso porque, como uma significativa queda na receita já é dada como certa, e boa parte do gasto com pessoal é uma despesa fixa, o Estado deve elevar os percentuais dedicados ao pagamento de servidores nos próximos meses.
De acordo com os dados mais recentes do Tribunal de Contas do Estado (TCES), disponibilizados nesta terça-feira (28), em março de 2020 o Espírito Santo gastou 47,13% da receita corrente líquida com pessoal. A apuração considera todos os Poderes e o acumulado no período dos 11 meses anteriores. Caso atinja 60%, o Estado descumpre a LRF. Considerando somente o Poder Executivo, o governo gastou 37,22% com pessoal, sendo que o limite é 49%. Ou seja, até agora, está tudo dentro dos limites legais.
No entanto, o próprio governador Renato Casagrande (PSB) já projeta uma queda da receita da ordem de R$ 3,4 bilhões no orçamento de 2020, que é de R$ 19,7 bilhões. Além das consequências da pandemia do novo coronavírus, que vai reduzir os recursos de impostos, como o ICMS, a grande queda no preço do petróleo vai derrubar a arrecadação de royalties e participação especial, tornando-a a menor dos últimos quatro anos, de acordo com o TCES.
Caso a cotação permaneça baixa, a arrecadação do Estado cairia para algo próximo a US$ 1,1 bilhão nesse ano. Inicialmente a Lei Orçamentária Anual previa uma arrecadação em participações governamentais de US$ 2,2 bilhões em 2020 para uma cotação de US$ 60 por barril.
Como o percentual da LRF acaba dependendo da performance da receita, já é esperado um impacto. A Gazeta fez um cálculo de um possível resultado, com a ajuda de especialistas. Considerando os resultados de 2019, em que a Receita Corrente Líquida (RCL) foi de R$ 15,8 bilhões e a despesa com pessoal do Executivo foi de R$ 5,7 bilhões, o Estado gastou 36,34% de sua receita com o funcionalismo.
Reduzindo a RCL em R$ 3,4 bilhões queda esperada , ela passaria a ser de R$ 12,4 bilhões, e caso se mantenha o mesmo valor de gastos com pessoal, o Executivo passará a dedicar 46,2% para esse fim, índice já muito próximo do limite legal, que é de 49% para o governo.
O secretário de Estado da Fazenda, Rogélio Pegoretti, frisou que, diante desse panorama, será necessário conter as despesas com os servidores públicos daqui em diante.
"É um momento que exige uma atenção muito grande para manter as contas em dia, mas continuar com ações que geram gastos, mas salvam vidas", afirmou o secretário de Estado da Fazenda, Rogélio Pegoretti.
Uma das medidas que pode desafogar parcialmente as finanças do Estado é a aprovação do projeto de lei em que a União concede auxílio financeiro para compensar as perdas de arrecadação do ICMS (pelos Estados) e do ISS (pelos municípios) por causa da retração econômica em virtude da pandemia.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), antecipou que a proposta deve incluir o congelamento de salário de todo o funcionalismo pelo prazo de 18 meses, o que resultaria numa economia de R$ 130 bilhões. Ele destacou que todas as alterações foram negociadas com a equipe econômica e com os deputados. A votação do projeto está prevista para este sábado (2).
O secretário Rogélio Pegoretti também defendeu a necessidade do gasto com pessoal para a manutenção dos serviços públicos. "Essa é uma despesa que recebe muitas críticas, mas temos que lembrar que as principais demandas sociais do Estado demandam pessoal. Demandas da sociedade por uma boa remuneração e uma quantidade adequada de policiais, professores, médicos necessitam de gasto com pessoal."
O TCES também divulgou nesta semana um estudo apontando três possíveis cenários frente ao avanço do novo coronavírus e o valor do preço do barril de petróleo, apontando os reflexos nas finanças estaduais.
Segundo o órgão, "a boa condição fiscal acumulada anteriormente propicia, hoje, uma melhor adaptação frente aos impactos negativos que virão e, principalmente, uma maior capacidade de resposta do poder público, no sentido da atuação emergencial necessária em uma crise desta magnitude". Acrescentou ainda que as reservas financeiras do governo estadual permitem atravessar 2020 sem descontinuidades de pagamentos.
No entanto, o Tribunal alerta para que, mais do que nunca, haja elevada prudência nas despesas com custeio e pessoal. Conforme o estudo elaborado, no cenário otimista, a disseminação do vírus no Brasil e no Espírito Santo alcançam o pico entre final de abril e início de maio, possibilitando a reabertura gradual dos empreendimentos privados.
No risco moderado, o pico do número de casos e óbitos no Brasil acontece entre final de maio e início de junho. Já na projeção pessimista, o número de casos e óbitos aumenta com a chegada do inverno e a reabertura das atividades empresariais não essenciais ocorre de forma mais lenta e intermitente.
No cenário otimista, a despesa com pessoal estimada para o Espírito Santo é de R$ 10,8 bilhões em 2020, incluindo um reajuste de 3,5% nos salários, e o crescimento vegetativo da folha de pagamento de 2,5%. Já nos cenários moderado e pessimista, prevê-se o corte de cargos, com uma redução de R$ 56 milhões na despesa com pessoal.
O especialista em Controladoria Governamental e professor da Fucape João Eudes destaca que, apesar dos limites da LRF não poderem gerar punições neste ano, por conta do estado de calamidade pública, o Estado deve tentar se manter enquadrado neles, já pensando no cenário que virá adiante.
"Vai ser difícil depois, porque a gente vai ter que pagar essa conta, se reenquadrar nos limites. O governo não vai poder dar aumento a servidores, vai ter que reduzir a despesa de custeio, investimentos, não tem jeito. Por enquanto, esses dados já requerem que os gestores comecem a cortar gorduras: auxílios, indenizações, diárias, principalmente gastos desnecessários", aponta.
Ele acrescenta que esta é uma tarefa a ser feita também pelos Poderes Judiciário, Ministério Público, Legislativo e Tribunal de Contas, que também se submetem à LRF. "Esses Poderes, muitas vezes têm até recursos sobrando, pagam benefícios e salários altíssimos. Também terão que dar alguma contribuição. É preciso lembrar que, quando cessar a calamidade pública, a receita também terá que dar conta de outras despesas e encargos que estão deixando de ser pagos", afirma.
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