Ao assumir a presidência da República em 2019, Jair Bolsonaro (sem partido) promoveu uma mudança na relação com o Congresso. Em vez de fazer a coalizão com os partidos, modelo tradicional desde 1988 e seguido por todos os presidentes até então, Bolsonaro resolveu formar sua base por meio dos grupos temáticos da Câmara.
Os deputados federais optaram, então, por criar frentes para tentar se articular melhor com o presidente e ter mais voz, também, com ministros, que podem ajudá-los a liberar recursos para as bases.
Entre os grupos temáticos mais próximos de Bolsonaro estão a chamada bancada BBB: do Boi (Frente da Agropecuária), da Bala (Frente Armamentista) e da Bíblia (Frente Evangélica). É o que sustenta a cientista política Joyce Hellen Luz, pesquisadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleitorais (Nipe), do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
O problema de dividir a base por temas, segundo ela, é que frentes não são partidos, ou seja, não têm poderes institucionais para indicar comissões no Legislativo ou orientar a votação dos seus membros.
Frente não tem coesão de voto. Dois deputados podem estar em uma frente sobre um assunto específico, mas, quando a pauta muda, eles podem ter opiniões totalmente divergentes. O que dificulta articular uma base, analisa.
Mas, há algo de errado na criação de centenas de frentes parlamentares? Para Luz, não. Segundo ela, os colegiados cumprem o papel de produzir informação, ainda que de temas muito específicos.
Como o Executivo do país tem, naturalmente, uma dificuldade de focar em temas locais, como a construção de uma rodovia, por exemplo, as frentes assumem a responsabilidade de chamar a atenção do presidente para uma demanda.
O país é muito grande, o Executivo não consegue estar em todos os lugares. Uma frente pode até não chamar a atenção do presidente, mas chama a dos ministros, arranja um espaço na agenda deles e, por vezes, consegue colocar essa demanda no orçamento, explica.
Além de tentar ter mais voz, outra hipótese para o aumento do número de colegiados está relacionado com a crise identitária dos partidos, com cada vez menos coesão de ideologias entre os filiados. Os parlamentares, assim, procuram mostrar para o eleitorado o que defendem no Congresso por meio da participação nos colegiados.
A professora da FGV Brasília e doutora em Ciência Política Graziella Testa sustenta que dificilmente um parlamentar deixa de assinar a lista de uma frente parlamentar, caso ela não tenha nenhum ponto controverso. Ela destaca que há grupos que acabam servindo com fins eleitoreiros e mal saem do papel, mas há frentes que estão ativas há anos e que têm reunião semanal. O que define se o grupo terá ou não atuação efetiva é o empenho dos coordenadores e a cobrança por parte da população.
Outro papel que as frentes ajudam a cumprir é o de gerar conteúdo para a prestação de contas de parlamentares. A professora explica que a prática é comum para representantes do Legislativo, que estão em um poder coletivo e não possuem realizações individuais.
Há um discurso de muitos deputados de que a Câmara é ruim e o parlamentar é ótimo. O que é uma pena, pois o Legislativo deveria ser pensado de maneira coletiva e não individual. O que acontece é que muitos deles criam frentes de maneira inócua, para tentar vendê-la como um capital político, alerta Graziella Testa.
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