O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu abrir para investigar o juiz Ivan Costa Freitas, da 5ª Vara Criminal de Vitória, é mais um capítulo de uma história que começou ainda em dezembro de 2014.
Os sócios de um supermercado procuraram o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para relatar a oferta de uma "composição", que transpareceu que seria financeira, para "tirar" a empresa e um funcionário da mira da Operação Sanguinello.
Além do PAD, os fatos narrados motivaram uma denúncia do Ministério Público Estadual (MPES) contra o magistrado, cujo conteúdo foi compartilhado com a Corregedoria Geral da Justiça. Os procedimentos tramitam sob sigilo, mas o Gazeta Online teve acesso aos autos.
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A operação descortinou, de acordo com o MPES, um esquema de crimes contra a ordem tributária, associação criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros, envolvendo o setor bebidas, como o vinho.
Os donos do supermercado contaram ao Gaeco que um deles foi procurado por um outro empresário com a tal oferta de vantagem indevida. Ele disse ser amigo de um juiz que estava "à frente de um caso de um processo envolvendo vinhos".
Tal ação poderia atingir o supermercado e que "pela amizade que tinha com o juiz, aquela era a oportunidade e o momento para resolver o problema", "mediante uma composição". Valores não foram mencionados.
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A quebra do sigilo telefônico dos envolvidos no âmbito da apuração do MP sobre o caso, comprovou, ainda segundo o órgão, contatos entre eles nos horários informados pelos sócios.
Os empresários disseram terem recusado a oferta, mesmo após o suposto intermediário ter listado possíveis consequências, como decretação da prisão de um funcionário do supermercado e expedição de mandados de busca e apreensão.
Vinte dias depois foi isso mesmo que aconteceu, por determinação do juiz Ivan Costa Freitas. O alvo do mandado de prisão temporária, no entanto, não foi localizado. Os próprios denunciantes contaram que souberam um dia antes, por meio de outra pessoa, de nome não revelado, que a ação ocorreria e avisaram o funcionário. Dias depois a prisão foi revogada. O funcionário não chegou a ser detido.
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A Corregedoria Geral da Justiça, que recebeu informações do MP, considera que há indícios de quebra de sigilo funcional por parte do magistrado, uma vez que o suposto intermediário do pedido de vantagem indevida tinha conhecimento prévio sobre medidas a serem determinadas na Operação Sanguinello.
E ainda indícios do próprio pedido de vantagem indevida, além de decretação de prisão temporária "de ofício", ou seja, sem que o Ministério Público tivesse solicitado.
Para o corregedor-geral, desembargador Samuel Meira Brasil Jr, os fatos narrados são "extremamente graves", como registrou nos autos.
O MPES sustenta que o funcionário e o supermercado nem eram alvos da Sanguinello quando o intermediário procurou o empresário com a oferta de "composição".
Os advogados do magistrado, em defesa prévia à Corregedoria, rebatem a tese, dizem que, até aquele momento, um funcionário já estava na mira havia sete meses e que ele é que poderia ser a fonte de vazamentos sobre a investigação, além do amigo oculto que avisou sobre a prisão um dia antes. "Por isso que não é crível imaginar que alguém precisasse noticiar (os donos do supermercado) da investigação", anotou a defesa.
Os advogados também alegam não haver prova de que o juiz pediu alguma vantagem indevida. O intermediário "teria sugerido uma composição com o declarante, ou seja, uma composição sem sequer citar o nome do magistrado", ressalta o texto.
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E também suscitam a ilegalidade da prova, dizem que o TJES não foi avisado, de pronto, sobre a investigação contra magistrado empreendida pelo Ministério Público, cujas informações também basearam o procedimento administrativo.
A notícia sobre o depoimento foi feita no mesmo dia à Procuradoria-Geral de Justiça. A representação feita pelo procurador-geral, Eder Pontes, foi registrada quatro dias depois e informada ao Tribunal.
"PAU QUE DÁ EM CHICO"
Tudo isso aconteceu no final de 2014. A defesa destaca, também que, "no primeiro dia útil após o recesso", o próprio juiz se afastou da Operação Sanguinello. Na decisão, ele criticou a condução da investigação, sugeriu querer ir atrás de "tubarões" e citou vários ditados populares:
"Constatei ainda, que mesmo com a fuga de um dos alvos, o próprio Ministério Público requereu a revogação da prisão temporária, mesmo com o relato do Delegado de Polícia, de que o mesmo obteve informação privilegiada. As minhas conclusões, o meu intelecto, a minha discricionariedade não podem e não serão aviltadas", escreveu Ivan Freitas, na ocasião.
"Não sofrerei um estupro ideológico. Como diz o provérbio popular: 'O pau que dá em Chico tem que dar em Francisco'. E outro: 'chutar cachorro morto é fácil'. E mais: 'Pegar peixinho... e os tubarões?' Por estes, e por motivo de foro íntimo dou-me por impedido para funcionar no presente feito, devendo ser concluído ao meu substituto legal", complementou.
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PAD
O PAD tem duração de 140 dias, prorrogáveis. Após a conclusão, a pena máxima possível, na esfera administrativa, é a aposentadoria compulsória.
Mas ainda há a ação na esfera judicial. A denúncia sobre o caso ainda não foi analisada pelo TJES. Um dos advogados de Ivan Freitas, Raphael Câmara informou que não poderia conceder entrevista, dado o sigilo do caso, mas disse que vai recorrer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a abertura do PAD.
O advogado dos donos do supermercado também foi procurado pela reportagem. E preferiu não se manifestar.
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