Após a explosão do termo fake news nas eleições de 2018, combater a disseminação de informações falsas no mundo digital tornou-se um desafio imposto à agenda do pleito eleitoral de 2020 especialmente por dois fatores: o primeiro é a polarização política, que radicaliza os discursos e opiniões. Já o segundo gira em torno de sofisticadas tecnologias, que dificultam cada vez mais a possibilidade de separação entre o que é real e o que é falso nas redes.
Uma delas é a deepfake, uma tecnologia que usa inteligência artificial para modificar o rosto de pessoas e expressões faciais e criar áudios falsos em vídeos. A técnica faz parecer que alguém disse ou fez algo que nunca fez.
Tais obstáculos estão entre os assuntos do debate promovido pelo Tribunal Regional do Espírito Santo (TRE-ES), que reuniu nesta quinta-feira (31) membros do Poder Judiciário, pesquisadores, jornalistas e representantes da sociedade civil para discutir os efeitos da desinformação no cenário político e democrático brasileiro. Confira os principais pontos debatidos:
Para Natália Leal, diretora de conteúdo da Agência Lupa (que inaugurou o processo de checagem de informações no Brasil), além da crise de credibilidade pela qual passa o jornalismo profissional, a continuação da polarização política que persiste desde 2018 impulsiona a disseminação de conteúdos falsos, já que os eleitores tendem a acreditar em informações que vão ao encontro de suas próprias ideias.
"A falta de empatia das pessoas, de disponibilidade para ouvir uma opinião diferente e para entrar num debate e em vez de um embate é preocupante. Não vejo isso diminuindo de 2018 para cá e não vejo diminuindo até o ano que vem. Estamos trabalhando com questões psicológicas, antropológicas e sociológicas", pontua a jornalista.
Do mesmo modo, a difusão de tecnologias mais poderosas é apontada pelo codiretor do Instituto de Tecnologia e Equidade, Ariel Kogan, como um outro obstáculo. Hoje o compartilhamento de informações através dos chamados "bots" - robôs criados para reproduzir ações humanas repetidamente na internet - em redes sociais como Twitter e Facebook já é conhecida, embora nem sempre seja fácil para um leigo distinguir entre o perfil de uma pessoa real e o de um robô. Mas a potência de tais softwares pode ser ainda muito maior.
Segundo Ariel eles podem ser os responsáveis pela criação de deepfakes, que consistem principalmente em vídeos alterados que usam a imagem de figuras públicas.
Os softwares se apropriam das características dessa pessoa, da voz, da imagem, para criar um outro discurso. Isso é muito complexo porque não temos ferramentas para identificá-los rapidamente e nem de maneira mais apurada. Eles geram uma desinformação e um desequilíbrio que complica muito o processo eleitoral, aponta.
Mas as próprias características das eleições municipais, que são mais pulverizadas e com mais candidatos, se impõem como um desafio. É o que diz Natália Leal.
Vamos ter muitos candidatos que pela primeira vez vão produzir conteúdos digitais. Na eleição municipal de 2016 não havia esse volume ainda do marketing digital. Hoje todos pensam em criar o perfil no Instagram, no Facebook, no Twitter, o canal no Youtube, grupos de Whatsapp. Temos mais de cinco mil municípios. Olha a quantidade absurda de informação que vamos ter circulando. Precisamos ter uma rede articulada de pessoas que estão dispostas a combater a informação falsa, aponta.
Para Ariel Kogan, o pleito de 2018 serviu como uma escola no campo da desinformação, deixando ao menos três lições a serem cumpridas no próximo pleito.
O primeiro é a necessidade de maior agilidade por parte da Justiça Eleitoral no julgamento de processos. O segundo fica a cargo da sociedade, que precisa compreender o fenômeno da desinformação e passar a desconfiar mais dos conteúdos que recebe. Já o terceiro cabe às plataformas digitais, como Facebook, Whatsapp e Twitter, que devem se envolver mais no processo, utilizando a tecnologia a favor da democracia em âmbito digital.
As plataformas são muito importantes para combater os linchamentos virtuais. Acontece de muitas figuras públicas serem linchadas virtualmente por um perfil influenciador e uma rede de perfis, que atacam sua reputação e moral. As plataformas têm que assumir um comprometimento com a prevenção dessas situações. Elas têm tecnologia suficiente para isso. Devem investir em pesquisa acadêmica e parcerias com organizações da sociedade civil para aprimorar ferramentas e processos dentro delas.
O diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Luciano Santos, também alerta que a punição de quem cria ou quem dissemina informações pautas é outro fator importante na equação.
O candidato que promove notícias falsas fica sujeito às penas da legislação eleitoral. Pode ter as publicações retiradas das plataformas, além de ficar sujeito ao direito de resposta por parte do prejudicado. O impulsionamento de conteúdos, se não for feito de maneira legal, também pode ser caracterizado como abuso de poder econômico e levar à cassação do registro do candidato, pontua Luciano.
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