Em uma sessão tumultuada, com direito a gritaria, troca de acusações, denunciante mudando de roupa e muito mais, o corregedor-geral da Câmara de Vitória, Leonardo Monjardim (Patriota), admitiu a representação que pede a cassação do vereador afastado Armandinho Fontoura (Podemos) por quebra de decoro parlamentar.
A vereadora Karla Coser (PT) foi sorteada para atuar como relatora do caso e deve inicialmente abrir prazo para diligências a fim de esclarecer dúvidas apresentadas durante a sessão desta quarta-feira (5) sobre a autoria da representação, além de pedir acesso aos processos judiciais aos quais Armadinho responde na Justiça e estão relacionados aos fatos que serão alvo de apuração no processo disciplinar instaurado contra ele na Corregedoria da Câmara de Vitória.
A representação aponta que Armandinho, que está preso desde dezembro por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de integrar milícias digitais promovendo ataques a ministros da Suprema Corte e de outras instituições, ao longo de seu mandato “caluniou, injuriou e difamou diversas pessoas, dentre as quais membros do Poder Judiciário e do Ministério Público", com o único propósito de “fragilizar a confiabilidade da justiça".
Monjardim considerou que a representação preenche os três requisitos previstos em lei para sua admissibilidade e prosseguimento: o autor é um cidadão do município de Vitória e, portanto, tem legitimidade para representar contra o vereador, bem como está devidamente identificado nos documentos; o vereador alvo da representação foi devidamente identificado, assim como os fatos a ele imputados; e os fatos apontados foram praticados no exercício do mandato parlamentar.
Além de Monjardim e Karla Coser, a Corregedoria da Câmara de Vitória é composta pelos vereadores Davi Esmael (PSD), Luiz Emanuel (sem partido) e André Brandino (PSC). Mesmo depois do pedido do corregedor-geral, Esmael não quis compor a mesa da sessão junto com os demais membros da Corregedoria e foi citado por mais de uma vez por atuar mais como "advogado de Armandinho", ao longo da sessão, do que como membro efetivo do colegiado da Casa.
Antes da leitura do relatório e parecer do corregedor-geral da Casa pela admissão da representação contra Armandinho, foi travado um embate entre alguns parlamentares presentes, os membros da Corregedoria, a defesa de Armandinho e o autor da representação, o empresário Sandro Luiz da Rocha, 53 anos.
Além dos membros da Corregedoria, os vereadores Anderson Goggi (PP), Dalto Neves (PDT), Maurício Leite (Cidadania), Duda Brasil (União) e André Moreira (Psol) participaram da reunião.
Sandro Rocha chegou ao plenário da Casa de bermuda. Antes de a sessão ter início, conversou com alguns vereadores e afirmou que a representação não era de sua autoria, embora seja essa a informação que conste no protocolo da Câmara, com todos os seus dados, como nome, endereço e CPF.
Davi Esmael questionou a autoria do documento que pede a cassação de Armandinho e alegou que o corregedor-geral não poderia decidir sobre a admissibilidade do caso antes de apurar a autoria da representação. O assunto esteve no cerne do debate por cerca de uma hora.
Sandro Rocha, que havia chegado ao plenário da Câmara de Vitória de bermuda, trocou de roupa com outro homem presente à sessão e vestiu uma calça jeans, depois que o vereador Luiz Emanuel mencionou que não era permitida a utilização de bermuda no plenário. O advogado de Armandinho, Fernando Dilen, pediu que o autor da representação pudesse ser ouvido.
Reiterando o posicionamento do corregedor-geral, a vereadora Karla Coser esclareceu que aquele não era o momento adequado para ouvir o empresário e que ele precisaria registrar por escrito qualquer alegação para que fosse devidamente apurada pela Corregedoria da Casa.
Diante disso, incentivado por alguns vereadores presentes, Rocha pegou uma caneta e, em uma folha de papel A4, escreveu o seguinte: "Eu, Sandro Luiz, 'não' fiz denúncia nenhuma. Renuncio ao processo."
A folha com os escritos mencionados foi exibida por Monjardim, depois que o vereador Anderson Goggi disse que estava apresentado o documento à Corregedoria para avaliação. Nesse momento, houve confusão. Várias pessoas falando ao mesmo tempo, indignação por parte de alguns membros da Corregedoria e um questionamento ao empresário feito pelo vereador Luiz Emanuel: "O senhor assinou a representação: sim ou não?"
O empresário não quis responder a pergunta diretamente e, ao final, disse que o documento tinha apenas metade da sua assinatura. Quando deixou o plenário, ele respondeu à reportagem de A Gazeta que "o documento não foi para cassar Armandinho". "Era para uma audiência pública. Não fui eu que dei entrada", garante.
Diante dessas alegações do autor da representação, o corregedor-geral ressaltou que será preciso apurar o que efetivamente ocorreu: se houve constrangimento ao empresário, se ele sofreu algum tipo de pressão ou se houve alguma irregularidade no protocolo da representação. Inclusive, afirmou que se houver envolvimento de algum parlamentar, um outro processo disciplinar pode ser aberto na Corregedoria da Câmara.
O corregedor-geral esclareceu que o próximo passo será a notificação da defesa do vereador afastado e a elaboração de um relatório pela vereadora sorteada para relatar o caso. O prazo é de 10 dias. Porém, possivelmente será solicitada a suspensão do processo pelo prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para instrução e juntada dos documentos necessários.
Relatora do caso, Karla Coser disse que os corregedores já haviam combinado de pedir acesso ou vista dos processos judiciais, que tramitam sob sigilo, mesmo que os processos na Justiça e na Câmara corram separadamente e de maneira independente. "A gente vai fazer tudo isso com a maior transparência possível, seguindo todo o rito da Casa. Não tem nenhuma intenção em condená-lo ou absolvê-lo, porque a gente precisa entender primeiro os fatos", comenta a vereadora.
Ela enfatiza, no entanto, que a primeira medida que vai adotar no processo será a realização de diligência para apurar a autoria da representação. "Veio à tona um fato novo e muito grave. A gente não quer ver a Câmara nas páginas policiais. Eu preciso que ele (Sandro Luiz da Rocha) faça isso dentro do processo. A gente não pode atuar só com base num ato de fala dele. Temos de ver as condições e provas que ele vai trazer disso. Até porque, nesse caso, a gente precisa proteger todas as pessoas envolvidas no processo, inclusive ele como denunciante, que pode estar sendo coagido a fazer isso. Tudo isso são suspeitas e, por isso, precisamos ouvi-lo", ressalta a petista.
Para o advogado Fernando Dilen, que vai atuar na defesa de Armandinho na Corregedoria da Câmara, "o processo tem uma nulidade muito grave".
"O autor da denúncia confessou perante a comissão que ele foi induzido a erro ao supostamente apor sua assinatura no que ele não sabe do que se trata. Então, a defesa vai sustentar preliminarmente que, antes de ter sido feito a admissibilidade, deveria suspender o julgamento para se apurar a veracidade ou não desse documento. Não obstante essas questões, tudo que foi colocado vai ser esclarecido e a defesa tem certeza que, depois, os vereadores vão compreender que tudo se tratou de seu trabalho como vereador, eventualmente que ele tenha excedido em suas falas e a defesa vai produzir essas provas no decorrer do processo", afirma o advogado.
O Código de Ética da Câmara de Vitória prevê as seguintes penalidades, caso seja comprovada quebra de decoro: advertência pública verbal ou escrita, sendo que a segunda terá notificação ao partido político do vereador advertido; suspensão de prerrogativas regimentais pelo prazo de 30 dias a 180 dias; suspensão temporária do mandato pelo prazo de 30 a 90 dias, sem direito ao subsídio; destituição dos cargos parlamentares e administrativos que ocupe na Mesa Diretora ou em comissões; e perda do mandato.
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