Quando deputado federal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) era um crítico feroz de programas sociais do governo petista. No Congresso, afirmou por diversas vezes que o Bolsa Família funcionava como um sistema de compra de votos e defendeu o fim do benefício. Isso até chegar à Presidência da República. Agora, surfando em uma onda de popularidade, o chefe do Planalto não só apoia a transferência de renda do governo federal para famílias, como quer ampliá-la e imprimir a sua marca com um novo nome: Renda Brasil.
O suposto interesse do presidente em assistência social não é novo. Na campanha eleitoral, ele já demonstrava uma certa preocupação com o risco que suas críticas aos benefícios poderiam causar. Mas as investidas na área social aumentaram durante a pandemia de Covid-19.
A aprovação do eleitor, principalmente o de baixa renda, conquistada com o auxílio emergencial de R$ 600, serviu de combustível para o chefe do Executivo se apropriar de alguns projetos e mudar o tom que vinha adotando nos últimos anos.
O Renda Brasil é uma proposta que está sendo preparada pelo governo para unificar o Bolsa Família e outros programas sociais e surge como um substituto do auxílio emergencial. Hoje, o auxílio emergencial de R$ 600 é pago a 64 milhões de brasileiros e o Bolsa Família, a 14 milhões de famílias.
O programa, contudo, enfrenta resistência da equipe econômica no Planalto. Para atender à ideia de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu cortar alguns benefícios, como abono salarial, salário-família, deduções de gastos com saúde e educação no Imposto de Renda. Bolsonaro, contudo, já disse que não pretende tirar os recursos de outros programas para custear o Renda Brasil. Na tarde desta quarta-feira (26), ele anunciou a suspensão do programa, até que seja melhor desenhado.
A declaração de Bolsonaro, feita durante visita a Ipatinga, em Minas Gerais, contradiz todo o seu histórico político de aversão ao Bolsa Família. Em ocasiões anteriores, ele criticou a transferência de dinheiro a pessoas de baixa renda e disse que o auxílio as impedia de trabalhar. Confira o que o presidente já falou sobre o programa social e a mudança no discurso ao longo dos anos:
Foi na Câmara dos Deputados que o presidente Jair Bolsonaro, na época deputado, fez grande parte das críticas aos governos Lula e Dilma Rousseff e ao Bolsa Família. Em fevereiro de 2011, durante discurso, afirmou que era preciso colocar um ponto final no programa de assistência social que, segundo ele, deixava pessoas acomodadas:
Em outro momento, subiu à tribuna e fez novas críticas: Cada vez mais, pobres coitados, ignorantes, ao receberem Bolsa Família, tornam-se eleitores de cabresto do PT", declarou o então deputado. E afirmou, durante um programa de TV, que o auxílio funcionava como um "voto de cabresto".
Em 2015, também durante uma entrevista, disse que os beneficiários do Bolsa Família viviam às custas do governo e não produziam nada. O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado. Ele já vai viver de Bolsa Família, vai fazer nada. Não produz bem nem serviço, não produz nada, não colabora com o PIB, não faz nada." Confira vídeo abaixo:
Já apontado como um dos candidatos à Presidência, em 2017, Bolsonaro ainda mantinha o tom das críticas. Em um evento em Barretos, naquele ano, disse que não ia agradar quem quer que seja para buscar voto, referindo-se à ampliação do auxílio.
A mudança no discurso começou a ser notada com a aproximação das eleições em 2018. Naquele ano, em diversas entrevistas, Bolsonaro defendeu o programa e disse que seria mantido caso ele fosse eleito presidente."É um programa que temos que manter e, por questões humanitárias, olhar com muito carinho", afirmou.
Ele chegou inclusive a adotar uma postura de combate a narrativas de que ele acabaria com o benefício social. Comigo, o programa será mantido. Vou deixar isso claro em um programa de governo. Quero combater essa fake news de que vou acabar com o programa. Vamos bater na questão das fraudes. Há cidades em que o benefício é dado irregularmente para cerca de um terço dos participantes, disse ao jornal O Globo.
A nova postura, em defesa do Bolsa Família, permaneceu depois de assumir a Presidência. Em abril de 2019, durante a Marcha dos Prefeitos em Brasília, Bolsonaro voltou a falar sobre o programa. "Nós somos defensores do Bolsa Família, afirmou. Dias depois, em um balanço de 100 dias do governo, anunciou a ampliação do Bolsa Família, com o pagamento da 13ª parcela do programa.
Para cientistas políticos, Bolsonaro tenta surfar em programas sociais para aumentar a popularidade em redutos petistas, como o Nordeste. E assim conquistar o eleitorado para 2022.
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e cientista político, Rodrigo Prando não vê, contudo, uma mudança de postura, mas de discurso. Segundo ele, o presidente, enquanto deputado, nunca foi liberal, ou seja, nunca foi defensor de menos gastos públicos e menos participação do Estado em determinadas atividades. "Sempre foi corporativista, intervencionista", afirma. Mas um crítico obstinado de projetos da oposição, especialmente do governo Lula e do PT.
"O presidente atribuiu a Paulo Guedes a agenda econômica liberal, mas sem entender o que isso significa. Porque liberal mesmo ele nunca foi", disse.
Para Prando, não há dúvidas que no pano de fundo do discurso de Bolsonaro há uma clara tentativa de permanecer no poder e aumentar o capital político em 2022.
Ele não abandonou só a crítica ao Bolsa Família, mas vários outros discursos como o combate à corrupção, à velha política do Centrão, o Ministério técnico que ele prometeu construir, mas viu diluído com a saída de ministros. Bolsonaro não tem nenhum compromisso a não ser com sua própria manutenção no poder, declarou.
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