O processo de licitação tem o objetivo de garantir competição entre empresas, em busca, principalmente, do oferecimento do menor preço na hora que um órgão público precisa comprar algo ou contratar um serviço. Mas em meio à pandemia do novo coronavírus isso pode ficar em segundo plano. A ideia não é permitir superfaturamento, mas agilizar as coisas. Não é raro ouvir que "licitação demora".
Apesar de os governos federal e estadual terem criado leis específicas para o cenário atual, que autorizam a dispensa de licitação, essa desburocratização de contratos é permitida pela Constituição desde 1993 e abrange não somente circunstâncias de calamidade pública, mas também outros cenários. A Gazeta ouviu especialistas para explicar quando é possível fazer contratos sem licitação, porque eles são feitos e qual diferença para o que temos visto atualmente.
Uma prefeitura, por exemplo, pode ter um problema inesperado na rede de internet e precisar trocar o fornecedor. Para não comprometer o serviço público, esse novo contrato pode ser feito com dispensa de licitação, para agilizar o processo. A mesma regra se aplica a contratos com custo muito baixo, como um serviço de limpeza de carros do governo, reforma de um imóvel. Nestes casos, a lei estipula um limite de valor, e entende que se o custo do contrato é menor do que o estipulado, não há necessidade de licitação.
A lei federal 8666 foi criada em 1993 para regulamentar normas de licitação e contratos na administração pública. De acordo com ela, processos de contratação, em geral, exigem uma licitação, que é um procedimento burocrático por meio do qual empresas disputam entre si quem vai fornecer determinado serviço ou material ao governo. Normalmente, a competição se dá em busca do oferecimento do menor preço.
Contudo, em seu artigo 24, a lei estabelece exceções para contratar um serviço ou adquirir um produto sem a necessidade de um processo licitatório. São casos em que é preciso agir de forma rápida para atender necessidades que colocam em risco a segurança da população ou do trabalho dos governantes.
Ao todo, são apresentadas 35 hipóteses para a dispensa de licitação em contratos. As mais comuns, além de situações emergenciais e calamidades públicas, referem-se a compra e aluguel de imóveis para a administração pública, cuja localização é um fator que vai fazer diferença, e contratos de pequeno valor.
No caso de obras e serviços de engenharia, essa dispensa é válida para valores até 10% acima de R$ 150 mil , e em serviços e compras até 10% acima de R$ 80 mil. Um exemplo desta situação foi publicado no dia 24 de abril no Diário Oficial do Espírito Santo. A Secretaria de Estado e Segurança Pública (Sesp) publicou uma dispensa de licitação para um contrato de serviços de análises topográficas de um terreno do Batalhão da Polícia Militar, em Guaçuí. O valor do serviço era de R$ 2.900, um custo pequeno e abaixo do limite estipulado pela lei para realizar a dispensa.
"Às vezes é uma obra ou serviço tão simples de se fazer, com um valor tão baixo, que o custo de um edital de licitação e o tempo que leva para receber propostas fica mais alto do que os benefícios que a administração pública iria ter. Então dispensa todo este processo burocrático", explica o professor e mestre em Direito Raphael Abad.
Outro exemplo aconteceu em Alegre. No dia 17 de abril, a prefeitura fez o aluguel de um imóvel, no valor de R$ 30 mil, para a nova sede da biblioteca municipal. A situação, apesar de não ser emergencial ou se tratar de calamidade pública, pode ser enquadrada em uma das exceções previstas pela lei de dispensa de contratos.
"Em alguns casos, é importante para a prefeitura que o imóvel esteja perto de um outro que ela já tem, ou por questão estratégica, ou porque precisa atender à população de uma determinada região. Na situação, podem até existir imóveis semelhantes e mais baratos em outras regiões, mas a localização é fundamental e condicionante, e por isso a locação pode ser feita com dispensa de licitação", pontua Abad.
Confira as principais situações que dispensam licitação em contratos:
No cenário atual, a dispensa de licitação de contratos tem sido mais frequente por causa da situação emergencial do enfrentamento da pandemia. Contudo, outras emergências que não estão ligadas ao coronavírus podem surgir, exigindo que sejam resolvidas de forma rápida.
"É preciso entender que fora pandemia podem surgir situações emergentes que estão autorizadas pela lei 8.6666/1993 e dispensam licitação, como pontes que caem, um problema no sistema de telefonia, computadores que quebram, obras que estão paradas e precisam ser concluídas. São casos pontuais, imprevisíveis, que exigem rapidez no processo, porque podem ter consequências incalculáveis e comprometer a segurança das pessoas ou o trabalho da administração pública", destacou.
Recentemente, o Banestes publicou no Diário Oficial a compra de computadores por dispensa de licitação. O banco se baseou na lei federal 13.979/2020, criada durante a pandemia para, entre outras medidas, autorizar a desburocratização de contratos. Mas esta situação, segundo Pedra, caberia dispensa de licitação mesmo fora de um contexto de calamidade pública, já que pode se tratar de uma emergência que compromete o trabalho realizado por funcionários públicos.
A dispensa de licitação, apesar de ser uma exceção, possui as suas próprias regras e justificativas. A administração deve ser transparente e se comprometer a selecionar a proposta mais vantajosa e com a melhor qualidade possível para a contratação de uma obra, produto ou serviço, que resolverá uma necessidade mais iminente.
Em abril, o governo do Estado realizou uma contratação milionária, com dispensa de licitação, de tendas e equipamentos para realização de barreiras sanitárias no enfrentamento do coronavírus. O valor, que estava acima do mercado, foi questionado nas redes sociais e o governo acabou substituindo o serviço e realizando uma nova contratação.
Por mais que situações emergenciais permitam uma flexibilização dos processos burocráticos, a presunção de urgência não é absoluta, segundo especialistas. Administradores que usarem esse momento de calamidade pública como uma brecha para realização de contratos sem justificativa para dispensa de licitação podem ser punidos.
O fato de haver contratos de forma emergencial, principalmente agora por causa da pandemia, não quer dizer que os administradores públicos podem praticar atos ilegais e saírem ilesos disso. Esta dispensa de licitação, abre mão, de uma certa forma, do controle prévio, mas não impede que no futuro ele não possa ser punido pelos órgãos fiscalizadores ou o contrato seja suspenso e cancelado, finaliza Abad.
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