A "trégua" dada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, durante as últimas semanas, evitou comentários mais duros e reduziu o número de declarações no "cercadinho" do Palácio do Planalto como o aconselhou o ex-presidente Michel Temer (MDB) chegou ao fim. No último domingo (23), em uma visita à Catedral de Brasília, Bolsonaro se irritou com a pergunta de um jornalista sobre o repasse de R$ 89 mil de Fabrício Queiroz para a primeira-dama Michele Bolsonaro e disse que sua vontade era "encher a boca" do repórter "com uma porrada".
O evento agitou as redes. Apoiadores bolsonaristas, como o blogueiro Allan dos Santos, um dos investigados no inquérito das fake news, chegaram a divulgar uma versão falsa da frase de um ambulante que estava no local em que Bolsonaro fez ameaças ao jornalista, tentando atribuir uma falsa provocação ao repórter.
A rede apoiadora do presidente, aliás, não diminuiu o ritmo durante a hibernação de Bolsonaro. Enquanto o presidente evitava temas controversos, lideranças de seu grupo político mantiveram o fluxo de postagens, com ameaças aos Poderes e desinformação.
A ameaça ao jornalista gerou um aumento nas menções negativas a Bolsonaro no Twitter. A pergunta não respondida pelo presidente foi republicada por diversos usuários: "Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa, Michelle Bolsonaro, recebeu R$ 89.000,00 em depósitos de Fabrício Queiroz?".
Nesta segunda-feira (24), em discurso no evento "Brasil vencendo a Covid-19", realizado na sede do governo federal, ele voltou a criticar a imprensa ao dizer que um jornalista "bundão" tem menor chance de sobreviver à doença, caso contraísse o novo coronavírus.
Após uma semana em que Bolsonaro comemorava o crescimento de sua popularidade, como apontou o Datafolha, alavancada pela boa aceitação do auxílio emergencial pelas pessoas de menor renda, o que teria motivado a reação do presidente?
Para o cientista político Leandro Consentino, a nova postura de Bolsonaro pode ter sido tanto um deslize, ao se descontrolar depois de uma pergunta desconfortável, mas também pode ter sido estratégica, com o presidente dando um sinal para os "bolsonaristas raiz", aqueles que são mais fiéis ao seu discurso.
"A popularidade dele aumentou com um apoio que ainda precisa ser testado, que parece ser efêmero e motivado pelo auxílio emergencial. O que ele tem consolidado é esse bolsonarista raiz, eleitores mais conservadores. Então, essa ruptura com este perfil menos avesso a polêmicas, pode, sim, ter sido uma estratégia, já que ataques à imprensa alimentam a narrativa construída nessas redes, de que ele é perseguido pela mídia. Por outro lado, é curioso que o tema Queiroz, que o fez silenciar há algum tempo e encerrar uma entrevista, agora, o faz se irritar. Ou seja, é um ponto doloroso o suficiente para tirá-lo do sério", analisa.
Um dos frutos da versão "paz e amor" de Bolsonaro foi a sua aproximação com o Congresso, reabrindo o diálogo com o Legislativo, sobretudo com o apoio do Centrão. Contudo, a retomada ao perfil mais agressivo do presidente pode causar maior desgaste em sua base, já que, por ser ano de eleição, nem todos parlamentares estariam dispostos a votar com o governo e a defendê-lo, enquanto Bolsonaro cria tensão com jornalistas.
"Há uma vaga a ser aberta em breve no Supremo Tribunal Federal (STF) e assim vai aumentando o preço deste apoio, sendo que quem acaba pagando são os brasileiros", ressalta o cientista político Humberto Dantas.
Outro impacto que o modo ofensivo de agir e falar de Bolsonaro pode causar é o de acelerar o andamento dos processos que estão relacionados a ele, como o inquérito das fake news e o próprio caso Queiroz.
"Temos percebido que há no Ministério Público e no Judiciário uma espécie de ativismo judicial, principalmente depois da onda lavajatista, cujas ações são movidas pela temperatura da opinião pública. Não é como deveria ser, mas é o que temos visto na atualidade. Por isso, ao criar mais tensão, Bolsonaro pode, sim, atiçar esses Poderes contra si", aponta Leandro Consentino.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta