O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a convocar no último sábado (07) a população a participar de protestos pró-governo no próximo domingo (15). São os mesmos protestos que, em postagens nas redes sociais, pedem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa do ato voltou a sofrer críticas, ainda que o presidente, em discurso em Roraima, tenha dito que os atos não eram contra a democracia.
Para juristas e cientistas políticos, o presidente, ao inflamar a manifestação, rompe, mais uma vez, com a liturgia do cargo. Os especialistas lembram que, no Brasil, o presidente, além de chefe de governo, é também chefe de Estado, ou seja, cabe a ele não somente governar, como representar a unidade e a legitimidade do país.
O professor de Relações Internacionais da Faap e FGV Vinícius Rodrigues Vieira explica que o regime político brasileiro, sustentado pela Constituição de 1988, foi inicialmente pensado para o parlamentarismo, empoderando o Legislativo, mas que acabou virando um presidencialismo de coalizão, onde o Executivo depende da apoio do Congresso.
Na prática, no perde-ganha entre o Legislativo e o Executivo quem sai derrotado é o desenvolvimento do país, já que os projetos que poderiam destravar a economia, ainda mais desgastada pela crise do petróleo e do coronavírus, acabam tendo dificuldade de serem aprovados.
Essa situação ganha um contorno ainda mais dramático em um ano de eleições municipais, em que parte dos parlamentares foca suas campanhas e as de seus aliados, deixando as atividades no Legislativo em segundo plano.
Doutor em Ciência Política e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Antônio Lucena explica que, além da paralisia, a tensão permanente entre os Poderes gera uma instabilidade institucional, com ameaças, ainda que ainda distantes, de rompimento com a democracia. Para ele, é papel do presidente deixar a briga com adversários políticos para seus aliados e representar um elo com as instituições democráticas.
Quando um indíviduo atinge o cargo da presidência, não existe mais distinção do que é a vida privada dele e o que é sua vida pública. Ele alegar que os vídeos (enviados durante o Carnaval chamando a população para comparecer aos atos) foram de cunho pessoal não faz diferença nenhuma. O Executivo não pode ficar batendo de frente dessa maneira, isso é contra a liturgia do cargo, aponta.
Professor de Direito Constitucional, Adriano Pedra diz que, apesar de extrapolar seu papel institucional, ainda há uma distância considerável para o presidente Jair Bolsonaro se enquadrar em um crime de responsabilidade, passível de impeachment.
Até o momento, não vejo crime de responsabilidade em inflamar pessoas a comparecer em manifestações. O que preocupa é saber onde irão parar essas ameaças, uma vez que essa relação se tensiona cada vez mais. O presidente não tem poderes absolutos, depende do Congresso Nacional, e o processo de impeachment é uma análise política. Esse clima de ameaça não é bom, analisa.
Bolsonaro não é o primeiro presidente a insuflar seus apoiadores contra o Legislativo em momentos delicados com o Congresso. Fernando Collor, em 1992, convocou a população a ir às ruas de verde e amarelo para mostrar que os defensores do impeachment eram minoria. A estratégia, contudo, mostrou-se equivocada. Críticos do presidente foram às ruas de preto, em luto, em número bem maior ao de apoiadores.
Em 2005, em meio à crise do mensalão, parlamentares aliados ao presidente Luís Inácio Lula da Silva e movimentos sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem Terra (MST) protestaram a favor do governo. O mesmo aconteceu em 2015 e 2016, em meio ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).
Todos os presidentes que não tiveram boa relação com o Congresso sucumbiram. Destes três citados, a taxa de mortalidade do governo foi de dois terços. O impeachment e a interpretação de crime de responsabilidade partem de uma análise política. Assim, não dá para ter o Congresso como inimigo. A História mostra que não dá certo, alerta.
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