Após a aprovação das vacinas Coronavac e a de Oxford pela Anvisa e o início da vacinação no país, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) ainda se mostra relutante na defesa da vacina contra a Covid-19. Desde o ano passado, ainda no início dos testes das primeiras vacinas, Bolsonaro menosprezou a importância da vacinação, preferiu não investir na compra antecipada de doses e não poupou críticas, principalmente, à Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, vinculado ao governo de São Paulo, com a farmacêutica chinesa Sinovac.
O presidente chegou a desautorizar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em outubro, que havia celebrado um acordo para a aquisição de doses. “Da China nós não compraremos”, disse Bolsonaro, ao cancelar o contrato. Em novembro, ele comemorou quando a Anvisa determinou a suspensão de testes da vacina, quando um voluntário morreu, vítima de suicídio. “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu, em suas redes.
Enquanto critica a vacina, o presidente ainda defende o "tratamento precoce" com cloroquina, método que já foi descarado pela ciência e refutado pela área técnica e por diretores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ao aprovarem o uso emergencial das vacinas.
O presidente somente se pronunciou sobre a aprovação da vacina um dia depois, dizendo que "apesar da vacina", compraria doses que estivessem disponíveis no mercado. "Apesar não, né? A Anvisa aprovou, não tem o que discutir mais", corrigiu-se, em seguida.
A vacinação no Brasil já começou, apenas com a Coronavac, que o Ministério da Saúde distribuiu aos Estados a partir de São Paulo, onde fica o Butantan. São Paulo investiu na vacina produzida em parceria com o laboratório chinês desde o início. Nos últimos dias o governo federal tentou comprar doses da vacina de Oxford produzidas na Índia, mas ainda não conseguiu.
Em 26 de março, ainda no início da pandemia, Bolsonaro, em uma série de discursos menosprezando o efeito do vírus, sugeriu que os brasileiros teriam anticorpos suficientes para não terem complicações graves com a Covid-19, durante uma entrevista coletiva em frente ao Palácio do Planalto. Citou o exemplo de mergulhos no esgoto.
As vacinas são justamente para garantir que o organismo tenha defesas contra o vírus. Não há evidência científica de que ter sido infectado pelo novo coronavírus torna uma pessoa imune indefinidamente a uma nova infecção. Ou de que a proteção seria superior à oferecida por vacinas. Isso sem contar o risco de morrer ou ficar com sequelas ao contrair Covid-19.
Defensor do uso da cloroquina e de outros medicamentos sem eficácia como tratamento contra a Covid-19, Bolsonaro afirmou em 1º de setembro que ninguém pode ser obrigado a tomar vacina, o que, segundo ele, agride a liberdade dos brasileiros.
Uma peça institucional da Secom com a frase “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina” chegou a ser utilizada em redes sociais. Já há vacinação obrigatória, no Brasil, entretanto. O que é diferente de vacinação à força.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a penalidade para a não vacinação obrigatória dos filhos é a cobrança de multa de três a 20 salários mínimos. Isso pode ocorrer com quem não vacina as crianças contra sarampo e poliomielite, por exemplo.
Em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a aplicação de medidas restritivas para quem se recusar a se vacinar contra a Covid-19. Não se trata de levar alguém à força até o posto de saúde, mas estabelecer consequências para quem se recusar a se imunizar, colocando, assim, outras pessoas em risco.
Em nova ofensiva, em outubro, Bolsonaro voltou a dizer que a vacinação não seria obrigatória e deu início a um embate contra a Coronavac, vacina da farmacêutica chinesa Sinovac produzida em parceria com o Instituto Butantan. Ele fez críticas indiretas ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), já que o Butantan é ligado ao governo paulista.
Em dezembro, o Datafolha mostrou que o número de pessoas dispostas a se vacinar havia caído no país, passando de 89%, em agosto, para 73%, mas o percentual ainda se manteve acima da metade, ao contrário do que disse o presidente. A resistência à imunização é maior entre os apoiadores de Bolsonaro.
Em 21 de outubro de 2020, contrariando o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, Bolsonaro suspendeu a compra de doses da Coronovac. O Ministério havia anunciado um dia antes a compra de 46 milhões de doses, um investimento de R$ 2 bilhões. Na ocasião, o governo brasileiro já tinha feito acordo de aquisição com a AstraZeneca e a Covax Facility, que estavam na mesma fase de desenvolvimento.
Em 10 de novembro, ao comentar a suspensão dos testes da vacina Coronavac, Bolsonaro comemorou a decisão da Anvisa e classificou o ato como uma vitória. A suspensão foi motivada por um evento adverso grave, a morte de um voluntário que havia tomado a vacina. O óbito, contudo, foi por suicídio e não tinha relação com o uso do imunizante. Os testes logo foram retomados.
Em 24 de novembro, Bolsonaro voltou a criticar a vacinação obrigatória e fez piada com o tema, ao posar com um cachorro em suas redes sociais.
Em 15 de dezembro, em mais um ato contrário à vacinação, em meio às negociações de compra de doses pelo Ministério da Saúde, o presidente disse que não tomaria a vacina.
O risco de não se vacinar, no entanto, não é apenas da pessoa que se recusa. Se a ampla maioria da população não tomar uma vacina contra a Covid-19, o vírus vai continuar circulando no organismo delas e pode sofrer uma mutação. Essa variante pode, inclusive, afetar os já vacinados, que estão protegidos contra outra forma do vírus. Por enquanto, não há evidências de que as vacinas não sejam capazes de evitar infecção pelas variantes em circulação, mas é um risco permitir que ocorram novas mutações.
Além disso, quem não se vacina simplesmente porque não quer oferece risco a outras pessoas que, por algum problema de saúde prévio, por exemplo, não podem se vacinar.
Uma das frases de Bolsonaro que se tornaram meme nas redes sociais. O presidente voltou a levantar uma suposta “insegurança” sobre efeitos colaterais da vacina, desta vez citou a da norte-americana Pfizer, desenvolvida com a empresa alemã BioNtech. A vacina é utilizada no Reino Unido e nos Estados Unidos e tem 95% de eficácia. Ninguém virou jacaré lá.
Na Noruega, alguns idosos entre os que receberam doses morreram, mas uma investigação concluiu que não há relação entre uma coisa e outra. “O fato de um incidente coincidir com a vacinação não significa necessariamente que a vacina seja a causa do incidente”, disse Sara Viksmoen Watle, médica-chefe do Instituto Norueguês de Saúde Pública, em comunicado.
A Anvisa descartou quaisquer efeitos adversos graves nas vacinas Coronavac e na de Oxford, pontuando que elas são seguras, eficazes e de qualidade. A da Pfizer não foi submetida à Anvisa, mas a agência já deu um certificado de boas práticas ao laboratório.
Enquanto outros países já davam início à vacinação contra a Covid-19, com o aval de agências reguladoras reconhecidas mundialmente, Bolsonaro disse que não havia pressa para a aprovação na Anvisa. A frase foi dita no dia 19 de dezembro.
Novamente cobrado sobre campanhas de vacinação, como já ocorria em outros países, Bolsonaro disse, durante um passeio em Brasília (em que não utilizava máscara), que não se sentia incomodado com o avanço na vacinação em países vizinhos.
O presidente ironizou em 13 de janeiro o percentual de eficácia apresentado pelo Instituto Butantan para a Coronavac, quando foram divulgados os estudos que garantiam eficácia geral de 50,38% do imunizante. O dado divulgado quer dizer que a vacina reduz em 50,38% a chance de desenvolvimento da Covid-19 em qualquer intensidade. A Coronavac também tem 78% de eficácia para evitar hospitalizações por causa da doença.
A eficácia global mínima para uma vacina ser aprovada pela Anvisa e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 50%. A vantagem da Coronavac é que ela pode ser armazenada em temperaturas mais altas, ao contrário da Pfizer, por exemplo, que exige -70ºC. Logisticamente, a vacina produzida pelo Butantan é mais viável para o Brasil.
Mesmo após a aprovação da vacina pela Anvisa, o presidente insistiu na indicação da cloroquina como tratamento eficaz, algo que é descartado pela Anvisa e pelos cientistas e autoridades em saúde que estão à frente de pesquisas no âmbito do combate à pandemia.
Mais uma vez, Bolsonaro menosprezou a eficácia da Coronavac. Foi a primeira manifestação do presidente sobre a aprovação da Anvisa sobre as vacinas, um dia depois do anúncio pelo órgão regulador.
Ao contrário do que disse o presidente, a vacina não é só "para quem não pegou" (Covid-19). Especialistas dizem que quem já ficou doente deve, sim, tomar a vacina. Não há nenhuma complicação decorrente disso. Além do mais, ainda há estudos em andamento para determinar quanto tempo dura a imunidade de quem teve a doença.
E ainda existe a questão da qualidade da imunidade. Algumas vacinas proporcionam mais proteção do que uma primeira infecção natural, a depender da doença em questão. Outras, não. Ainda não há dado disponível quanto à Covid-19.
No mesmo dia em que voltou a criticar a Coronavac, enquanto o início da vacinação era comemorado no país, o presidente também fez uma modulação no discurso. Afirmou que a vacina, que antes frisava ser "da China" e "do Doria", é do Brasil e que "não é de nenhum governador".
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