No dia 8 de maio de 2019, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) bateu à porta da prefeita de Presidente Kennedy hoje afastada do cargo Amanda Quinta (sem partido). Lá dentro, uma reunião suspeita com a presença de secretários e funcionários municipais e o empresário Marcelo Marcondes Soares, que depois firmaria um acordo de colaboração premiada.
Onze segundos após a chegada dos agentes, Marcelo foi para uma casa vizinha para esconder parte do dinheiro que tinha levado para o pagamento de propina. O esconderijo: uma máquina de lavar roupas.
O episódio inusitado é parte de uma trama que começou muito antes daquele dia. O empresário, a própria Amanda Quinta, além do companheiro dela, o ex-secretário José Augusto de Paiva, acabaram entre os presos na Operação Rubi.
Marcelo decidiu contar em delação como foi a aproximação com os agentes públicos e a negociação para pagamento de vantagens indevidas a José Augusto. Os promotores de Justiça que atuam no Gaeco o ouviram no dia 31 de maio do ano passado, das 10h às 15h30, como registra o termo de colaboração.
O caso, que tramita na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), sob relatoria do desembargador Fernando Zardini, não está mais sob sigilo.
Amanda e José Augusto, assim como o próprio delator, não estão mais presos. Eles foram denunciados pelo Ministério Público Estadual e ainda não houve o julgamento do caso. O que você vai ler aqui são as alegações do empresário.
A empresa Limpeza Urbana, da qual Marcelo Marcondes Soares e o irmão dele, José Marcondes Soares, são sócios, participou de um processo de licitação da Prefeitura de Presidente Kennedy durante a gestão de Amanda Quinta. A empresa foi a vencedora pelo critério de melhor preço.
Marcelo disse aos promotores de Justiça que atuam no Gaeco que, após o resultado da licitação, ele se encontrou com José Augusto em um restaurante. José Augusto era secretário de Desenvolvimento Econômico de Kennedy. Ele é companheiro de Amanda e era considerado como a pessoa que realmente comandava a prefeitura.
"José Augusto solicitou ao colaborador um pagamento mensal de valor correspondente a 15% dos pagamentos efetuados pela Prefeitura de Presidente Kennedy à empresa Limpeza Urbana no contrato a ser assinado. Após protestos do colaborador as partes ajustaram o percentual de 10% a ser pago diretamente a José Augusto e que o pagamento ocorreria na mesma data em que a prefeitura efetuasse o pagamento à empresa. Ficou acordado, ainda, que, em contrapartida, José Augusto não atrapalharia a execução do contrato", registra o teor da delação premiada.
No dia da assinatura do contrato, José Augusto e Amanda exigiram, ainda de acordo com o empresário, "que todos os empregados contratados pela Limpeza Urbana para a prestação dos serviços naquele município fossem por eles indicados".
O repasse do dinheiro da propina, ainda segundo o termo de delação do empresário, inicialmente era feito no escritório da empresa em Kennedy, "ou em estradas, postos de gasolina e outros locais ermos". Após três ou quatro anos de contrato "os pagamentos passaram a ser realizados na casa da prefeita Amanda".
Em algumas ocasiões, em que José Augusto estava viajando, Marcelo diz que entregou o dinheiro à própria Amanda Quinta.
"Tais encontros sempre foram intermediados por Leandro Rainha (então secretário municipal de Meio Ambiente), o qual também passou a exigir do colaborador o pagamento de valores mensais. A partir daí, além dos valores que eram mensalmente pagos a José Augusto, o colaborador passou a efetuar pagamentos mensais a Leandro Rainha. Tais pagamentos não tinham valor fixo, variando entre R$ 3.000 e R$ 4.000, sempre pagos em espécie."
Depois que Leandro deixou de ser secretário de Meio Ambiente e passou a ser titular da pasta de Assistência Social, os repasses continuaram. O secretário que o substituiu no Meio Ambiente, Maycon Valpasso Almeida, ainda de acordo com o delator, "também passou a exigir o pagamento de valores".
"O colaborador, por exemplo, custeou a reforma do telhado da residência de Maycon, que custou R$ 10.000 que foi paga e duas parcelas de R$ 5.000. Maycon também passou a indicar nomes de pessoas que deveriam ser contratadas pela empresa Limpeza Urbana".
"José Augusto afirmou ao colaborador por mais de uma vez que parte dos valores que lhe eram pagos pela empresa Limpeza Urbana era repassada a vereadores do município para que a chefia do Poder Executivo mantivesse o controle da Câmara de vereadores. O colaborador tem ciência, outrossim, que alguns dos nomes que José Augusto indicava para fins de contratação pela empresa Limpeza Urbana eram, em realidade, indicações dos vereadores, os quais, muitas vezes, o indagavam a razão de determinada pessoa ainda não ter sido contratada."
O relatório de missão elaborado pela inteligência a Polícia Militar, que consta na ação penal da Operação Rubi referente aos fatos narrados em Presidente Kennedy, registra a análise de imagens de câmeras de segurança da casa de Amanda Quinta. No dia 08 de maio de 2019, quando a Rubi foi deflagrada, as câmeras mostram a chegada das pessoas que participariam da reunião, o início do cumprimento do mandado de busca e apreensão e o momento em que Marcelo Macondes Soares entra em uma casa vizinha. Ele mesmo contou, em depoimento, que o objetivo era esconder parte do dinheiro em uma máquina de lavar.
Após firmar o acordo de delação premiada, que foi homologado por Zardini, o empresário deixou a prisão, em junho.
Advogado de Amanda Quinta e José Augusto, Altamiro Thadeu Frontino Sobreiro diz que não teve acesso à delação premiada do empresário e que, por isso, não pode fazer comentários a respeito.
Ludgero Liberato, que defende Leandro Rainha, diz que o cliente é inocente: Apesar de já haver requerido expressamente o acesso à delação de Marcelo, até o presente momento a defesa de Leandro não obteve acesso ao material". Mesmo assim, enfatiza que a colaboração premiada não prova nada e que caberá ao colaborador comprovar aquilo que disse. Reitera, por fim, a inocência de Leandro, que ficará provada ao final do processo.
A Gazeta também tentou contato com Maycon Almeida, mas até a publicação desta reportagem, não obteve retorno. Estamos à disposição para a manifestação do ex-secretário ou da defesa dele.
A reportagem também não conseguiu falar com o advogado de Marcelo Marcondes Soares, Roberto Butter.
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