A integração das comarcas do Judiciário, que vai fazer com que municípios do interior do Estado deixem de ter fóruns em atividade, continua gerando controvérsia no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) e entre autoridades locais que, apesar da economia gerada pela medida, temem perda de capital político nas cidades afetadas, além de alegarem possíveis prejuízos para a população.
Nesta quinta-feira (4), o tema ocupou praticamente toda a sessão virtual do Pleno do TJES. Os desembargadores decidiram, em votações apertadas durante mais de três horas, sobre cinco integrações que ainda estavam pendentes, por enfrentar divergências.
O assunto também foi um dos principais na sessão da última quarta-feira (3) da Assembleia Legislativa, em que os deputados questionaram a decisão da Justiça Estadual, pressionando que ela seja revista. Na prática, não há como os deputados alterarem o atual quadro. Em 2014, a Assembleia aprovou uma lei complementar que fez uma reestruturação do Poder Judiciário Estadual, autorizando a possibilidade de integração das comarcas, sem que o debate precisasse passar pelo Legislativo.
Durante as votações desta quinta, os desembargadores desistiram de unificar as comarcas de Alfredo Chaves e Guarapari. Dessa forma, cada município continua tendo a sua unidade. Todas as demais que entraram em discussão não sofreram alteração. A mudança feita em Alfredo Chaves traria uma economia de R$ 418,9 mil por ano, mas recebeu muitas críticas em razão da distância entre as duas cidades. Pela proposta original, Alfredo Chaves seria a comarca incorporada a Guarapari.
A mudança, no entanto, fará com que as 69 comarcas sejam reduzidas a 42 (antes seriam 41). Ao todo, 27 municípios deixarão de ter suas próprias unidades.
O presidente do TJES, Ronaldo Gonçalves de Sousa, discursou em defesa da medida e citou uma economia maior do que a já anunciada, que era de R$ 12 milhões por ano. De acordo com o desembargador, quando considerado o número de cargos que deixarão de ser preenchidos nessas comarcas, se alcança uma redução de quase R$ 36 milhões ao ano.
Ele frisou que a mudança é por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que verificou a existência de comarcas que ficam constantemente vagas no Estado, atendidas por um juiz que tinha que acumular a função em outra unidade.
Destacou ainda que "o que era uma necessidade virou uma obrigação", diante de cortes no orçamento solicitados pelo governo, que resultaram em uma redução de 4% para o Poder Judiciário, para ajudar a suprir a queda de receita do Estado.
"Nesse ponto, fica um agradecimento ao governador e sua equipe, que entenderam a particularidade financeira do Poder Judiciário e consentiram uma proposta que não inviabilizasse nosso funcionamento", disse.
O desembargador Carlos Simões, relator do estudo da integração das comarcas no TJES, destacou que a integração realizada agora não significa que, futuramente, a situação não possa ser revista.
"Não estamos tomando nenhuma decisão escondida, nem aproveitando o momento de pandemia. Esse era um assunto que estava programado, debatido. Estamos vivendo momento de intolerância e incompreensões. Sofremos muitas agressões por essa decisão, mas isso fica no passado. O CNJ não pediu para fazer, ele está cobrando. A resolução tem quase cinco anos que está atrasada", afirmou.
A Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Espírito Santo (OAB-ES) e o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário (Sindijudiciário) também se manifestaram na sessão, contra a medida. O principal argumento da OAB, assim como tem sido apontado pelos deputados, é que a integração fará com que as pessoas tenham mais dificuldade no acesso à Justiça, por conta dos deslocamentos.
O presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho, fez esta crítica durante a sessão, discursando diretamente da cidade de Água Doce do Norte, que é uma das afetadas, e afirmou que participava de uma manifestação que ocorria no local contra o fechamento do Fórum.
A posição dos desembargadores é de que não é viável manter uma estrutura do Judiciário em localidades muito pequenas como essa, de 11 mil habitantes.
Já os deputados estaduais pontuam que a medida não gera uma economia tão significativa que justifique o prejuízo para a cidade. "O orçamento do Judiciário é de R$ 1,2 bilhão, e vão economizar R$ 12 milhões, significa 1%. Os R$ 400 mil economizados com uma comarca representam pouco para o Judiciário, mas muito para o município", afirmou o deputado Enivaldo dos Anjos (PSD).
Embora os deputados estaduais estejam se posicionando contrariamente à medida, dizendo estar sendo pressionados pelas lideranças políticas e pela população, só foi possível que a decisão fosse tomada unicamente pelo TJES, sem passar pelo Legislativo, graças a uma lei complementar aprovada na Casa em 2014. Na época, seis dos atuais deputados votaram a favor.
"A Assembleia deu um tiro no próprio pé. Todos os projetos que vêm de outros Poderes entram em regime de urgência, mal são debatidos e todos passam. Se essa questão tivesse sido observada lá atrás, a Assembleia poderia entrar nesse debate como ator principal, analisar se essa é realmente a melhor forma de economia a ser feita, os prejuízos que traz à população", afirmou o deputado Sergio Majeski (PSB).
"Agora, estamos tentando ter um papel relevante na discussão, mas que será secundário, porque não temos mecanismos legais para brecar isso", acrescentou.
Os estudos sobre a integração de comarcas começaram em agosto de 2019 no TJES, e no final do ano a Assembleia Legislativa chegou a criar uma comissão especial para debater o tema, que nunca se reuniu.
O deputado Enivaldo dos Anjos (PSD) também pontuou essa questão. "Além de reclamar, a Assembleia não tem como fazer mais nada, já que abriu mão de votar esse tipo de medida, transferindo poder ao Tribunal. Nenhum Poder pode ter o privilégio de não ter os seus assuntos internos debatidos, quando envolve o serviço público", afirmou.
A integração das comarcas não vai ocorrer de forma imediata nem em todas as comarcas ao mesmo tempo, e sim de forma gradual. Cada mudança será autorizada por um ato da Presidência. Isso significa também que a economia esperada de R$ 36 milhões não será desde agora, e sim quando todos os procedimentos forem concluídos.
Com isso, alguns deputados já têm feito lobby para tentar reverter o fechamento das comarcas de cidades que sejam suas bases eleitorais. Esta situação também pode trazer consequências para a própria relação entre os Poderes, afirma um parlamentar.
O presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), afirmou que vai tentar agendar uma reunião com o presidente do Tribunal de Justiça para discutir o tema. "Vamos fazer uma videoconferência na próxima semana, vamos convidar o governador também, se ele puder participar. Eu mesmo vou entrar em contato com os dois para reforçar o convite, para que nós possamos conversar e depois eu levo isso para todos os deputados", afirmou, durante a sessão de quarta-feira.
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