Grandes investigações sobre crimes federais no Espírito Santo estão paralisadas por efeito da decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu o compartilhamento de informações bancárias e fiscais entre órgãos de controle e de investigação. A constatação é do procurador do Ministério Público Federal no Estado (MPF-ES), Julio de Castilhos.
"A decisão paralisou inquéritos, ações, quaisquer procedimentos que envolvam as informações bancárias e fiscais. Ela praticamente paralisou as maiores investigações. A maior parte das que temos sobre lavagem de dinheiro, por exemplo, decorrem de representações da Receita Federal ou de relatórios de inteligência do Coaf", afirmou Castilhos.
Levantamento da Procuradoria-Geral da República mostrou que as apurações de crimes federais no Espírito Santo estão em segundo lugar entre as mais afetadas. São 95. Em todo o país, 700 - considerando apenas crimes federais, sem contar inquéritos das polícias estaduais e dos Ministérios Públicos dos Estados.
Em 16 julho, Toffoli barrou o compartilhamento direto de dados sensíveis da Receita Federal e do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alvo do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Julio de Castilhos, que foi chefe do MPF-ES entre 2015 e 2017, vai além. Considera que a decisão tomada individualmente por Toffoli deu um "passe livre" para a criminalidade. O colegiado do STF deve se debruçar sobre o tema em 21 de novembro. O intervalo, segundo o procurador, pode ter sacrificado apurações maduras.
"(Nesse período) é possível lavar muito dinheiro. Pode ter ocorrido uma série de evasão de divisas, podem ter operado instituições financeiras não autorizadas de forma veloz. Para criminalidade, são meses, eu diria, com um passe livre. É como se, de uma hora para outra, desligassem todos os radares de uma rodovia. Quem tem consciência vai continuar andando no limite. Mas quem não tem e não faz questão de ser... A oportunidade de acidentes é maior", comentou.
As investigações mais afetadas no Espírito Santo são as de crimes de sonegação fiscal. Em segundo lugar, as de lavagem de dinheiro. Em seguida, aparecem os crimes previdenciários.
Não há plena clareza sobre a abrangência da decisão de Toffoli. Há quem entenda que ela vetou o envio direto a investigadores apenas de dados bancários, sem impor restrições ao compartilhamento de dados fiscais. O MPF-ES, contudo, adotou uma postura conservadora. Optou por não avançar em nenhum dos dois cenários para não correr o risco de, no futuro, ver apurações serem declaradas ilegais.
A decisão de Toffoli não extinguiu toda e qualquer comunicação de relatórios de órgãos de controle. Eles podem ser emitidos, desde que por determinação judicial. Na prática, para os investigadores, isso inviabiliza o intercâmbio. Envios de informações genéricas continuam permitidos, mesmo sem a mediação do Judiciário. Castilhos argumenta, contudo, que os órgãos de investigação já portam dados sem detalhamentos e, com eles, não é possível aprofundar apurações.
O Coaf foi criado com a Lei 9.613, de 1998, a chamada lei da lavagem de dinheiro. A missão dele, renomeado pelo governo Bolsonaro de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e prestes a voltar a carregar o nome de batismo, serve para identificar ocorrências suspeitas de atividades ilegais. É capaz de alertar as polícias, por exemplo, que determinado cidadão faz movimentações financeiras periódicas incompatíveis com os ganhos.
O procurador Julio de Castilhos explicou que, a partir de 2001, com o atentado ao World Trade Center, o governo norte-americano passou a ficar mais exigente com relação aos sistemas financeiros do mundo. O movimento internacional cobrou avanços do Coaf brasileiro. Qualquer coisa que pode ser considerada retrocesso pode ser negativa ao país, destacou o representante do MPF.
"Esse modelo que o Coaf tem, que está sendo paralisado e questionado, é até uma exigência internacional. A partir do momento que Brasil não obedeça, pode até sofrer sanções da comunidade internacional", pontuou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta