No último domingo (30), Jair Bolsonaro (PL) tornou-se o primeiro presidente a não conseguir se reeleger, desde que a possibilidade de um segundo mandado consecutivo foi criada no Brasil. O ex-deputado federal e capitão reformado do Exército alinhado à extrema-direita conquistou 58 milhões de votos, sendo 1.282.145 no Espírito Santo, o que equivale a 58% dos votos válidos dos capixabas.
Expoente do chamado Centrão, o partido de Bolsonaro — que no passado foi base de apoio de Lula (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) — sai das urnas com um grande número de cadeiras no Congresso, com as maiores bancadas na Câmara e no Senado, e também nos legislativos estaduais. Carlos Manato, candidato do partido ao governo do Espírito Santo, conseguiu ir ao segundo turno e ficou em segundo lugar com 46% dos votos.
Mesmo com o vigor mostrado nas urnas, a pergunta que fica após a consolidação dos resultados é: como fica o bolsonarismo no Espírito Santo com Bolsonaro fora da Presidência a partir de 1º de janeiro? Com o maior líder sem cargo eletivo e sem a máquina pública, será que conseguem manter a influência com capacidade de mobilizações nas ruas do país?
Especialistas ouvidos pela reportagem analisam o futuro do movimento liderado pelo presidente, que segundo eles ganhou força em meados de 2018 com auxílio das igrejas evangélicas e da mobilização nas redes sociais.
Para o cientista político João Victor Santos, Bolsonaro vinha desde 2018 unificando vários atores com propostas muito diferentes, usando o antipetismo como estratégia eleitoral. A bandeira acabou atraindo lideranças políticas capixabas como o deputado federal reeleito Evair de Melo (PP), o senador eleito Magno Malta (PL) e Carlos Manato (PL).
Outros nomes que se elegeram em 2022 pelo PL associando-se a Bolsonaro foram Capitão Assumção e Zé Preto, para a Assembleia; e Gilvan da Federal, que sai da Câmara de Vitória para a Câmara dos Deputados. Entre os novatos na Assembleia estão Lucas Polese e Wellington Callegari, que devem continuar a levantar as pautas associadas ao bolsonarismo.
“Eles vão continuar essa pauta, mas não devem mais pautar os assuntos a serem discutidos como Gilvan faz na Câmara. Mas o bolsonarismo ainda tem força, porque as redes são articuladas”, afirma Santos.
Na avaliação da cientista política e professora da Universidade Federal do Espírito Santo Marta Zorzal, com Bolsonaro fora do poder, a tendência é que haja menos visibilidade e respaldo para a propagação das pautas conservadoras e que tratam de interesses privados, disseminadas por ele nos últimos quatro anos e repercutidas pelos seus apoiadores na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, por exemplo.
Contudo, ela avalia que ainda é muito cedo para saber como vai ficar a correlação de forças na Assembleia Legislativa e até mesmo no Congresso Nacional, porque isso "vai depender dos negociadores e dos articuladores" dos próximos governos e de como a sociedade vai reagir quando entrarem em discussão questões políticas, econômicas e sociais, "se elas vão parar de ficar nessa discussão envolvendo pautas religiosas e de costumes", sobre as quais não cabe o Legislativo decidir.
O professor André Pereira, do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), afirma que Bolsonaro teve um papel forte na radicalização política, com um peso muito grande do gabinete do ódio no processo.
Assim como a cientista política, ele acredita que, a partir do momento que o capitão da reserva deixar a faixa presidencial, a capacidade de articulação deve diminuir um pouco. No entanto, com as inúmeras lideranças eleitas, as pautas devem continuar repercutindo. Com isso, a radicalização deve continuar sendo alimentada pela internet, onde ganhou força.
“Nesse processo político de radicalização, para essas lideranças é conveniente continuar forçando a barra, tentando capturar essa herança política. O interesse deles é colocar fogo. Então talvez na Assembleia o conflito entre direita e esquerda vai estar colocado”, avalia.
Já no âmbito nacional, Marta Zorzal acrescenta que lideranças como o o senador eleito Magno Malta e outras eleitas pelo Espírito Santo sob as mesmas bandeiras "vão buscar dificultar ao máximo a vida do governo Lula".
"Não porque tenham propostas melhores, mas porque não querem políticas com pautas substantivas e programáticas e sim pautas fisiológicas e de costumes para manter acesa a chama de seus eleitores. Por meio das redes sociais vão tentar manter os seus seguidores cativos, longe do debate público da mídia tradicional, insuflando a guerra de narrativas", frisa.
O professor deixa ainda outro questionamento relacionado ao futuro do bolsonarismo, que é se o Judiciário vai conseguir estabelecer maior controle sobre as redes sociais.
“Se for aprovada uma lei de maior controle das redes e o Supremo Tribunal Federal avançar nisso, se houver efetivo controle dos aplicativos de mensagem e redes sociais, pode ser um fator para enfraquecer o extremismo”, diz.
O professor André Pereira analisou ainda como ocorreu a guinada à direita e o aumento do conservadorismo no eleitorado capixaba. Segundo ele, esse processo tem entre os principais fatores a religião, principalmente entre os evangélicos. Ele lembrou a divisão de votações presidenciais anteriores entre os campos políticos.
Em 2002, por exemplo, Anthony Garotinho se lançou à Presidência pelo PDT como evangélico e progressista. Com a orientação de voto dele pelas igrejas, acabou conquistando 27% dos votos no Espírito Santo, ficando em segundo lugar, atrás de Lula, que teve 44,52%. No Estado, Serra (PSDB) foi o terceiro colocado no primeiro turno naquele ano.
Em 2006, Lula foi o escolhido por 52,97% dos capixabas no primeiro turno. A divisão de 2002 voltou em 2010 e 2014, com os votos dos evangélicos sendo encaminhados para Marina Silva (PV e depois PSB). Em 2010, Dilma teve 37,25%, Serra obteve 35,44% e Marina ficou com 26,26%. Em 2014, pela primeira vez desde 2002, o PT não ficou em primeiro lugar: Aécio recebeu 34,53%, Dilma ganhou 32,58% e Marina obteve 29,73%.
"Em 2018 e 2022, Bolsonaro conseguiu deslocar o PSDB como líder da coalizão de centro-direita. Os temas conservadores passaram a ditar o discurso desse bloco político. A conjuntura política passou a ser de alta polarização ideológica, beneficiando a direita. Este processo afetou todo o campo político e também o religioso. O voto capixaba em Garotinho e Marina se deu a favor de nomes que tinham posições de certa moderação política. A partir de 2018, Bolsonaro se tornou herdeiro dos votos do PSDB e conquistou os evangélicos, ao mesmo tempo em que se beneficiou de sua radicalização pela direita", afirmou Pereira.
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