O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nem viu, mas já criticou o documentário "Democracia em Vertigem", de Petra Costa, que concorre ao Oscar 2020. Nas redes sociais trava-se uma luta de insultos e elogios com, como o presidente gosta de dizer, "viés ideológico". O filme mostra a visão da diretora sobre o impeachment de Dilma Rousseff (PT), mesclada com a história da própria Petra. E aponta questões que deixam o PT em uma posição mais confortável que a de seus críticos.
E é aí que aperta o calo dos bolsonaristas, que antagonizam com o partido de Lula e Dilma mais enfaticamente desde a campanha eleitoral de 2018. Avaliar se foi ou não golpe, se houve ou não crime de responsabilidade que obrigasse a retirada da presidente do poder, é, até certo ponto, uma questão subjetiva. Há também, no entanto, tópicos objetivos como índices econômicos citados no documentário que não são precisos.
O Oscar não é Nobel de economia e tampouco tribunal político. A polarização que tomou conta do Brasil, no entanto, faz seu próprio julgamento, ou dois: um para cada lado.
"A esquerda vê a indicação (ao Oscar) como uma legitimação da visão da diretora, e não é bem isso. Não quer dizer que os que o indicaram acreditam que é a retratação fiel da realidade. E os ligados à direita bolsonarista já querem promover um filme exaltando outra parte da história", resume o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
"Isso não é causa, é sintoma de algo que vivenciamos desde o impeachment e após a eleição do Bolsonaro. Ele não arrefeceu o discurso após assumir, ao contrário, faz o que eu chamo de presidencialismo de confrontação", emenda Prando.
Esse confronto vai além da Presidência da República e das redes sociais, está no dia a dia das pessoas e não é por acaso. É estratégia política, coisa séria, mas que também é levada na brincadeira.
O PSDB, que apoiou o impeachment, por exemplo, saiu-se com essa no Twitter:
Os tucanos, principalmente desde o "Bolsodoria" estímulo ao voto em João Doria (PSDB) para governador de São Paulo e Bolsonaro para presidente , adotaram uma linha bolsonarista. A "piada" faz parte do repertório.
O perfil Dilma Bolada, uma sátira que trata a ex-presidente Dilma positivamente, também não perdeu a oportunidade:
"Isso agora reacende uma parte do debate que, no fundo, nunca foi apagado. É uma lógica que, infelizmente, coloca tudo sob o maniqueísmo. 'Eu sou o bem e meus inimigos são o mal'. É uma simplificação e simplificações conseguem adeptos", resume Prando.
Não é a primeira vez que uma produção audiovisual acaba arrastada para a polarização política brasileira. A série "O Mecanismo", de José Padilha para a Netflix, causou um efeito similiar guardadas as devidas proporções. A série foi criticada por não retratar corretamente os fatos relativos à Operação Lava Jato. O roteiro colocou, por exemplo, uma fala do então senador Romero Jucá ("estancar a sangria") na boca do ex-presidente Lula.
Num tom acima, o especial de Natal do Porta dos Fundos, também na Netflix, foi alvo até de censura judicial após protestos de grupos cristãos, muitos ligados ao bolsonarismo. O Supremo Tribunal Federal (STF) depois derrubou a ordem e o especial segue na plataforma de streaming que também hospeda "Democracia em Vertigem".
À parte o debate político-ideológico, Petra Costa pode ser a primeira diretora latino-americana a ganhar a estatueta. E o filme é o primeiro do Brasil a conquistar uma vaga na categoria de documentários na premiação.
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