O descompasso entre o Ministério da Saúde e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), observado há algumas semanas, ganhou novas proporções nos últimos dias. Na tarde desta quinta-feira (16), o ministro Luiz Henrique Mandetta anunciou em sua rede social que foi demitido do comando da pasta. O médico oncologista e empresário do setor da saúde, Nelson Teich, deve ser o substituto.
Com as mudanças no Ministério da Saúde, reflexos no cenário político do país e também nas medidas de enfrentamento ao novo coronavírus são esperadas. E a expectativa não é positiva.
Especialistas da área de saúde temem um enfraquecimento das estratégias de saúde pública, como o isolamento social, e o consequente aumento de casos e mortes pelo novo coronavírus em todo o país. Para cientistas políticos, a troca de comando do Ministério pode agravar a crise política e levar a uma grande "tragédia" no sistema de saúde. A reportagem ouviu os analistas antes da confirmação da demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta.
Os embates entre o presidente e o ministro da Saúde começaram de forma tímida. Mandetta até tentou adotar um tom mais técnico, sem comentar a postura adotada por Bolsonaro diante da pandemia. Contudo, após o presidente vir a público e defender o fim do isolamento social, incentivando as pessoas a voltarem para rua, o ministro da Saúde adotou uma postura crítica, dizendo que as orientações a serem seguidas deveriam ser basear na Organização Mundial de Saúde (OMS).
As críticas de Mandetta não foram bem vistas por Bolsonaro, que chegou a dizer que faltava humildade no ministro. O presidente também ameaçou "usar a caneta" contra pessoas do governo que viraram estrelas, se referindo ao ministro da Saúde, que viu crescer o apoio popular diante das ações tomadas durante a pandemia.
A professora e pós-doutora em epidemiologia Ethel Maciel analisa o dissenso nos discursos do presidente e do Ministério da Saúde como um fator que enfraquece as medidas atuais no enfrentamento à pandemia. De acordo com ela, a falta de uma narrativa unificada nos governos, o que tem exposto as pessoas ao contágio.
Para o doutor em doenças infecciosas Crispim Cerutti, além de uma mudança na estratégia no combate ao coronavírus, a troca de equipe no Ministério da Saúde pode levar ao rompimento no diálogo com Estados e secretarias.
"A gente tem observado uma interlocução entre o Ministério da Saúde e as secretarias de Estado desde o início. Tem sido feito um trabalho eficiente de gestão, levando em conta as especificidades de cada local no Brasil. Toda essa articulação fica comprometida quando você interrompe o trabalho do Ministério da Saúde. Você não sabe como uma nova gestão operaria isso, se vai ter diálogo e principalmente sensibilidade para as nuances do vírus em cada Estado", declarou.
Os cientistas políticos João Gualberto Vasconcellos e Paulo Baía veem a troca de equipe do Ministério da Saúde como um cenário já desenhado e efeito da crise política vivida pelo país. Ambos projetam um cenário desastroso na política brasileira diante do combate ao novo coronavírus.
O professor e cientista político Paulo Baía não vê mudanças na crise política do país, que já se reflete em todos os Poderes. Para ele, independentemente da postura do ministro que assumir o cargo, o embate de enfrentamento continuará polarizado.
"O novo ministro vai continuar lidando com o choque do que o presidente quer e o que dizem as autoridades de saúde como a OMS. A crise política não vai acabar. Se houver um alinhamento de ações do Ministério da Saúde com o presidente, continuará havendo enfrentamento de discursos, do que é técnico e defendido pelos Estados e o do presidente. A única forma de sair disso é uma mudança de postura do presidente, o que não creio que acontecerá. Essa crise vai continuar, agravando os impactos da pandemia tanto do ponto de vista da saúde pública, quanto política e econômica."
Ao colecionar inimigos dentro do seu próprio governo, durante o enfrentamento da pandemia, Bolsonaro imita a postura adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No país norte-americano, Trump tem adotado um discurso contrário ao do médico conselheiro da Casa Branca, Anthony Fauci, que defende medidas baseadas nas orientações da Organização Mundial da Saúde, como o isolamento social.
A demissão de Fauci também tem sido especulada pela mídia americana nas últimas semanas. Trump chegou a retuitar uma mensagem com conteúdo de apoio à demissão do médico. Na manhã desta quarta-feira (15), Bolsonaro também usou as redes sociais para compartilhar um vídeo que critica o isolamento social e a atuação do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
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