Com os reflexos econômicos decorrentes da pandemia do novo coronavírus, a utilização dos recursos do fundo eleitoral e do fundo partidário para o combate à Covid-19 e para a redução dos impactos financeiros tem sido aventada por parlamentares, integrantes do judiciário e por pessoas, em geral, nas redes sociais. Especialistas avaliam que, embora a medida seja possível por meio de decisão no Congresso Nacional, é preciso cautela para avaliar como a medida afetaria a corrida eleitoral deste ano.
O cientista político Paulo Baía explica que a única possibilidade de concretizar esse redirecionamento de recursos seria se o Congresso alterasse a lei do fundo eleitoral. "Decisão judicial vai ser muito difícil porque ela necessariamente cai nos tribunais superiores, seria uma decisão sem fundamento legal."
No mês passado, o juiz federal Itagiba Catta Preta, da 4ª Vara Federal Cível de Brasília, chegou a determinar liminarmente que os recursos fossem bloqueados e destinados ao combate à pandemia, mas a decisão foi suspensa.
No Congresso, a proposta tem apoiadores. Dos deputados federais capixabas, oito são favoráveis à troca da destinação do recurso. No entanto, também encontra resistência de alguns parlamentares. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já questionou em sessão a necessidade da medida, por exemplo.
O professor José Luiz Niemeyer, do Ibemec do Rio de Janeiro, acredita que é possível que os parlamentares optem por usar pelo menos uma parte da receita no momento de crise, mas destaca que a ação teria um peso simbólico ainda maior que a contribuição monetária em si.
"O valor financeiro ajudaria em um momento como esse, em que faltam insumos básicos, mas seria ainda mais importante o aspecto simbólico daqueles que serão candidatos abrirem mão de parte do que foi decidido como fundo eleitoral para esse momento", afirmou.
Considerando a possibilidade, começam a ser levantados questionamentos a respeito de como ficaria a eleição deste ano. Baía acredita que é possível projetar um cenário com base nas eleições de 2016.
"As campanhas seriam mais baratas, o que seria positivo. Mas isso não seria nenhuma novidade. Em 2016, tivemos uma campanha eleitoral para prefeitos e vereadores em que não existia o fundo eleitoral e a proibição de contribuição de empresas privadas já existia." Na ocasião, foram utilizadas contribuições de pessoas físicas e uma flexibilização do fundo partidário.
O professor de Direito Eleitoral da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) Adriano Sant'Ana Pedra, entretanto, pondera que é preciso cautela para discutir a medida. "É um discurso fácil e atraente defender o uso de dinheiro do fundo eleitoral e do fundo partidário para o combate ao coronavírus. Tal ideia se dá sob a perspectiva de que ambos os fundos correspondem a um desperdício do dinheiro público, o que não é verdade."
O especialista defende, ainda, que esvaziar os fundos pode incentivar uma campanha mais injusta e desonesta.
A respeito de outras alternativas de financiamento da campanha, os especialistas concordam: trazer de volta as contribuições de empresas privadas não é uma opção. Tanto por ter sido considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quanto pelo prazo necessário para alterações em leis eleitorais que é de, no mínimo, um ano antes do pleito.
Para Niemeyer, caso parte do dinheiro seja usada, pode haver um favorecimento daqueles que já ocupam os cargos e buscam reeleição. "Os prefeitos e vereadores têm prerrogativas, acesso a um gabinete organizado e, por ter a caneta na mão, podem ter facilidade de buscar a reeleição", disse.
Mas caso a medida não seja aprovada, o professor acredita que o efeito será contrário: quem não estava eleito ganha mais um argumento para convencer o eleitor. "Vai ser mais uma chance de falar em renovação, já que grande parte da população apoia a medida, em parte por não perceber a importância política nesse cenário de caos", pontuou.
De uma forma ou de outra, Niemeyer acredita que o cenário eleitoral deste ano será de uma eleição com baixa presença dos eleitores, resultado de um período de crise e futura recessão.
"Nós entendemos a importância da periodicidade das eleições na democracia representativa. É importante ter eleição para manter a transparência, mas na minha opinião as chances de adiarem o pleito é grande, e assim o resultado será uma eleição rarefeita", ponderou.
Diante do cenário, dirigentes de partidos políticos no Espírito Santo avaliam como positiva a mudança da destinação do recurso, sobretudo do fundo eleitoral, mas condicionam a possibilidade à troca da data das eleições.
O presidente do Cidadania no Espírito Santo, Fabrício Gandini, diz ser favorável à medida. "Sou favorável por considerar que precisamos usar todos os recursos disponíveis para ações que permitam salvar vidas e também ajudar as pessoas que mais precisam de auxílio financeiro nesse momento", afirmou.
Questionado sobre os impactos da proposta para a campanha eleitoral do partido o deputado estadual se limitou a dizer que a prioridade máxima do momento é o enfrentamento da pandemia.
Na mesma linha de pensamento, o presidente do MDB no Estado, Lelo Coimbra, também defendeu que superar a epidemia é o foco de todos e, se for necessário, o recurso dos fundos deve ser utilizado. "Vejo que pode se tornar uma questão necessária ao longo do caminho", disse. Para Lelo, no entanto, a medida é viável apenas se, simultaneamente, ocorra o adiamento do pleito.
"As eleições precisam de dinheiro. E vai vir de onde? Vai ter que ser discutido se as eleições serão adiadas, respeitando os prazos para que no dia de 1º de janeiro tenhamos os eleitos", completou.
O presidente do PSB no Estado, Alberto Gavini, disse que o partido ainda não tem uma posição final sobre o tema, já que a discussão deve ser feita pela Executiva nacional da sigla.
"Ainda é cedo para falar em uma posição oficial do partido, mas na minha opinião pessoal parte dos recursos, ou até mesmo todo recurso, poderia sim ser destinado para cobrir as dificuldades de combater a pandemia." Gavini também defendeu, no entanto, que a medida faria ainda mais necessária uma discussão sobre a possível mudança de data das eleições.
O fundo partidário é um recurso disponibilizado para os partidos bancarem suas atividades como divulgação e seminários e contas como aluguel, água, entre outros. O valor é distribuído da seguinte forma: 95% da receita dividido proporcionalmente com o número de votos obtido por cada partido na última eleição e 5% dividido igualmente entre as siglas. O valor sancionado para o fundo neste ano foi o de R$ 1 bilhão.
Já o fundo eleitoral foi criado em 2017, após a proibição da contribuição de empresas privadas para partidos, considerada inconstitucional pelo Supremo desde 2015. A origem desse recurso é toda do Tesouro Nacional e é dividida da seguinte forma: 48% distribuídos proporcionalmente ao número de deputados eleitos por partido; 35% para partidos que elegeram pelo menos um deputado; 15% proporcionalmente a partidos que elegeram senadores e 2% igualmente entre as legendas. No início deste ano o valor definido para as eleições de prefeitos e vereadores deste ano foi de R$ 2 bilhões.
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