Após dias contrariando publicamente as orientações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre a melhor forma de evitar a propagação do coronavírus, nesta quinta-feira (2) o presidente Jair Bolsonaro disse que falta "humildade" ao ministro e, embora tenha afirmado que não pretende dispensá-lo "no meio da guerra", ressaltou que ninguém é "indemissível" em seu governo.
O protagonismo de Mandetta diante da crise envolvendo a pandemia do coronavírus já vinha incomodando o presidente há algum tempo, o que fica demonstrado também na falta de sintonia dos discursos dos dois, desde 17 de março, semana em que foram tomadas as primeiras medidas. O próprio Bolsonaro resumiu: "A gente está se bicando há algum tempo".
A principal divergência entre Bolsonaro e Mandetta é sobre a questão do isolamento social. Enquanto o presidente defende flexibilizar medidas como fechamento de escolas e do comércio para mitigar os efeitos na economia, permitindo que jovens voltem ao trabalho, Mandetta tem mantido a orientação para as pessoas ficarem em casa. A recomendação do ministro segue o que dizem especialistas e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Veja alguns episódios que mostraram as divergências entre o Ministro da Saúde e o presidente da República.
Após ter recomendado em sua transmissão semanal do dia 12 de março, ao lado do ministro da Saúde, que protestos fossem adiados para frear o vírus, no dia da manifestação, 15 de março, o presidente desceu a rampa do Palácio do Planalto e tocou nas mãos de dezenas de militantes, pegou os celulares deles para tirar selfies, balançou bandeiras e faixas dadas pelos seus apoiadores. Tudo isso sem nenhuma proteção individual, como máscara ou luvas.
Após a aparição pública do presidente, quando ele já era fortemente criticado, Mandetta declarou que as aglomerações eram um "equívoco" diante do avanço da doença no país.
No pronunciamento em rede nacional de 24 de março, Bolsonaro criticou as medidas para conter o coronavírus que vêm sendo tomadas por governadores e prefeitos em todo o país. O presidente tem afirmado que a economia vai sofrer com fechamento de comércio e que trabalhadores informais ficarão sem comida, tornando o isolamento social impossível.
No dia 30 Mandetta voltou a pedir que sejam mantidas as recomendações feitas pelos estados para conter o avanço da epidemia do novo coronavírus.
"Por enquanto mantenham as recomendações dos estados, porque nesse momento é a medida mais recomendável, porque temos muitas fragilidades ainda no sistema de saúde"
No dia 28, em entrevista coletiva após a reunião com o presidente, o ministro da Saúde criticou as carreatas pela reabertura do comércio. Esses atos defendidos por Bolsonaro, que chegou a inclusive compartilhar vídeos nas redes sociais.
"Pedimos à sociedade que comporte-se. Prevaleça, primeiro, a lei do bom senso. As carreatas, não é hora agora. Fazer movimento assimétrico de efeito manada...Daqui a duas semanas, três semanas, os que falam 'vamos fazer carreata', vão ser os mesmos que ficarão em casa. Não é hora", disse Mandetta.
Enquanto o presidente defende a aplicação do medicamento em pacientes da covid-19, Mandetta pede cautela até que haja comprovação científica da eficácia desse fármaco, normalmente usado para malária.
Mandetta tem afirmado que considera os estudos sobre a eficácia do tratamento com a substância ainda muito incipientes. "[Uso de cloroquina] Não é panacéia, não veio para salvar a humanidade. É um estudo incipiente que está sendo feito mundo afora. Por que não abre para o cara que está no primeiro dia? Se tomada [cloroquina], pode dar arritmia cardíaca e paralisar a função do fígado. Poderíamos ter mais mortes por mal uso do medicamento do que pela virose", afirmou o ministro, que também é médico.
No pronunciamento do dia 24 de março, Bolsonaro saiu em defesa do isolamento vertical, pela primeira vez, deixando apenas idosos e pessoas com doenças pré-existentes fora do convívio social. "O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine".
No dia seguinte, em entrevista, Bolsonaro disse ia conversar com o ministro da Saúde para que a orientação do governo federal mude.
"O que precisa ser feito: botar esse povo para trabalhar, preservar os idosos, preservar aqueles que têm problemas de saúde, mais nada além disso. Caso contrário, o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil", afirmou o presidente.
Em diversas declarações, Mandetta não se colocou favoravelmente a esta estratégia.
No dia 31 Bolsonaro usou trecho de pronunciamento do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para alegar que, agora, até a entidade internacional estaria defendendo o retorno ao trabalho.
Depois desta declaração, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, negou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha defendido o retorno imediato das pessoas ao trabalho, conforme fez crer o presidente. Mais do que isso, Mandetta defendeu ainda o máximo de distanciamento social e a manutenção das quarentenas definidas pelos estados no combate ao novo coronavírus.
A afirmação atribuída ao diretor da OMS foi distorcida por Bolsonaro. O que a organização pede é que gestores públicos, como Bolsonaro, deem condições para que as pessoas pobres possam cumprir as recomendações das autoridades em saúde pública, como o isolamento social.
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