O eleitor do Espírito Santo e do Brasil como um todo mostrou nas urnas neste domingo (2) que o conservadorismo continua sendo uma força poderosa dentro do cenário de extrema polarização política visto nas Eleições 2022. Com os resultados deste primeiro turno para governador do Espírito Santo e para presidente da República, a avaliação de especialistas é que a corrida pelo segundo turno começa indefinida.
No Espírito Santo, o ex-deputado federal Carlos Manato (PL) conseguiu levar a disputa contra o governador Renato Casagrande (PSB) para um segundo turno. O atual mandatário, que era o favorito e aparecia nas pesquisas com chances de vencer no primeiro turno, acabou com 46,94% dos votos válidos, enquanto Manato alcançou 38,48%.
A diferença entre os dois foi de pouco mais de 175 mil votos. Casagrande teve 976.652 votos, enquanto Manato foi escolhido por 800.598 eleitores. Em terceiro lugar ficou o ex-prefeito de Linhares Guerino Zanon (PSD), que teve 146.177 votos (7,03% dos votos válidos). Já o ex-prefeito da Serra ficou em quarto, com 135.512 votos (6,51%).
Para especialistas, apesar de largar na frente, o resultado deixa o atual governador numa situação difícil na busca pela reeleição, visto que Guerino, com perfil de direita, já declarou apoio a Manato e deve subir no palanque do candidato. Já Audifax pode até não declarar apoio aberto a Manato, mas tende a não caminhar com Casagrande.
Outro fator que pode ser uma dor de cabeça para o atual governador é a expressiva votação de Jair Bolsonaro (PL) no Espírito Santo. O presidente, que tenta a reeleição, teve 52,23% dos votos válidos no Estado, com mais de 1.1 milhão de votos - votação bem superior a que Casagrande teve. Já Lula (PT) teve 40,4% dos votos em terras capixabas, sendo escolhido por 897.348 eleitores.
Esse resultado inclusive ajuda a justificar os números do primeiro turno. Manato buscou a campanha inteira se associar a Bolsonaro, tentando nacionalizar a disputa estadual, pregando em Casagrande a pecha de candidato da esquerda. O governador até declarou que votaria em Lula para presidente, mas não trabalhou para isso e tentou esconder o petista da sua aliança.
"Houve uma nacionalização da eleição para governador", analisa o cientista político Fernando Pignaton, que é representante do Brasil na Sociedade Internacional de Pesquisas em Políticas Sociais. "Tanto é que quem ficou de fora dessa polarização ficou prejudicado, como é o caso de Audifax e Guerino", complementa.
Ele continua: "Enquanto Manato colou no Bolsonaro, o Casagrande não fez isso com o Lula. A aposta dele foi em montar uma ampla aliança, dentro de uma visão até hartunguista, fazendo uma coalização gigantesca que só pelo seu tamanho poderia definir a eleição, mas que era uma coligação ampla demais, com partidos da direita conservadora e de esquerda também, e que por isso não deu muita liga e ficou muito contraditória", o que contribuiu por afastar parte do eleitorado mais a esquerda e também parte da centro-direita.
Já o professor do Departamento de História da Ufes André Pereira, especialista em Ciências Políticas, destacou que o resultado do primeiro turno foi benéfico para a direita. "As pesquisas não conseguiram captar esse movimento de conservadorismo, que veio forte e ajudou Manato e Magno Malta no Espírito Santo, que conseguiram se associar muito à imagem dele".
Segundo Pereira, a força do conservadorismo numa conjuntura de alta polarização ideológica se mostrou maior do que se imaginava. "A gente tem que levar em conta que o conservadorismo ainda tem um peso forte na opinião pública, com o medo do comunismo, de um governo contra a família, de virar uma Venezuela, que é o discurso que a direita repete exaustivamente e que colou".
Ele continua: "Ainda não está muito claro o impacto dos R$ 600 e da melhoria da situação econômica do país no resultado federal. As pesquisas apontavam que o impacto disso não era tão grande, mas talvez não souberam mensurar bem isso", destaca o professor de História.
Pereira pondera ainda que enquanto nacionalmente as últimas pesquisas indicaram um crescimento de Bolsonaro, no Espírito Santo foram poucas pesquisas realizadas. "Havia uma expectativa de vitória em primeiro turno que não se confirmou, mas os dados eram poucos. As pesquisas inclusive apontavam um empate técnico entre Bolsonaro e Lula no Espírito Santo, mas no final o atual presidente teve uma votação muito maior, o que beneficiou Manato".
Para os especialistas, assim como nacionalmente houve um certo voto útil de direita para impedir a vitória de Lula no primeiro turno, o mesmo movimento aconteceu no cenário estadual. Segundo Fernando Pignaton, aconteceu uma aparente onda de voto útil de oposição a Casagrande.
"Do lado de quem é insatisfeito com o governo estadual atual, houve um movimento de voto útil pró-Manato, tanto em relação a Audifax quanto a Guerino, pois foi a candidatura que se mostrou mais forte na oposição. E, mesmo os eleitores que ficaram com eles, em boa parte tendem a caminhar agora com Manato, sobretudo quem votou em Guerino".
Pignaton avalia que a eleição para governador foi uma espécie de plebiscito em que Casagrande saiu perdedor, visto que os candidatos de oposição somaram mais votos do que ele. "São oposições bem diferentes, mas ele perde esse plebiscito mesmo tendo feito um governo de realizações e com boa aprovação".
Outro componente que ele destaca é o fator PT. "Casagrande conseguiu a retirada da candidatura do senador Fabiano Contarato (PT) numa articulação partidária nacional, mas não deu todo o apoio ao PT e ao Lula que eles queriam. E isso foi ruim, porque poderia ser um candidato de oposição que tiraria votos dos outros, mas que agora apoiaria Casagrande no segundo turno", avalia Fernando Pignaton.
Diante do cenário de indefinição, as alianças para o segundo turno serão fundamentais para a vitória de qualquer lado, tanto na eleição para governador do Espírito Santo como para presidente. Por mais que Casagrande e Lula larguem na frente, não é possível cravar nenhum favoritismo.
"Para os eleitores de centro-esquerda, o quadro é difícil nos dois cenários e vai exigir união. Em nível nacional, entre todos de centro-esquerda e do campo democrático em prol de Lula, embora Simone Tebet e Ciro Gomes dificilmente declarem apoio a ele. E aqui em prol de Casagrande, que mesmo com a máquina na mão tende a ter grande dificuldade", analisa Pereira.
Para o especialista, o candidato para o segundo turno deve dobrar a aposta em Bolsonaro como estratégia para vencer, visto que o presidente se saiu bem no Estado. "Se Manato, por exemplo, conseguir trazer Bolsonaro para algum ato de campanha no Espírito Santo no segundo turno, e ainda fazer com que Guerino e Audifax subam no palanque dele, Casagrande vai ter muita dificuldade", complementa André Pereira.
Já Pignaton acredita que pode haver uma transferência de votos quase que automática de Guerino para Manato, enquanto a aposta do atual governador terá que ser buscar pelos eleitores de Audifax, assim como tentar reverter brancos, nulos e reduzir a abstenção.
"O eleitorado de Guerino tende a caminhar com Manato pois foi cultivado com uma visão conservadora bem parecida com a de Manato. Já o eleitorado de Audifax foi cultivado num campo mais centrista, então parte desses votos podem ir para Casagrande. Mesmo sem uma aliança formal, o governador precisa dialogar com esse eleitorado do Audifax para conseguir se reeleger", comentou Pignaton.
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