Em apenas duas semanas e com seis depoimentos colhidos, a CPI da Covid, realizada pelo Senado, já trouxe à tona informações importantes sobre a gestão da pandemia pelo governo federal. A comissão investiga se houve omissão por parte da administração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas ações de enfrentamento ao vírus e tem prazo de 90 dias, que pode ser prorrogado.
Entre as descobertas feitas pelos parlamentares nas primeiras sessões, estão os relatos de que o governo rejeitou ao menos seis ofertas da Pfizer para aquisição de vacinas em 2020; que Bolsonaro contava com um assessoramento paralelo, que incluía um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos); e que houve pressão sobre ministros para intensificar o uso da hidroxicloroquina no combate à doença, remédio contraindicado para tratamento da Covid. Até a mudança na bula do medicamento foi solicitada junto ao diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nesta semana, os senadores vão interrogar dois ex-ministros que eram aliados fiéis de Bolsonaro na condução da crise sanitária: na terça-feira (18), é a vez de Ernesto Araújo (Relações Exteriores), que era o responsável, por exemplo, por articular com outros países a compra de insumos para a produção de vacinas; e na quinta-feira (20) a sessão é com Eduardo Pazuello, que foi quem mais tempo ficou à frente do Ministério da Saúde durante a pandemia.
Os dois ex-ministros, demitidos mais por pressão de parlamentares do que por divergências com Bolsonaro, deverão enfrentar perguntas duras dos senadores, sobretudo após as informações prestadas pelos primeiros depoentes. As respostas podem ser decisivas para o relatório final da CPI, sob responsabilidade do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Veja o que já foi dito na CPI até aqui:
Um dos pontos de maior repercussão é a rejeição, pelo governo brasileiro, de ao menos seis ofertas de vacinas feitas pela Pfizer ao Brasil feitas, entre agosto e novembro do ano passado. Essa situação foi revelada pelo gerente-geral da empresa na América Latina, Carlos Murillo, que detalhou que, com a demora, o Brasil deixou de receber 4,5 milhões de doses do imunizante: 1,5 milhão em dezembro de 2020 e 3 milhões até março deste ano.
Segundo Murillo, a intenção é que o Brasil se tornasse referência para a marca na América Latina. A empresa procurou o governo federal por seis vezes, sem sucesso. O ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten apresentou um documento aos senadores que mostra que uma carta de oferta de vacinas da Pfizer ficou dois meses sem uma resposta do governo.
Algo que também foi revelado pelos depoentes é a participaçãode Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador do Rio de Janeiro, em reuniões ministeriais e em discussões sobre a compra de vacinas. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse ter visto Carlos fazendo anotações durante reuniões da alta cúpula do governo.
O representante da Pfizer também confirmou a presença do filho do presidente. Em um dos encontros com a Pfizer, estavam o então secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, e o assessor especial para assuntos internacionais do presidente, Felipe Martins, que foi acusado por parlamentares de fazer gestos supremacistas durante uma sessão no Congresso Nacional.
Os ex-ministros da Saúde Luiz Mandetta e Nelson Teich revelaram que há um grupo sem ligação com o ministério que trabalha junto ao presidente, como uma espécie de "assessoria paralela". O gabinete extraoficial atua na contramão das recomendações da pasta, que seguia o protocolo indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo os ex-ministros, o grupo era composto por representantes de outros ministérios e aliados ao presidente, como a médica médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina, e o empresário Carlos Wizard. Ambos devem ser chamados para prestar depoimentos à CPI.
O ex-ministro da Saúde Nelson Teich comentou em sua participação na CPI que havia insistência de Bolsonaro sobre o uso da cloroquina para tratamento de pacientes com Covid-19. No entanto, o depoimento mais impactante em relação ao uso do medicamento foi do diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.
Ele afirmou que, em reunião com o governo, foi apresentado um rascunho de decreto, que seria assinado por Bolsonaro, para alterar a bula da hidroxicloroquina com o objetivo de que o remédio pudesse ser indicado no tratamento da Covid-19. “Isso me causou uma reação um pouco mais brusca e eu disse: olha, isso não tem cabimento”, contou Barra Torres.
Além de colher depoimentos, a CPI também tem solicitado informações e documentos ao governo. Em um dos arquivos obtidos, o Ministério da Economia aponta que o ministro Paulo Guedes teve reuniões com as fabricantes de vacinas Pfizer e AstraZeneca, entre junho e agosto de 2020. Nos encontros, segundo o documento, Guedes disse que a compra não era uma responsabilidade da sua pasta. A informação foi publicada pela Folha de S. Paulo.
O Ministério da Economia, contudo, era consultada pela Presidência para se manifestar sobre as possibilidades de compra. Em uma nota técnica produzida pelo ministério, o texto afirmava, em junho de 2020, que “não se sabe, com um nível mínimo de certeza, se é possível desenvolvê-la e muito menos os exatos custos para tanto”.
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