Pressionado por crescentes índices de desaprovação, resultados ruins na economia e erros no combate à pandemia de Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também convive com acusações de corrupção no governo. Além disso, indícios apontam que um esquema de "rachadinha" era operado no gabinete dele, enquanto exercia mandato de deputado federal.
As acusações de rachadinha se estendem aos filhos do presidente. Flávio (Patriota-RJ) e Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) são suspeitos de operar esquemas parecidos. Os outros filhos de presidente, Eduardo e Renan, também são alvos de outras investigações.
Recentemente, o presidente, que na campanha eleitoral de 2018 era notório defensor da Operação Lava Jato e criticava políticos processados e envolvidos em escândalos de corrupção, baixou o tom. Ele nomeou o líder do Centrão, senador Ciro Nogueira (PP-PI) para ser ministro da Casa Civil. Nogueira, experiente, um "profissional da sobrevivência política", está frequentemente envolvido em malfeitos, seja qual for o governo. Mas Bolsonaro minimizou, não somente os processos do novo aliado, mas os do próprio presidente.
A reportagem de A Gazeta as suspeitas e as acusações que o presidente e seus filhos enfrentam.
Um dos casos mais recentes é o escândalo envolvendo as negociações para compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime por supostamente não ter comunicado aos órgãos de investigação indícios de corrupção na operação.
A apuração tem origem em uma notícia-crime oferecida pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) a partir das suspeitas tornadas públicas na CPI da Covid.
O caso foi levado ao STF depois que o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão do parlamentar, Luís Ricardo Fernandes Miranda, que é chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, afirmaram em depoimento à comissão parlamentar que o presidente ignorou alertas a respeito de suspeitas de corrupção no processo de aquisição do imunizante fabricado pelo laboratório Bharat Biotech.
No dia 24 de junho, quase três meses depois de ter sido informado pelo deputado Luis Miranda sobre as possíveis irregularidades no processo de aquisição da vacina, o presidente ainda não havia acionado a PF para investigar o caso.
O inquérito para apurar as denúncias apresentadas por Luís Miranda a Bolsonaro somente foi instaurado no dia 30 de junho a mando de Anderson Torres, ministro da Justiça e Segurança Pública.
No dia 10 de julho, Bolsonaro se eximiu da responsabilidade de tomar providências sobre denúncias levadas até ele, ao ser questionado sobre seu encontro com Miranda.
“Ele (Miranda) pediu uma audiência pra conversar comigo sobre várias ações. Tenho reunião com mais de 100 pessoas por mês, dos mais variados assuntos. Eu não posso simplesmente, ao chegar qualquer coisa pra mim, tomar providência”, respondeu Bolsonaro a um repórter da Rádio Gaúcha ao ser questionado sobre o encontro.
O presidente Jair Bolsonaro, enquanto exercia mandato de deputado federal, teria demitido um ex-servidor do gabinete por ele se recusar a entregar parte do salário no esquema conhecido como "rachadinha". As revelações são da fisiculturista Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada do chefe do Executivo federal, em áudios publicados pelo Uol no início do mês. Andrea é irmã da segunda mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle.
Em um dos áudios, a ex-cunhada de Bolsonaro disse que "Jair" demitiu o irmão dela, André Siqueira Valle, porque ele não entregava a maior parte do salário de assessor ao então deputado federal.
"O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: 'Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'. Não sei o que deu pra ele", disse Andrea no áudio divulgado.
Procurado pela reportagem do UOL, o advogado Frederick Wassef, que representa o presidente, negou ilegalidades, afirmou que existe uma antecipação da campanha eleitoral de 2022 e que se trata de uma "gravação clandestina à qual não tenho acesso, não conheço o conteúdo e não foi feita perícia".
O advogado alegou que os fatos narrados por Andrea "são narrativas de fatos inverídicos, inexistentes", que "jamais existiu qualquer esquema de rachadinha no gabinete do deputado Jair Bolsonaro ou de qualquer de seus filhos".
Além do presidente, o filho Flávio Bolsonaro também é suspeito de operar um esquema parecido em seu gabinete, enquanto exercia o posto de deputado estadual pelo Rio de Janeiro. As suspeitas envolvendo o filho do presidente vieram à tona no final de 2018 com a revelação de um relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontando movimentações vultosas de recursos por Fabrício Queiroz, que era seu funcionário na Assembleia do Rio.
Queiroz, antigo conhecido de Jair Bolsonaro, é acusado pelo Ministério Público de ser o operador do esquema de rachadinha. Os promotores dizem ter levantado provas de que o dinheiro era usado por Queiroz para pagar na boca do caixa contas da família de Flávio. Além disso, afirmam que parte do recurso desviado era lavado através do investimento em imóveis e por meio de uma loja de chocolate que o senador possuía em um shopping no Rio de Janeiro.
Até junho de 2020, o caso tramitava na primeira instância da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, na vara do juiz Flávio Itabaiana. Isso porque, no início de 2018, o plenário do STF decidiu restringir o foro privilegiado apenas a crimes relacionados ao atual mandato do parlamentar. Ou seja, como as acusações contra o filho do presidente são anteriores ao mandato de senador, o entendimento inicial é que ele não teria direito a foro especial nesse caso.
A defesa de Flávio, porém, apresentou alguns recursos questionando essa interpretação. O ministro do STF Marco Aurélio recusou em 2019 o pedido para que ele fosse julgado com foro de senador. No entanto, em junho de 2020, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou o argumento dos advogados do filho do presidente de que ele ainda teria direito ao foro privilegiado no STF porque ainda tem cargo eletivo, deixou de ser deputado estadual para assumir imediatamente o mandato de senador.
Nos mesmos áudios que foram divulgados pelo Uol, Andrea revela que também envolvia a maior parte do salário recebido por ela mesma como funcionária do gabinete de Flávio Bolsonaro. "Eu ficava com R$ 1 mil e pouco e ele ficava com R$ 7 mil, então, assim, certo ou errado agora já foi, não tem jeito de voltar atrás", diz ela, que antes também foi funcionária do gabinete de Jair Bolsonaro.
Atualmente, o caso está no Supremo Tribunal Federal, onde aguarda uma decisão sobre a instância judicial em que o parlamentar deve ser julgado.
Em relação ao vereador Carlos Bolsonaro, outro filho do presidente, recaem suspeitas parecidas às de Flavio. Em março de 2021, uma outra reportagem do Uol, feita com base em quebras de sigilo revelou que quatro funcionários de seu gabinete sacaram a maior parte de seus vencimentos – em um total de R$ 570 mil – em dinheiro vivo, o que é um indício de rachadinha. O caso é investigado pelo Ministério Público.
Um outro inquérito investiga a suposta interferência política do presidente Bolsonaro na Polícia Federal. O inquérito contra Bolsonaro no STF é resultado das declarações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, quando deixou o governo. À ocasião, o ex-juiz da Operação Lava Jato afirmou que o presidente tentou interferir no comando da PF e que isso foi um dos principais motivos para o seu pedido de demissão.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, prorrogou no dia 22 de abril, por mais 90 dias o inquérito.
Outro filho do presidente investigado é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Contra ele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu uma investigação para apurar pagamentos em dinheiro vivo feitos nas aquisições de dois imóveis na Zona Sul do Rio de Janeiro entre 2011 e 2016. O caso foi revelado em setembro de 2020 e envolve duas transações imobiliárias que custaram R$ 150 mil em espécie ao parlamentar.
Ele ocupa uma das cadeiras da Câmara e está em seu segundo mandato. A apuração preliminar corre sob instrução do ministro Luís Roberto Barroso. O filho do presidente não se manifestou sobre o assunto.
Além dos filhos com mandato, há mais sobrenome Bolsonaro sendo investigado. Trata-se de Jair Renan, 23 anos, filho do presidente com a sua segunda mulher, Ana Cristina Siqueira Valle. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar se o filho 04 do presidente atuou para facilitar o acesso de empresários do grupo capixaba Gramazini Granitos e Mármores Thomazini ao governo federal.
Em novembro do ano passado, representantes da Gramazini se reuniram por duas vezes com membros do Ministério do Desenvolvimento Regional para falar sobre um projeto de construção de casas populares. Os encontros foram intermediados pelo filho mais novo do presidente e aconteceram um mês após um dos amigos e sócio de Renan Bolsonaro, Allan Lucena, ser presenteado com um carro elétrico no valor de R$ 90 mil. O carro foi doado pela empresa Neon Motors, ligada ao mesmo grupo da Gramazini, como revelou o jornal O Globo.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público aponta possível tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Renan Bolsonaro visitou o Espírito Santo em setembro do ano passado, em busca de parcerias para o novo negócio, a Bolsonaro Junior Eventos e Mídia. Na ocasião, ele se reuniu com empresários capixabas, entre eles representantes do grupo Gramazini. A empresa tem sede em Barra de São Francisco, no Noroeste do Estado.
Em nota encaminhada ao Jornal Nacional, o Ministério do Desenvolvimento Regional informou que as reuniões foram marcadas a pedido de um assessor especial do presidente Jair Bolsonaro e que o grupo foi orientado sobre como se adequar às normas exigidas para participar de programas habitacionais do governo federal ou para financiamento com recursos do FGTS.
A defesa de Jair Renan Bolsonaro disse que ele não marcou reunião nem ajudou a empresa Gramazini na relação com o governo federal; que Allan Lucena é um colega e personal trainer de Renan; que não existe relação societária entre os dois; e que Jair Renan Bolsonaro não ganhou carro de presente. Allan Lucena afirmou que é amigo de Jair Renan Bolsonaro e que o ajudou na empresa nessa condição; que os dois não tinham relação comercial contratual; que o carro foi doado ao que chamou de projeto MOB, na base da confiança, porque o projeto ainda não tinha sido formalizado.
Sobre a reunião no ministério, declarou que ele e Renan participaram apenas como ouvintes. Procurada, a empresa Gramazini informou, por nota, que é uma empresa que atua há anos no mercado de mármore e granito, sempre se pautando pelos princípios da ética, da transparência e da legalidade, contribuindo com a arrecadação de tributos e a geração de empregos.
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