Mesmo que por razões alheias à própria vontade, o Poder Judiciário deixou de ser coadjuvante na guerra política da Serra. Afastamentos de vereadores, bem como suspensões e retomadas de comissões processantes na Câmara, acabam causando o efeito de equilibrar e desequilibrar o jogo local, além de exigir novas estratégias dos atores políticos da cidade.
Obviamente, a Justiça tem atuado conforme demandada. Seja pelo Ministério Público ou pelo grupo político que enxerga irregularidades na atuação do outro. Mas o fato é que políticos vêm misturando consequências das decisões judiciais proferidas ao menos desde 2017 a brigas dos grupos.
Hoje, a Serra tem três dos seus 23 vereadores afastados por ordem judicial Neidia Pimentel (PSD), Geraldinho Feu Rosa (sem partido) e Nacib Haddad (PDT). Um suplente chegou a assumir uma das cadeiras, mas acabou retirado também, por decisão da Justiça. Em Câmara onde situação e oposição brigam por maioria, a retirada de um vereador influencia na balança.
Dois respondem por se apropriarem de parte dos salários de funcionários sendo que um foi filmado pedindo o dinheiro. Outro é acusado de integrar esquema de cartel por meio de empresa da qual era sócio.
O trio de parlamentares afastados foi alcançado por decisões de três magistrados diferentes, das áreas cível e criminal.
Contudo, a juíza cujas decisões causam mais "impacto" entre os políticos serranos é Telmelita Guimarães Alves, da Vara da Fazenda Pública da Serra.
Ela está nos quadros da magistratura capixaba desde abril de 1994. Boa parte dos cerca de 25 anos de atuação é na Serra, onde também é juíza eleitoral.
O indiciamento de um ex-assessor de vereador por postagens difamatórias contra a juíza é mais um indício de que a política acaba misturando o Judiciário em seus conflitos.
COMISSÕES DE PROCESSO
Telmelita é signatária das principais decisões que têm inflamado a política local. A Vara da qual é titular é a responsável pelos processos relacionados às comissões que a oposição quer contra o prefeito Audifax Barcelos (Rede).
A juíza entendeu, por exemplo, que o rito da Câmara para abrir oito comissões processantes que podem resultar no impeachment do prefeito foi irregular e determinou a suspensão de todas elas.
As investigações foram abertas com base em uma mesma denúncia redigida em duas páginas de papel por um ex-servidor da prefeitura. Ela também identificou erro no rito de abertura da CPI da Saúde, como a não publicação na pauta da Câmara pelo menos 48 horas antes da votação.
Após recurso da Câmara, o Tribunal de Justiça do Estado reverteu a decisão da Vara da Fazenda da Serra sobre as oito comissões processantes e ainda analisa pedido de retomada da CPI.
BASTIDORES DA POLÍTICA
Nos bastidores, a atuação de Telmelita desperta análises inflamadas. Entre os vereadores de oposição, há quem sinta-se em desvantagem no jogo político por conta dela. Como argumentam, referem-se a decisões proferidas por ela que foram reformadas pela instância superior o que é normal no funcionamento da Justiça. Eles guardam uma lista com sete casos assim.
O raciocínio, porém, não prospera junto a auxiliares menos políticos da oposição. Citam perdas e vitórias nas demandas feitas a Telmelita. Entre dois auxiliares técnicos ouvidos pela reportagem sob anonimato, há convicção de que reformas de decisões são normais e que não há evidência de que a juíza esteja prestigiando um grupo em detrimento de outro.
Partiu dela, por exemplo, a absolvição do vereador Roberto Catirica (PHS), um atuante membro da oposição, e a absolvição da ex-deputada Sueli Vidigal (PDT) em ação de improbidade.
Advogados e colegas de magistratura ouvidos pela reportagem sob anonimato não lançam dúvidas sobre a retidão da juíza nos autos. Ao contrário, definem Telmelita como profissão "experiente em ações de improbidade", "serena", "juíza correta", "pessoa extremamente educada".
Os que não teceram elogios também não realizaram críticas. "O que para um magistrado é bom, sinal de que faz seu trabalho tecnicamente", destacou um juiz de Direito, sob a condição de não ter o nome revelado.
Outro destaque colhido pela reportagem com autoridades que acompanham a rotina da Serra é o fato de a juíza manter-se "combativa" mesmo habilitada a começar a pensar em promoção ao TJES. "Às vezes, nessa fase, o juiz começa a ser mais comedido", disse.
CASO DE POLÍCIA
Mas como a política serrana especializou-se no escândalo, inclusive com troca de ameaças e acusações de interferência do crime organizado, outra investigação policial deve impactar o cenário local.
Há, na Delegacia de Repressão às Organizações Criminosas, um inquérito que apura uma gravação com menção à magistrada atribuída a supostos interlocutores do prefeito durante esforço para cooptar um vereador para a base.
O Gazeta Online pediu entrevista à juíza Telmelita Guimarães Alves. Ela preferiu não falar para "evitar comprometimento da imparcialidade" e também para não descumprir a Lei Orgânica da Magistratura.
VEREADORES RECLAMAM DE JUÍZA
A insatisfação dos vereadores de oposição com a atuação da juíza Telmelita Guimarães Alves, da Vara da Fazenda Pública da Serra, é pública e notória. Eles falam em "interferência" do Judiciário nos assuntos de natureza inteiramente política.
Exemplo disso foram declarações proferidas pelos parlamentares na sessão de 3 de abril, dia seguinte à entrevista coletiva que o prefeito Audifax Barcelos (Rede) convocou para dizer que "o crime organizado" quer apeá-lo do poder por meio de processos que a Câmara abriu contra ele.
Na ocasião, Audifax também tinha em mãos decisão judicial da Vara da Fazenda Pública que suspendia oito comissões processantes agora reautorizadas, com quatro já instaladas.
No plenário, Aécio Leite (PT) criticou a decisão. "Com todo respeito ao Judiciário da Fazendária da Serra. Tem muito mais o que fazer. Deixa os vereadores trabalharem, deixa os vereadores fiscalizarem. O Judiciário não tem que se intrometer aqui, não. Com todo o respeito à juíza Telmelita, ela tem que deixar os vereadores fazerem seu papel", disse da tribuna.
Além de devolverem a acusação de influência de crime organizado ao prefeito, outros vereadores fizeram coro.
"Nunca ouvi falar de uma obstrução de CPI. Nunca ouvi falar que a Justiça entrasse no meio de uma função nossa, do vereador, que é fiscalizar. Justiça proteger que não se apure uma denúncia? Não podemos fazer lei porque gera despesa. Não podemos fiscalizar que a juíza vem e faz intervenção na Câmara", discursou Nacib Haddad (PDT), hoje afastado.
Pastor Ailton (PSC) foi outro que reclamou citando nominalmente a juíza.
"Estou preocupado com essa interferência do Judiciário. Quero crer que a doutora Telmelita é uma juíza séria, quero crer que ela está sendo influenciada pelos partidos que entraram com a ação para impedir a CPI. Quero crer que a decisão dela foi pensada e, talvez, ela não tenha informação correta. Por isso, não quero fazer julgamento dessa magistrada", disse.
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