As discordâncias e alfinetadas entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e os outros Poderes Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) não são mais novidades. Contudo, o duelo do chefe do Executivo com o seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobretudo no meio da crise econômica e sanitária provocada pelo novo coronavírus, tem aumentado a coalizão de instituições que discordam das posturas do presidente. Cientistas políticos já avaliam que a manutenção de Mandetta no cargo, feita a partir de uma união de agentes internos e externos do governo, pode significar uma nova fase na gestão de Bolsonaro.
Nesta segunda-feira (6), durante todo o dia, o presidente foi desmotivado a demitir o ministro, que chegou a ter suas gavetas esvaziadas. Entre os coordenadores da operação "Fica, Mandetta" estão, principalmente, a ala dos militares no governo, composta pelo ministro da Casa Civil, Walter Braga Neto; o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva; e o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão. Especialistas já apontam os integrantes do grupo como os verdadeiros comandantes do governo durante a crise.
"Bolsonaro, neste momento, não manda no Brasil. Ele derreteu absurdamente. No combate ao coronavírus, é o ministro Mandetta que vem tocando o que precisa ser feito, com o apoio de outros integrantes do governo", analisa o cientista político João Gualberto Vasconcellos.
Bolsonaro tem defendido o isolamento vertical (em que apenas as pessoas em grupo de risco fiquem em casa) e o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina (medicamentos para o combate da malária) para tratar pacientes com coronavírus. As duas medidas, contudo, não têm pesquisas que comprovem suficientemente seus efeitos positivos e não estão entre as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que Mandetta tem seguido.
Pesquisas de opinião feitas em todo o país têm mostrado que a maioria da população é a favor do isolamento social total. Entre os entrevistados pelo Datafolha, 76% é a favor de manter o isolamento social e 82% acha que o Ministério da Saúde faz um bom trabalho. A posição do presidente, indo de encontro ao que diz a comunidade científica, tem desgastado seu capital político.
Na opinião do cientista político e médico sanitarista Fernando Pignaton, Bolsonaro fez um cálculo errado ao ficar ao lado da ala olavista do governo e deixado um de seus filhos, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), liderar a crise pandêmica.
"Ele está sendo mal aconselhado politicamente. Posição semelhante a que ele vem tomando só o México, com a esquerda populista de Lopez Obrador, vinha tomando e lá ele já mudou de direção. A única ala que o presidente está escutando é a da oligarquia familiar que Bolsonaro instituiu em torno de si, que me parece agir vendo inimigos em todo o lugar", avalia.
A onda de apoio a Mandetta, interna e externa, já fez até ter início a discussão sobre a possibilidade de o STF impedir a saída de um ministro. Pignaton explica que, apesar de estar subordinado ao presidente, um ministro da Saúde, constitucionalmente, precisa seguir uma série de regramentos e convenções internacionais para basear suas medidas.
"O papel do ministro, como médico e gestor da Saúde, é aconselhar cientificamente o presidente. E é o que ele tem feito. Ir de encontro a essa orientação é atrasar a emergência de medidas que o país precisa neste momento e gastar energia desnecessária para conter esse desentendimento", complementa.
João Gualberto Vasconcellos aponta que a massa que ainda sustenta o presidente são os "bolsonaristas de raiz", cerca de 17% do eleitorado que o apoiavam desde o início da campanha de 2018. O apoio dos liberais e moderados anti-petistas, para o cientista político, se foi. Ele diz que, ainda que o presidente queira manter seu eleitorado fiel, é preciso se cercar, principalmente em período de crises, dos mais moderados.
"É como se costuma dizer na política, precisa-se dos revoltosos para se chegar ao poder, mas não se governa junto com eles", pontua.
As discordâncias entre o ministro da Saúde e o presidente Jair Bolsonaro começaram desde o início da crise do coronavírus. Bolsonaro deu sinais de que apoiava manifestações de rua a seu favor, quando as orientações já eram de isolamento social. Nos últimos dias, com o aumento do número de mortes no país, o presidente ainda permanece defendendo o isolamento vertical. Outro ponto de embate entre os dois é o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, defendido por Bolsonaro. Mandetta diz não ter comprovação científica suficiente para permitir o uso em casos de Covid-19.
Durante a manhã da última segunda-feira (6), quando começou a circular a informação de que Mandetta seria demitido, o Congresso, ministros do STF, governadores e instituições como a OAB pediram a permanência do ministro da Saúde. Internacionalmente, Bolsonaro já vinha sendo criticado pela postura na condução da crise e o ministro sendo elogiado. Internamente, ministros do governo também têm concordado com Mandetta, que recebe o aval da ala militar crucial para sustentá-lo no cargo.
O sucesso das negociações com Bolsonaro para que mantenha Mandetta no cargo é creditado a ala militar do governo, composta pelos generais Braga Neto, Augusto Heleno, Azevedo e Silva e Mourão. Mais moderados, eles têm recebido apoio externo e conseguido demover o presidente de ideias mais radicais.
Desgastado na crise, com ameaças de impeachment e com perda de capital político, Bolsonaro decidiu manter o ministro, mas exigiu acompanhar mais de perto o trabalho das pastas. Na avaliação de cientistas políticos, o presidente perdeu força e é a ala mais moderada do governo que vem, de fato, administrando o país.
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