Em ano pré-eleitoral, o Congresso Nacional tenta ressuscitar, novamente, a discussão sobre a adoção do sistema majoritário para eleger deputados e vereadores, o chamado distritão. Nesse modelo, os mais votados são eleitos, independentemente dos votos do partido. A articulação é para que o tema seja incluído no debate de uma comissão especial para tratar da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Reforma Eleitoral. O grupo foi instalado na Câmara dos Deputados na terça-feira (4).
Hoje, vereadores, deputados estaduais e deputados federais são eleitos pelo sistema proporcional, em que se leva em consideração não apenas a votação obtida por um candidato, mas o conjunto dos votos de seu partido. No sistema conhecido como distritão, a eleição ocorre da mesma forma que é hoje para prefeitos, senadores, governadores e presidentes. Cada Estado ou município vira um distrito eleitoral.
No caso do Espírito Santo, por exemplo, que é representado na Câmara por dez deputados, os dez candidatos que recebessem mais votos na eleição ficariam com as cadeiras. O mesmo ocorreria para os 30 representantes na Assembleia Legislativa. A regra se estenderia ainda para Câmaras dos 78 munícipios capixabas.
O sistema proposto, porém, é alvo de críticas de especialistas. A leitura feita por advogados eleitorais e cientistas políticos é que a adoção do distritão pode criar distorções na votação e diminuir a representatividade de diversos setores sociais no Poder Legislativo. Além disso, eles ponderam que pode haver um enfraquecimento dos partidos políticos, importantes peças da democracia.
Rejeitado na Câmara em 2015 e 2017, o distritão é visto com bons olhos por parlamentares do Centrão. O deputado Giovani Cherini (PL-RS) tem coletado assinaturas para uma PEC que estabelece o sistema majoritário para eleger vereadores e deputados. Para que qualquer mudança eleitoral passe a valer já em 2022, tanto a Câmara quanto o Senado devem aprová-la até o início de outubro de 2021, um ano antes do pleito.
Sistema proporcional | em vigor: É calculado o quociente eleitoral, que leva em conta os votos no candidato e os votos no partido. Pelo cálculo, é definido o número de vagas de cada partido. São eleitos os mais votados dos partidos.
Distritão | em discussão: Cada Estado ou município vira um distrito eleitoral. São eleitos os candidatos mais votados. Não são levados em conta os votos para o partido.
Apesar de ponderar que não existe em lugar nenhum sistema eleitoral perfeito, o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando avalia que a adoção do distritão pode apresentar distorções na escolha dos candidatos.
"Avalio que é um sistema que acaba sendo pior que o atual. Penso que um grande perigo é a menor renovação que ele pode trazer para as Casas Legislativas. Os políticos que já ocupam cargos vão ter uma vantagem bem importante em relação aos concorrentes que são novatos", disse.
Prando ainda considera que esse fenômeno pode ser ampliado para aqueles políticos que são celebridades ou possuem muitos recursos para investir nas campanhas, criando, assim, uma concorrência injusta, em função da maior exposição dessas figuras.
A opinião é compartilhada pelo advogado Ludgero Liberato, especialista em Direito Eleitoral. Para ele, com essa vantagem das celebridades e dos políticos tradicionais, o distritão vai ser prejudicial à representatividade das minorias e de alguns setores da sociedade, que hoje conseguem alguma representação nas Casas Legislativas.
O advogado ressalta ainda que, apesar de não anular a importância dos partidos políticos, o modelo do distritão pode diminuir muito a relevância das siglas. "A importância do partido não vai ser zerada, mas acredito que, em diversos casos, os partidos políticos vão perder protagonismo. Se o candidato possuir recursos e exposição prévia, pouco importa onde ele vai se candidatar. E o fortalecimento dos partidos é fundamental para a democracia", afirmou.
O advogado eleitoral Danilo de Araújo Carneiro, professor universitário e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES), aponta outra possível distorção causada pelo distritão. Segundo ele, o sistema não atende aos interesses dos eleitores e acabaria por "descartar" os votos de uma grande parcela da população, já que no sistema proporcional todos os votos são calculados para determinar os políticos eleitos.
"O desafio de qualquer sistema eleitoral é tentar manter a igualdade entre os candidatos em qualquer disputa. O distritão é o contrário dessa premissa. Ele vai deixar as disputas ainda mais pessoais e menos um debate entre projetos", afirmou.
O advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, considera que o sistema do distritão pode apresentar alguns pontos positivos, mas precisa ser discutido com mais calma pelo Congresso. Na visão dele, uma solução seria a adoção de um modelo distrital misto.
Rollo explica que o voto distrital misto é uma mistura entre a escolha majoritária e o atual sistema proporcional. Nele, os partidos políticos apresentariam um candidato por região, chamada de distrito, no qual seria eleito o mais votado. E também apresentariam candidatos no atual sistema proporcional.
"Um modelo misto significaria um consenso. Mas acho que esse tipo de mudança precisa de uma discussão muito mais ampla do que é apresentado. E, ainda assim, uma mudança gradual é perigosa. Talvez a gente pudesse começar pelas eleições municipais em algumas cidades para ver se daria certo", opinou.
Autor da proposta, o deputado Giovani Cherini defende que a mudança é necessária para que o eleitor possa compreender com mais facilidade as regras do jogo eleitoral.
"Pensamos que a adoção do sistema majoritário, de mais fácil compreensão, permitirá menor abstenção na participação política, e melhor controle do eleitor, que terá maior facilidade em se 'lembrar' em quem votou. Achamos, ainda, que tal modelo diminuirá o número de candidaturas, permitindo um maior controle de gastos e da ação partidária", diz o deputado na justificativa da PEC.
Para o portal G1, o deputado gaúcho afirma já ter conseguido o apoio de 100 deputados para a PEC – é preciso ter pelo menos 171 assinaturas para protocolar a proposta.
A PEC é relatada por Renata Abreu (Podemos-SP). Em entrevista recente ao Estadão, a parlamentar destacou que a prioridade do grupo é debater o sistema eleitoral, que pode ser ou não o distritão.
"Percebo que hoje há uma ampla maioria na Casa que não considera bom o modelo atual (proporcional), onde o candidato escolhe um partido só por conveniência eleitoral. No distritão, você escolhe um partido por afinidade, sem se preocupar com a chapa", afirmou Renata.
"O distritão está muito forte na Câmara, mas vamos debater os demais modelos. Podemos até tentar um modelo de transição. O distritão, por exemplo, poderia até fazer esse papel para o distrital misto."
Apesar da avaliação da deputada, a proposta do distritão também já foi discutida e aprovada nas comissões e rejeitada pelo plenário da Câmara duas vezes, em 2015 e 2017. Os especialistas ouvidos por A Gazeta para esta reportagem são unânimes em afirmar que é pouco provável que a medida seja aprovada para as próximas eleições. Segundo eles, o tema ainda encontra muita resistência entre vários setores do Congresso e também de dirigentes partidários.
"Assim como ocorreu das outras vezes, penso que a proposta deve ter dificuldades para passar pelo plenário, mas, hoje em dia, não existe mais certeza na política brasileira", afirmou Rodrigo Prando.
A comissão especial da PEC da Reforma Eleitoral é composta por 34 membros titulares e 34 suplentes.
Com os debates sobre a possível adoção do modelo do distritão, surge também a preocupação sobre alterações na forma como os partidos políticos vão distribuir os recursos do fundo eleitoral, dinheiro público para o financiamento das campanhas. O cientista político Rodrigo Prando acredita que essa vai ser uma das principais faces da distorção no sistema.
"Com os políticos mais votados sendo eleitos, as siglas vão concentrar a maioria dos recursos nesses nomes com mais possibilidade de sucesso eleitoral, relegando novos atores", avaliou.
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