Em seus primeiros meses de mandato, os deputados estaduais eleitos em 2018 deram um salto na produção de projetos de lei. Do início do ano até esta quarta-feira (20) já foram protocoladas 660 propostas na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), contra um total de 440 apresentadas em 2015, o primeiro ano da legislatura passada.
No bojo de ideias que poderão se tornar leis estaduais muito em breve algumas são, no mínimo, curiosas. Um exemplo é a tentativa de tornar obrigatória a leitura de versículos bíblicos em escolas, assim como a determinação de que mulheres vítimas de violência doméstica fiquem com a guarda de animais de estimação que tenham com seus companheiros.
A lista dos mais producentes é encabeçada por Capitão Assumção (PSL), que sozinho apresentou 117 PLs, seguido de Fabrício Gandini (PPS), com 63, e de Lorenzo Pazolini (sem partido), com 52. As informações são do Portal de Transparência da Assembleia.
Mas quando se trata de propostas legislativas, nem sempre o volume é sinônimo de eficácia ou de relevância. Por isso, é preciso analisar o nível de qualidade dos projetos. De forma geral, todos os dez deputados que mais protocolaram PLs possuem propostas variadas, que vão desde áreas como saúde, educação e segurança, até as de inclusão social, direitos do consumidor, cultura e direitos dos animais.
Para Simões, que analisou os projetos dos dez deputados que mais apresentaram PLs, boa parte dos parlamentares é guiada por suas relações com categorias e com grupos profissionais aos quais são ligados. Janete de Sá, por exemplo, que apresentou 41 projetos, possui muitas propostas relacionadas ao direito dos animais e das mulheres vítimas de violência. Mas, por outro lado, também sugere medidas como a criação do dia do embalador.
Um ponto positivo, avalia o professor, são propostas voltadas para a instauração de políticas públicas. A título de exemplo, Hércules Silveira (MDB) propõe a instituição de um cadastro estadual de pessoas com deficiência para facilitar a adoção de medidas por parte do Executivo. Já Alexandre Xambinho (Rede) propõe a criação de um programa estadual para estimular o primeiro emprego.
Por outro lado, Rafael Simões também chama atenção para projetos curiosos ou de pouca utilidade, como os que dão nomes a locais ou que instituem dias comemorativos.
Um dos deputados propõe a criação do dia do veículo elétrico, exemplifica. O autor da proposta em questão (PL 631/2019) é Alexandre Xambinho. Mas assim como essa, existem outras do tipo, como a de Hércules Silveira, que quer criar o dia de doar, ou a de Capitão Assumção, que quer criar o dia de combate à cristofobia.
NÚMEROS
Conforme adiantou a coluna Vitor Vogas, o número de propostas aumentou como um todo. Acrescentando à conta também os projetos de resolução, projetos de decreto legislativo, projetos de lei complementar e propostas de emenda à Constituição o número já chegava a 805 até o dia 16 deste mês.
Mas, para o professor de Direito Empresarial e Administrativo da Mackenzie, Armando Luiz Rovai, as casas legislativas deveriam estar seguindo um caminho contrário, evitando criar tantas leis.
Nós vivemos um momento de hiperinflação legislativa. Temos por volta de cinco milhões de legislações esparsas no Brasil por conta de um excesso de trabalho dos legisladores, que muitas vezes não têm o devido cuidado e atenção na criação das normas.
Segundo o professor, em muitos dos casos já existem princípios jurídicos que regram condutas, dispensando a criação de novas leis. Trata-se, portanto, de desperdício de tempo e dinheiro. É o caso de um projeto de autoria da deputada Janete de Sá, que prevê que mulheres vítimas de agressão fiquem com a guarda de animais de estimação que compartilham com seus agressores.
São coisas que o estado não tem que regrar. O Estado tem que funcionar dentro de uma dinâmica para gerar harmonização, equilíbrio na vida social.
Armando continua: As Casas devem estar empenhadas em reduzir o número de legislações que não têm eficácia, em fiscalizar o trabalho do Executivo e, aí sim, criar novas leis quando outras se tornaram obsoletas, pouco adequadas à nossa realidade.
CAPITÃO ASSUMÇÃO: LÍDER EM PLS E POLÊMICAS
Campeão no quesito produção legislativa, o líder da bancada do PSL na Assembleia, Capitão Assumção, acumula propostas que chamam atenção. O deputado propõe, entre outras medidas, que versículos bíblicos sejam lidos em escolas.
Ele quer também que seja proibida a fabricação, veiculação e distribuição de símbolos e emblemas com
martelo e foice, que tenham como objetivo fazer propaganda do comunismo. Do mesmo modo, Assumção sugere que as concessionárias de transporte público forneçam protetor solar aos motoristas e cobradores.
Assumção diz que seus projetos são criados para atender às demandas que recebe de pessoas através de e-mail e das redes sociais.
No caso específico deste projeto dos símbolos do comunismo eu espero ter o apoio da maioria depois de um amplo debate dentro da Casa. É algo que nós precisamos alertar a sociedade. De um símbolo que representa ditadura, que é contra as liberdades individuais e que matou muito mais pessoas que o nazismo, argumenta o deputado.
Mas, ele pondera: Temos muitos outros projetos que tratam de temas interessantes como acessibilidade, proteção aos animais, segurança pública e manutenção e ampliação de postos de trabalho.
Questionado sobre a real viabilidade de alguns de seus projetos serem aprovados pelas comissões parlamentares, como a de Constituição e Justiça, Assumção responde: O regimento da Assembleia permite um tempo de maturação para os projetos, tempo esse que me permite debater com os colegas e obter número suficiente para aprovação em plenário. Quanto às barreiras jurídicas que surgirem porventura, também nos possibilita corrigir alguns projetos e fazer com eles voltem a circular dentro da ales sem os vícios de inconstitucionalidade.
ANSEIOS DA BASE
Depois de Capitão Assumção, Fabrício Gandini (PPS) e Lorenzo Pazolini (sem partido) são os que mais apresentaram projetos. Ambos argumentam que suas propostas surgem de demandas de suas bases.
Não me pauto pelo número. Em início de mandato temos uma produção maior porque conversamos com muitas pessoas durante a campanha e depois. Para mim, a articulação com a população é o que mais importa, afirma Gandini, que possui 63 projetos de lei.
O deputado se debruça sobre propostas em diferentes áreas, como meio ambiente, saúde e direitos dos
animais. Em dois de seus projetos, no entanto, Gandini pretende definir uma temperatura adequada para as salas de aula de escolas públicas e também para hospitais públicos (esta seria entre 20° e 23º). Mas não seria essa uma definição que cabe ao Poder Executivo?
Para Gandini, é possível que o Legislativo interfira. Nós propomos isso para as escolas de Vitória e virou lei, diz ele, referindo-se à sua antiga atuação como vereador na Capital.
A matéria, muitas vezes, depende de anuência do Poder Executivo e nós podemos fomentar essa discussão. Essa proposta parte das dificuldades que as pessoas enfrentam, justifica.
Já o delegado Pazolini tem como foco proposições na área de segurança, mas também explora outros setores, como de transparência e direitos do consumidor. Ele próprio chama atenção para um de seus projetos, o PL 58/2019, que pretende obrigar empresas prestadoras de serviços, quando solicitadas a comparecer nos endereços residenciais ou comerciais de seus consumidores, informarem previamente sobre os dados do funcionário habilitado a realizar o serviço no local.
Isso vai evitar que as pessoas se identifiquem falsamente e pratiquem crimes nas residências, explica ele, que, assim como Gandini, reforça não estar preocupado com quantidades. Queremos eficácia social, por isso, os projetos são baseados em decisões de tribunais superiores, projetos de leis que foram aprovados em outros estados.
MENOS PRODUÇÃO
Por outro lado, Theodorico Ferraço (DEM), é o parlamentar que menos apresentou projetos de lei este ano. Foram somente dois. Bem perto dele está José Esmeraldo (MDB), com três propostas. Se produzir muito não é garantia de eficácia, produzir pouco pode também não ser um bom sinal. Mas não é o que defende Theodorico.
Eu só apresento projeto de ser viabilidade de ser aprovado, não apresento se não tem viabilidade. Meus projetos são muito voltados para obras. Mas, como o Legislativo não podem criar projetos que gerem despesas, eu prefiro fazer muitas indicações ao Poder Executivo, afirma. Ele cita exemplos.
Fiz indicação para construção de uma estrada de São Vicente à Independência, que são distritos de Cachoeiro de Itapemirim, diz ele, referindo-se ao município onde mantém sua base eleitoral.
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