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De Cabral a Bolsonaro: a herança da colonização na política de 2020

De Cabral a Bolsonaro: a herança da colonização na política de 2020

Especialistas explicam como o modelo de colonização adotado a partir da chegada dos portugueses ao Brasil, em 22 de abril de 1500, ajuda a explicar alguns dos dilemas de 2020

Publicado em 22 de abril de 2020 às 19:51

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Descobrimento do Brasil: chegada dos portugueses ainda deixa marcas na política brasileira
Chegada dos portugueses ainda deixa marcas na política brasileira. (Oscar Pereira da Silva)

Em meio à pandemia do novo coronavírus e à crise institucional entre os Poderes da República, o Brasil completa nesta quarta-feira (22) 520 anos da chegada dos portugueses, marcando o início da colonização europeia no país. Após 197 anos de independência, as marcas da colonização ainda se fazem presentes na sociedade e na política brasileira.

A Gazeta conversou com três especialistas – um historiador, um cientista político e um cientista social – sobre os principais impactos dos 322 anos em que o Brasil foi colônia de Portugal que ainda podem ser vistos na política atual. A atuação dos portugueses no país ajuda a entender, por exemplo, como se desenvolveu a desconfiança dos brasileiros em relação à classe política, por que as instituições democráticas estão sendo ameaçadas por movimentos autoritários e como surgiu o modelo de segurança pública adotado até hoje.

INSTITUIÇÕES AMEAÇADAS

A jovem democracia brasileira, se considerado o período da redemocratização a partir de 1985, ainda sofre com ataques a suas instituições, como as recentes manifestações a favor do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), que contaram com a presença do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Para especialistas, o sentimento de distanciamento das pessoas da política e das instituições democráticas tem como base o processo de independência do país.

Segundo eles, como a ruptura com a colonização no Brasil não foi um processo construído junto ao povo, nem quebrou totalmente o vínculo com os portugueses, os brasileiros não viram, de fato, a mudança no poder os favorecer.

Dom Pedro I, ao proclamar a independência, era filho e príncipe herdeiro do rei de Portugal. Já o início da República, em 1889, também foi um movimento construído pela elite, formada por muitos filhos e descendentes de portugueses. Ainda que tenha havido conflitos armados no processo de democratização e independência, o Brasil não teve uma mudança radical que pudesse ser percebida por seus habitantes, como a independência norte-americana (1776) ou a revolução francesa (1789).

"Em 1800, o Brasil e os Estados Unidos tinham a mesma estrutura social e econômica, eram muito parecidos. Só que ficamos com os pés presos no chão, parados no tempo. Em 1900, quando eles já tinham construído um país com uma maior participação do povo, aqui ainda éramos comandados pelas elites de latifundiários. Nossa ruptura foi mais longa, por isso, as instituições não saíram tão fortalecidas e sofrem ataques até hoje", relembra o cientista político João Gualberto Vasconcellos.

O historiador Fernando Achiamé afirma que o Estado brasileiro foi construído das classes mais altas para as mais baixas, enquanto nos Estados Unidos o processo foi inverso, com as treze colônias iniciais se unindo para derrubar a aristocracia inglesa. "No Brasil, os historiadores costumam dizer que havia leis antes mesmo de se ter um povo, já que antes de se ter cidades e uma consciência do que era o Brasil, já havia uma carta do rei com regras a serem seguidas aqui", conta.

Ditadura militar o Brasil e os anos de repressão
Ditadura militar: uso da força para assegurar o poder é uma marca da colonização que ainda se faz presente. (Evandro Teixeira)

AUTORITARISMO E MARGINALIZAÇÃO

Outra herança do processo de colonização é o autoritarismo e o uso da força para a manutenção do lema "ordem e progresso", presente na bandeira nacional. "Bem, Portugal é um país pequeno e o Brasil tinha um território imenso. Para manter essa unidade foi preciso empregar o recurso da força. A 'infância' do país é marcada pelo autoritarismo, com o povo sendo muito marginalizado, até pela herança da escravidão. Isso explica um pouco o nosso militarismo e a força política que policiais e forças armadas têm até hoje", explica Achiamé.

O modelo econômico baseado na escravidão como principal força de trabalho também é um dos principais reflexos da colonização no país. Com o fim da escravidão e a forma como os libertos foram colocados reféns da própria sorte, marginalizados da sociedade e sem lugar no campo, estes ex-escravos foram para as cidades. A forma adotada para lidar com o aumento da miséria nos centros urbanos, como pontua o cientista social e professor da PUC-SP Antônio Carlos Mazzeo, foi a forte repressão.

"Desde a colônia até hoje, se tem uma ideia de que problema social era caso de polícia e isso vale para negros, mestiços e pobres que viviam nas cidades. A pobreza era criminalizada. Foi esse sentimento que motivou a criação das guardas nacionais, que dá lugar às forças públicas e que depois se tornaram as corporações de policiais militares", afirma.

Presidente da República Jair Bolsonaro participa de videoconferência sobre o combate ao coronavírus com governadores do Sudeste(Marcos Corrêa/PR)

TERRITÓRIO CONTINENTAL UNIFICADO COMO PAÍS

Diferentemente das colônias espanholas, que deram origem a vários países na América Latina, a colônia portuguesa na América do Sul não se dividiu em vários territórios e se unificou como um país. "Todo o território era administrado pelo poder Central, que na época era a Coroa. Essa centralização esteve presente, nunca mudou. Mesmo em outros países que adotaram o modelo federativo, a força dos governos estaduais é muito maior", analisa Achiamé.

Este processo contribui para a discussão do tamanho da autonomia dos Estados perante a União, algo que é debatido até hoje, principalmente em relação à distribuição da arrecadação dos impostos, do que fica com o governo federal e o que é repassado para Estados e municípios.

"Enquanto as treze colônias iniciais norte-americanas se unificaram para formar um país e depois foram se expandindo para o Oeste, na formação dos Estados Unidos, o mapa do Brasil se manteve desse jeito pela força empenhada pela Coroa, governando com mãos de ferro", narra Achiamé.

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