Desde que o Ministério da Saúde oficializou, no início do mês, o envio de recursos financeiros a Estados e municípios para auxiliar no combate à pandemia do novo coronavírus, o governo federal tem negociado com parlamentares de todo o país o apadrinhamento de verbas em troca de apoio no Congresso. No Espírito Santo, o senador Marcos do Val (Podemos) se apresenta como responsável pela alocação de cerca de R$ 30 milhões do recurso enviado ao Estado. Ele nega, contudo, que seja uma moeda de troca.
O repasse de recursos ao Estado e a municípios foi aprovado por meio da Medida Provisória nº 969, de 20 de maio de 2020, aprovada no Congresso Nacional e oficializada pela Portaria n° 1.666, no dia 1 de julho. Foram liberados de R$ 13,8 bilhões. Esse dinheiro é proveniente do governo federal e distribuído pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS).
De acordo com o Ministério da Saúde, o valor liberado aos municípios de cada Estado se baseou em dados técnicos, como número de habitantes nos municípios e a curva do novo coronavírus em cada local. A pasta nega que tenha usado qualquer critério político para o repasse ou acatado pedidos de partidos.
Apesar disso, parlamentares têm assumido ser os responsáveis pela conquista de parte da verba, como é o caso de Marcos do Val. Esse apadrinhamento, entretanto, é feito informalmente. Deputados e senadores vêm a público e dizem que liberaram a verba, mas o governo não carimba a liberação, como acontece em uma emenda parlamentar.
Conforme divulgado pela reportagem do jornal "O Globo", para permitir que os parlamentares assumam a indicação desse recurso, o governo tem usado o apoio do Congresso como moeda de troca. As negociações estavam sendo feitas com deputados e senadores mais alinhados à política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a qual Marcos do Val tem se mostrado cada vez mais próximo durante o mandato do Senado.
Eleito senador na coligação do governador Renato Casagrande (PSB), Marcos do Val fazia parte do Cidadania, antigo PPS, partido que nunca foi base do governo federal no Congresso. No ano passado, o parlamentar se desfiliou da legenda e se integrou ao Podemos. A atual legenda tinha a simpatia do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, a quem Do Val admira, e melhor relação com o governo Bolsonaro.
Além disso, as convicções pessoais de Do Val também são mais alinhadas a bandeiras defendidas por Bolsonaro do que por Casagrande. Ex-militar do Exército, o senador é a favor do armamento da população e do uso da hidroxicloroquina no tratamento precoce da Covid-19. O medicamento virou propaganda do governo Bolsonaro, mas o uso no combate à doença não tem eficácia comprovada.
Mesmo com posicionamento cada vez mais próximo do presidente, o senador nega ter negociado apoio ao governo federal. De acordo com a assessoria de Do Val, durante a aprovação da Medida Provisória no Congresso, ele soube que havia recurso extra e entrou em contato com o governo pedindo R$ 30 milhões para o Espírito Santo. Assim que o recurso foi liberado, ele foi comunicado que o pedido tinha sido atendido. A assessoria justifica que o senador conseguiu a verba pela influência política que tem.
Marcos do Val foi procurado pela reportagem, mais de uma vez, mas não se manifestou até a publicação da reportagem. Na noite desta terça-feira (14), após a divulgação do texto, a assessoria de imprensa do senador encaminhou uma nota em que o parlamentar afirma ser independente e que não faz toma lá dá cá. (Veja a nota na íntegra no fim da reportagem).
Em suas redes sociais, ele postou a foto de uma publicação do site "O Antagonista", ao qual falou sobre o assunto.
"Jamais entraria no jogo do toma lá dá cá. Soube que tinha um recurso extra para saúde e, pensando nos capixabas contaminados e que estão morrendo, corri atrás para ajudá-los. O governo federal não impôs nenhuma condição, simplesmente liberou esse recurso para socorrer meu Estado", publicou o senador em seu perfil do Instagram.
Apesar das declarações de Marcos do Val, o Ministério da Saúde nega que o envio de recursos tenha vínculo com qualquer político. "Os R$ 13,8 bilhões destinados aos Estados, Distrito Federal e Municípios são recursos extras aprovados pelo Congresso Nacional para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do novo coronavírus. Não se trata de emenda parlamentar e foi distribuído de acordo com critérios técnicos e não políticos. A pasta considerou o tamanho da população, priorizando os municípios com menos habitantes em virtude da análise da curva epidemiológica da Covid-19, visualizou-se as tendências de interiorização dos casos. Também foi utilizado como critério a média de recursos transferidos para atenção hospitalar e atenção básica no ano passado, disse o ministério, em nota.
No caso do senador capixaba, além de usar suas redes sociais para se dizer responsável pela liberação da verba "extra" no valor de R$ 30 milhões, Marcos do Val encaminhou um ofício para a Secretaria de Saúde do Espírito Santo (Sesa) indicando a forma como R$ 24 milhões desse recurso devem ser usados. Na descrição, ele pede a destinação de cerca de R$ 9 milhões para compra de 200 mil kits de azitromicina e 200 mil kits de ivermectina, medicamentos que não têm eficácia comprovada no combate à Covid-19 e não são recomendados pela própria secretaria.
A reportagem conversou com especialistas no assunto, que informaram que por se tratar de uma indicação de recursos, a Sesa não tem obrigação de usar a verba da forma como é sugerida pelo senador, até porque o recurso é proveniente do Ministério da Saúde. Assim, Marcos do Val não pode carimbá-lo e nem mesmo direcionar o uso do dinheiro. O próprio gabinete do senador disse que a Sesa tem liberdade para usar o dinheiro, desde que em ações de combate à pandemia. Apesar disso, o parlamentar publicou em suas redes sociais que vai pedir que o Ministério Público acompanhe a utilização do recurso.
Ainda no ofício encaminhado à Sesa, o senador dispõe sobre o envio de cerca R$ 1,6 milhão para compra de 200 mil kits de hidroxicloroquina, outro medicamento que o governo estadual, apesar de não proibir, não inclui no protocolo de tratamento da doença. O Espírito Santo tem mais de 65 mil casos de Covid-19.
No caso dessa droga, há estudos que mostram que ela causa efeitos colaterais graves. O uso não é recomendado pela Sociedade Brasileira de Infectologia.
Esse recurso faz parte de uma emenda da bancada capixaba, em que cada parlamentar teve direito a uma cota para encaminhar da forma como achasse mais adequada no combate à Covid-19 no Estado. Do Val fez o encaminhamento para compra do medicamento, que ele diz ter usado para se curar da doença. Em maio, o senador afirmou ter contraído o vírus. Os dois exames apresentados por ele tiveram resultados inconclusivos.
Procurada pela reportagem, a Sesa informou que pode usar os recursos da emenda destinados à compra da hidroxicloroquina para atender aos municípios que possuem protocolo para utilização do medicamento. Porém, por uma questão de gestão, a droga deve ser comprada de forma progressiva. O governo ainda avalia a situação.
O senador Marcos do Val vem por meio desta nota repudiar esta matéria tendenciosa, parcial e claramente ideológica. O senador reitera ser o responsável pela liberação dos R$30 milhões extras destinados ao Fundo Estadual de Saúde para o combate à Covid-19 e reafirma não haver qualquer tipo de acordo envolvido nesta liberação, seja ele lícito mas imoral ou ilícito. Ao tomar ciência de que havia um recurso extra para a saúde e pensando unicamente nos capixabas contaminados pelo novo coronavírus, e que estão morrendo, lutou para que esse recurso viesse para o Espírito Santo - ao contrário do que diz a reportagem, que tenta induzir o leitor a acreditar que houve toma-lá-dá-cá. O senador esclarece que é um parlamentar independente, e que a liberação desses recursos não irá mudar os seus posicionamentos. Marcos do Val repudia qualquer atitude ilícita e luta diariamente por um Brasil livre da corrupção. Por fim, a respeito das afirmações irresponsáveis desta reportagem, Marcos do Val frisa a importância de um jornalismo sério, imparcial e livre de ideologias políticas.
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