O debate a respeito do uso da cloroquina um remédio para combater a malária no tratamento de pacientes com coronavírus foi politizado. Uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro para se contornar a pandemia, o consumo do medicamento foi um dos principais pontos de discordância entre ele e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que acabou demitido.
Além do presidente, outros líderes de direita têm defendido o uso do remédio na rede pública de saúde, ainda que as pesquisas quanto a sua eficácia não tenham sido adequadamente comprovadas e não haja consenso na comunidade acadêmica. A cloroquina ganhou os holofotes no início de março, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou resultados promissores da substância. O próprio Trump, no entanto, já deixou de falar do remédio com a frequência costumeira.
Enquanto pesquisadores fazem testes e checam os resultados iniciais do uso do medicamento em pessoas com o coronavírus, críticos de Bolsonaro passaram a duvidar da eficácia. Por outro lado, defensores do presidente pedem que seja determinado o uso da medicação em massa de forma imediata e acusam os que se contrapõem de conspirar contra Bolsonaro. Mas, afinal, por que o uso da cloroquina tem sido defendido com tanto afinco por presidentes de direita?
Especialistas da política apontam que o medicamento foi a oportunidade encontrada pelo presidente para colocar combustível na polarização que, quanto mais intensa, maior a chance de ele vencer adversários em 2022. No campo acadêmico, há quem sustente que o presidente busque beber da fonte da onda "anticientífica", sobretudo entre a ala olavista de seus apoiadores, ao jogar "a culpa" pelo não uso do medicamento em cima de pesquisadores.
A Gazeta conversou com o pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rômulo de Paula Andrade. A instituição é uma das que conduzem a pesquisa com a cloroquina no país.
Andrade explica que a medicação é usada desde 1944 e, além da malária, já foi usada para tratar pacientes com chikungunya, ebola e outras gripes. Contudo, a substância nunca recebeu estudos definitivos, uma vez que as contraindicações e efeitos colaterais são bastante graves.
"Será uma maravilha se for descoberto que a cloroquina cura as pessoas, mas a gente não tem certeza. Ninguém está querendo travar ou diminuir a pesquisa, mas existe um método científico para se avaliar resultados. Um pesquisador faz os testes em uma amostragem significativa, lança uma análise, outros pesquisadores vão avaliar e aprovar se esse método é seguro ou não. Neste momento de pandemia tem cientistas sem dormir, trabalhando sem parar para se ter uma ciência segura", explica.
No último dia 11, um estudo brasileiro com o uso do medicamento foi interrompido após pesquisadores perceberem que pacientes que recebiam o tratamento com dosagens mais altas semelhantes às que haviam sido experimentadas na China desenvolveram arritmias cardíacas. No sexto dia de tratamento, segundo o jornal New York Times, 11 pacientes haviam morrido. O caso aconteceu no Amazonas.
Doutor em Relações Internacionais e professor da Faap-SP, Vinícius Rodrigues Vieira lembra que há uma onda anticiência ganhando fôlego no mundo e governos populistas têm aproveitado essa agenda para se aproximar dos mais pobres.
"O discurso é de desqualificar quem pesquisa, dizer que 'são pessoas que vivem às nossas custas nas universidades' e que 'não ligam para o povo'. Durante a pandemia que vivemos, a possibilidade de um medicamento que possa trazer a cura deve ser analisada a partir de uma resposa científica bem embasada, mas há quem busque um 'elixir da cura', enquanto o melhor remédio, pelo o que se tem visto, é manter o isolamento", pontua.
Ainda que os testes da eficácia da cloroquina mostrem que o medicamento não é totalmente seguro há estudos que apontam para arritmias cardíacas, perda da visão, distúrbios sanguíneos, dermatológicos, gastrointestinais, neurológicos e neuromusculares o remédio tem sido defendido por Trump.
O gesto do norte-americano, que foi seguido por Bolsonaro, soa para Vieira como uma estratégia de quem quer ser o anunciador do "elixir da cura" antes da hora. O pesquisador argumenta que a bandeira levantada pelo presidente pode ser uma tentativa de vencer seus dois principais adversários no campo da Centro-Direita, que são os governadores de São Paulo, João Dória (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Bolsonaro já estava se preparando para enfrentá-los. Com a crise, os governadores sentiram a pressão do coronavírus mais de perto por comandarem grandes máquinas da saúde, e precisaram dar uma resposta. O presidente vai às redes e classifica a posição dos governadores como ideológica e resolve apostar que há uma cura que não deixam ele usar e que o impacto econômico do isolamento vai aumentar o desemprego. Isso me parece uma tentativa de eliminar os adversários e tentar se escorar no apoio dos mais pobres, que, infelizmente, serão os primeiros a perder seus empregos, aponta.
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