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Como chefe de Estado, Bolsonaro foge ao seu papel ao inflamar protestos

Como chefe de Estado, Bolsonaro foge ao seu papel ao inflamar protestos

No último sábado (7), presidente da República voltou a convocar a população para atos a favor do governo. Nas redes sociais, apoiadores da manifestação pedem o fim do Legislativo e do STF. Especialistas analisam postura do presidente

Publicado em 10 de março de 2020 às 10:51

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Apoiadores de Bolsonaro em evento em Vitória: presidente disse, em discurso, que manifestação não tem caráter antidemocrático. (Fernando Madeira)

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a convocar no último sábado (07) a população a participar de protestos pró-governo no próximo domingo (15). São os mesmos protestos que, em postagens nas redes sociais, pedem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

A defesa do ato voltou a sofrer críticas, ainda que o presidente, em discurso em Roraima, tenha dito que os atos não eram “contra a democracia”.

Para juristas e cientistas políticos, o presidente, ao inflamar a manifestação, rompe, mais uma vez, com a liturgia do cargo. Os especialistas lembram que, no Brasil, o presidente, além de chefe de governo, é também chefe de Estado, ou seja, cabe a ele não somente governar, como representar a unidade e a legitimidade do país.

O professor de Relações Internacionais da Faap e FGV Vinícius Rodrigues Vieira explica que o regime político brasileiro, sustentado pela Constituição de 1988, foi inicialmente pensado para o parlamentarismo, empoderando o Legislativo, mas que acabou virando um presidencialismo de coalizão, onde o Executivo depende da apoio do Congresso.

Aspas de citação

Bolsonaro age como se tivesse renunciado ao papel de chefe de Estado, ignora o Congresso e tenta se articular à luz da vontade popular. Só que o presidente precisa ter em mente que, assim como ele foi eleito pela população, o Congresso também foi

Vinícius Rodrigues Vieira
Professor de Relações Internacionais da Faap e FGV
Aspas de citação

Na prática, no perde-ganha entre o Legislativo e o Executivo quem sai derrotado é o desenvolvimento do país, já que os projetos que poderiam destravar a economia, ainda mais desgastada pela crise do petróleo e do coronavírus, acabam tendo dificuldade de serem aprovados.

Essa situação ganha um contorno ainda mais dramático em um ano de eleições municipais, em que parte dos parlamentares foca suas campanhas e as de seus aliados, deixando as atividades no Legislativo em segundo plano.

Doutor em Ciência Política e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Antônio Lucena explica que, além da paralisia, a tensão permanente entre os Poderes gera uma instabilidade institucional, com ameaças, ainda que ainda distantes, de rompimento com a democracia. Para ele, é papel do presidente deixar a briga com adversários políticos para seus aliados e representar um elo com as instituições democráticas.

“Quando um indíviduo atinge o cargo da presidência, não existe mais distinção do que é a vida privada dele e o que é sua vida pública. Ele alegar que os vídeos (enviados durante o Carnaval chamando a população para comparecer aos atos) foram de cunho pessoal não faz diferença nenhuma. O Executivo não pode ficar batendo de frente dessa maneira, isso é contra a liturgia do cargo”, aponta.

Para jurista, não há crime de responsabilidade, mas julgamento é mais político do que jurídico. (EBC)

CRIME DE RESPONSABILIDADE

Professor de Direito Constitucional, Adriano Pedra diz que, apesar de extrapolar seu papel institucional, ainda há uma distância considerável para o presidente Jair Bolsonaro se enquadrar em um crime de responsabilidade, passível de impeachment.

“Até o momento, não vejo crime de responsabilidade em inflamar pessoas a comparecer em manifestações. O que preocupa é saber onde irão parar essas ameaças, uma vez que essa relação se tensiona cada vez mais. O presidente não tem poderes absolutos, depende do Congresso Nacional, e o processo de impeachment é uma análise política. Esse clima de ameaça não é bom”, analisa.

ANTECESSORES TAMBÉM LEVARAM APOIADORES ÀS RUAS

Bolsonaro não é o primeiro presidente a insuflar seus apoiadores contra o Legislativo em momentos delicados com o Congresso. Fernando Collor, em 1992, convocou a população a ir às ruas de verde e amarelo para mostrar que os defensores do impeachment eram minoria. A estratégia, contudo, mostrou-se equivocada. Críticos do presidente foram às ruas de preto, em luto, em número bem maior ao de apoiadores.

Em 2005, em meio à crise do mensalão, parlamentares aliados ao presidente Luís Inácio Lula da Silva e movimentos sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem Terra (MST) “protestaram a favor do governo”. O mesmo aconteceu em 2015 e 2016, em meio ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

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“Todos os presidentes que não tiveram boa relação com o Congresso sucumbiram. Destes três citados, a taxa de mortalidade do governo foi de dois terços. O impeachment e a interpretação de crime de responsabilidade partem de uma análise política. Assim, não dá para ter o Congresso como inimigo. A História mostra que não dá certo”, alerta.

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