Se você tem até 30 ou 40 anos de idade, imagine ter passado todo esse tempo de vida com a sua cidade sendo governada pelas mesmas pessoas. Políticas parecidas a cada mandato e as mesmas disputas eleitorais – por vezes até os mesmos jingles – a cada pleito. No Espírito Santo, a Serra é um dos casos mais conhecidos, já que desde 1997, quando Sergio Vidigal (PDT) assumiu a prefeitura, ele e Audifax Barcelos (Rede) se alternam no comando da cidade.
O "complexo de Vidigal-Audifax" não é exclusividade da cidade de Grande Vitória. Outras seis cidades capixabas vivem ou viveram até poucos anos atrás em situação parecida, com pouca alternância no Poder Executivo e até três prefeitos durante quase três décadas. Levantamento feito por A Gazeta, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra também casos em que municípios ficaram até 40 anos com apenas dois prefeitos trocando de cadeira no comando da prefeitura.
A "dinastia" municipal mais longínqua foi a de Atílio Vivácqua, no Sul do Estado. Por lá, os prefeitos Hélio Humberto Lima (MDB) e José Luiz Torres Lopes (DEM) se revezaram por 40 anos no Executivo, entre 1976 e 2016. Também há casos semelhantes em Linhares, Venda Nova do Imigrante, Afonso Cláudio, Rio Novo do Sul e Piúma.
Para o cientista político João Gualberto Vasconcellos, o fenômeno ainda remete a uma herança do coronelismo na política do século XX e do incentivo à radicalização entre dois ou mais nomes. Nessa lógica, quando dois grupos polarizam as eleições municipais, a entrada de novas lideranças no poder se torna mais difícil.
"Essa falta de alternância não é ideal na democracia. Quando dois grupos se alternam no poder, eles vão ceder espaço na estrutura municipal apenas para os seus aliados, reforçando seu apoio político. Normalmente, isso acontece em locais onde as disputas são ferrenhas e polêmicas, o que incentiva que as pessoas escolham um lado", apontou João Gualberto.
"Muda a gestão, o político que antes estava na oposição assume (a prefeitura) e nomeia seus correligionários, criando seu exército e se preparando para uma nova disputa. Cria-se um ciclo longo que torna difícil que outras lideranças consigam interromper essas sequências", complementou.
Há 45 anos, somente quatro prefeitos tiveram o "gostinho" de serem eleitos na Serra. José Maria Feu Rosa (PTB) e João Batista Mota (PMDB) tiveram dois mandatos, cada um, entre 1976 e 1996. Depois, Sergio Vidigal foi eleito em 1996, se reelegeu em 2000 e indicou seu secretário de Administração, Audifax Barcelos, para ser seu sucessor em 2004.
Audifax venceu o pleito e ficou quatro anos no cargo. Mas rompeu com Vidigal em 2008, quando o PDT, partido ao qual ambos eram filiados, não apostou no então prefeito que queria se reeleger. Vidigal ganhou a eleição na ocasião e governou até 2012. Naquele ano, Audifax, pelo PSB, venceu o antes aliado. Pela Rede, Audifax saiu vitorioso novamente no pleito de 2016 e comandou a cidade até 2020, quando Vidigal foi eleito para este que será, segundo o pedetista, seu último mandato político.
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Há quase 30 anos, Linhares só conhece três prefeitos. José Carlos Elias (PTB) foi eleito em 1992, com a influência do tio, Samuel Batista (PMDB), que já havia sido prefeito da cidade por duas vezes (1972 e 1982). Guerino Zanon (PMDB), que era secretário de Planejamento de Elias, assumiu o primeiro mandato em 1997.
Foi reeleito em 2000, deu lugar a José Carlos Elias em 2004 e retornou ao comando da prefeitura em 2008. Guerino deixou o cargo em 2012, quando foi derrotado por Nozinho Corrêa, filiado ao PDT. Campeão de mandatos, Guerino Zanon se elegeu novamente em 2016 e foi reeleito em 2020, administrando a cidade pela quinta vez.
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Durante 40 anos, Atílio Vivácqua não conheceu outros prefeitos que não fossem José Luiz Torres Lopes (DEM) e Hélio Humberto Lima (PSB). Foram seis mandatos de José Luiz e três de Hélio à frente da prefeitura. Os dois foram aliados de 1976 a 1996, sempre um cedendo lugar ao outro nas eleições municipais.
Em 2000, quando já era permitida a reeleição, José Luiz quis se eleger novamente e teve Hélio, pela primeira vez, como adversário, com vitória para o então prefeito. Em 2004, Hélio voltou ao cargo. Ele disputou novamente com José Luiz, em 2008, perdendo para o adversário. José Luiz ainda se elegeu mais uma vez, em 2012, deixando a prefeitura em 2016.
Almir Barros (PSB) foi eleito na sequência, mas morreu durante o mandato. Josemar Basto (PDT), que era o vice, assumiu até o fim da gestão e se reelegeu em 2020.
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Desde 1992 até 2019, apenas Braz Delpupo (DEM), José Onofre (PMDB) e Dalton Perim (Republicanos) comandaram a Prefeitura de Venda Nova do Imigrante.
Foram quatro mandatos de Braz (1992, 2000, 2004 e 2016), dois de Dalton (2008 e 2012) e um de José Onofre (1996). Braz morreu, em 2019, de infarto. O vice Paulinho Mineti (Cidadania) assumiu a prefeitura e foi reeleito em 2020.
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Desde 1988, Edélio Guedes (MDB), Wilson Costa (PSB) e Methodio Rocha (PFL, hoje DEM) se revezaram no poder em Afonso Cláudio. A rivalidade maior ocorreu durante a ditadura militar, quando Edélio era do MDB e Methodio era do grupo que fazia parte da Arena.
Em 2008, Edelio ajudou a eleger Wilson Gomes, mas rompeu a aliança com ele na eleição seguinte. Edélio retornou ao comando da cidade em 2016. Ele deixou a prefeitura no final de 2020, após perder a eleição para o professor do Ifes Luciano Pimenta (PSL), atual prefeito da cidade.
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Em Rio Novo do Sul, foram 28 anos com Estevam Fiório (PMDB) e Sidney Costa (PP) se alternando na prefeitura. Sidney foi quem indicou Estevam em sua primeira eleição, em 1988. O vaivém dos dois à frente do município ocorreu de forma amigável até 2000. Naquele ano, Estevam disputou a reeleição enfrentando, pela primeira vez, o padrinho político.
No total, foram três mandatos para Sidney (1982, 1992 e 2000) e quatro para Estevam (1988, 1996, 2004 e 2008). Em 2011, quando estava terminando seu quarto mandato, Estevam foi afastado do cargo pela Justiça.
Em 2016, ele apoiou o próprio advogado, Thiago Fiorio (PROS), que se elegeu para comandar a cidade. Em 2020, Thiago não disputou a reeleição e o PROS lançou Enildo Bananeiro para governar a cidade. Mas ele perdeu a eleição para Nei Castelari (PP).
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Entre 1988 e 2008, a política de Piúma girou em torno dos prefeitos Samuel Zuqui (PSDB) e Valter Potratz (PSB). Os dois ganharam notoriedade política como secretários do ex-prefeito José Izaías Scherrer (1983-1988), que era patriarca de uma família tradicional da cidade. Até 1996, eles se mantinham como aliados, alternando-se no poder.
Em 2000, Zuqui, que era o então prefeito, disputou a reeleição contra Potratz, que saiu derrotado. O adversário retornou ao cargo em 2005, mas foi afastado antes de completar um ano como prefeito, acusado de fraudar licitações no carnaval daquele ano. No lugar de Potratz, assumiu o vice Ricardo Costa (PTB), que se reelegeu em 2006.
Samuel Zuqui voltou ao comando da prefeitura em 2012, ao se eleger para o quarto mandato. Em 2016, ele e Ricardo se enfrentaram, com vitória do petebista. Em 2019, Ricardo foi afastado do cargo após a Operação Rubi. Em 2020, o policial militar Paulo Cola (Cidadania) venceu a eleição, derrotando Samuel Zuqui.
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