Criado para suprir as despesas para a manutenção das sedes e para serviços dos partidos brasileiros, o fundo partidário, bancado com recursos públicos, tem sido utilizado pelos diretórios estaduais das siglas no Espírito Santo para bancar gastos que vão de contas em churrascarias a passagens aéreas dos militantes. No total, as sedes capixabas das siglas receberam em 2019 mais de R$ 3 milhões do fundo.
Levantamento feito pelo movimento Transparência Partidária, com dados das prestações de contas dos partidos, mostra que o principal gasto das agremiações no Espírito Santo foi para pagar seus funcionários. No total, R$ 362 mil do fundo partidário foram destinados para esse fim. Somente o MDB pagou R$ 147 mil aos seus colaboradores.
A lista de gastos inclui locação de veículos, contratação de pesquisas, serviços de advogados, contabilidade, gasolina, telefone e pequenas reformas.
Nenhuma dessas despesas é irregular. Para especialistas, contudo, o fundo partidário foi pensado para fomentar o debate de ideias nos partidos. O que se vê, contudo, é a verba sendo utilizada para manter a estrutura administrativa das siglas. A forma como é gasto o fundo partidário e como ele é distribuído entre diretórios estaduais e municipais pela direção nacional dos partidos é de autonomia de cada sigla. Entretanto, há propostas para que o recurso de cerca de R$ 1 bilhão anual tenha mais regras para ser utilizado e maior transparência sobre como é gasto.
O diretor-executivo da Transparência Partidária, Marcelo Issa, lembra que há casos no Brasil em que os partidos se utilizam do fundo para comprar helicópteros, carros de luxo e remunerar dirigentes partidários. Para ele, os abusos com o dinheiro público recebido pelos partidos poderiam ser evitados se os gastos fossem mais transparentes. Uma proposta da Transparência Partidária tramita no Congresso Nacional para aumentar a divulgação dessas despesas.
Sobre os gastos no Espírito Santo serem, em sua maioria, para pagar funcionários dos partidos, Marcelo Issa analisa que essa, apesar de ser uma questão básica da administração da estrutura partidária, não deveria ser o principal investimento de um partido.
"As atividades típicas dos partidos dizem respeito à intervenção na vida pública por meio de eventos de formação e propaganda política, elaboração de pesquisas, estudos e levantamentos para subsidiar seus programas. Caso as despesas de um determinado órgão partidário concentrem-se apenas na remuneração de pessoal, tem-se aí um indicativo de que aparentemente não se cumprem as finalidades para as quais a agremiação está constituída", afirma.
O que é: O fundo partidário é distribuído anualmente para os partidos que cumpriram a chamada cláusula de barreira. Atualmente, 23 das 33 legendas estão aptas a receber. Ao menos 20% dos recursos devem ser destinados a institutos e fundações de pesquisas dos partidos, outros 30% devem ser utilizados em políticas para participação de mulheres nas siglas. A distribuição do recurso entre Estados e a forma como vai ser utilizado o restante do dinheiro são de autonomia dos partidos.
Uso: A legislação permite que o fundo partidário seja utilizado para manutenção das sedes e para serviços do partido, propaganda doutrinária e política, alistamento e campanhas eleitorais, pagamento de mensalidades para organismos partidários internacionais, pagamento de despesas com alimentação, contratação de serviços de consultoria, compra e locação de imóveis, custeio e impulsionamento em redes sociais.
Entre os gastos dos diretórios estaduais no Espírito Santo, pelo menos R$ 20,5 mil foram pagos em restaurantes e lanchonetes. Em um mesmo dia, em julho de 2019, por exemplo, o diretório do MDB no Espírito Santo pagou R$ 5.750 em uma churrascaria na Serra. O mesmo local também foi frequentado por membros do diretório do PSB que, também em julho do ano passado, pagaram R$ 4.880 ao estabelecimento.
Os banquetes foram pagos com recursos públicos do fundo partidário. Somente no ano passado, o MDB capixaba bancou R$ 11 mil em contas de restaurantes e lanchonetes. Os locais preferidos eram restaurantes na Enseada do Suá e na Praia do Suá, em Vitória. Além dessas refeições, o partido também pagou R$ 43,4 mil no ano em tíquete-refeição para os seus colaboradores.
"Por mais que não seja ilegal, não é isso que se espera de um partido político. Contratação de funcionários e como eles são contratados, seguindo quais critérios, se é uma forma de dar emprego a militantes ou se é mesmo uma forma de estruturar administrativamente, gastos com alimentação e a finalidade deles, tudo isso precisa de fiscalização. E, para isso, é preciso transparência. Quanto mais transparência houver, menos propensos estaremos ao surgimento de escândalos com esses gastos", avalia o cientista político Leandro Consentino.
O MDB capixaba diz que a conta paga em uma churrascaria e em outros restaurantes em Vitória foram de eventos e reuniões do partido e destaca que o balanço financeiro do diretório estadual passou por auditoria do Tribunal Regional Eleitoral no Espírito Santo (TRE-ES). A reportagem procurou a presidência do PSB no Estado para comentar os gastos, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
Outro item entre os principais gastos dos diretórios estaduais dos partidos no Espírito Santo foi em viagens. No total, somando compra de combustíveis, hospedagens, passagens aéreas e outras despesas para a locomoção dos filiados, a despesa chegou a R$ 103,6 mil.
Somente em passagens aéreas, o PSDB pagou mais de R$ 16 mil em 2019. De acordo com o tesoureiro do partido no Estado, Ricardo Wagner, grande parte desse recurso foi utilizada durante a preparação e a realização da convenção nacional do PSDB, em Brasília. Os recursos do fundo partidário bancaram a ida de seis delegados do Espírito Santo para o encontro. Outras viagens, no decorrer do ano, também estão inclusas no total.
O PSDB foi o segundo partido que mais gastou recursos do fundo em 2019 no Espírito Santo, com R$ 681 mil, atrás apenas do MDB, que utilizou R$ 860 mil. Um dos maiores gastos do PSDB foi com o pagamento de uma empresa de marketing, contratada para a campanha eleitoral de todos os candidatos do partido em 2018. Parte da dívida acabou sendo quitada pelo fundo partidário, descontando R$ 112 mil.
Já entre os gastos do MDB, parte deles foi destinada aos próprios filiados. Ao menos cinco pessoas com carteira assinada pelo partido são filiadas à sigla. O salário com valor mais alto, pago com o fundo partidário, é de R$ 7.032. No total, empresas cujos sócios também estão filiados ao partido receberam R$ 133 mil do fundo.
Procurado pela reportagem, o MDB estadual disse que todas as contas do partido são remetidas aos Tribunais Regionais Eleitorais, auditados e apreciados pelo Ministério Público Eleitoral.
A distribuição do fundo partidário entre os Estados é definida pelos critérios das direções nacionais de cada partido. No Espírito Santo, entre os 23 partidos que cumpriram a cláusula de barreira e têm direito ao fundo, nove diretórios estaduais no Espírito Santo não receberam nenhum centavo.
Além de questões estratégicas dos diretórios nacionais, outro fator que pode impedir que as sedes estaduais recebam dinheiro do fundo é a ausência da declaração das contas à Justiça Eleitoral, que gera o bloqueio do envio do recurso. Uma terceira hipótese para o não recebimento do fundo é o desconto de multas aplicadas aos diretórios, que podem bloquear o valor a ser recebido. Somente 12 siglas com sede no Estado foram contempladas com a verba em 2019.
Entre os que mais receberam recursos está o PSDB, com R$ 894 mil, e o PSB, com R$ 868 mil. A menor fatia recebida pelas siglas no Estado é do PROS, que teve direito a R$ 15 mil do fundo partidário, encaminhados pela direção nacional.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta