A derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas levou alguns de seus apoiadores às ruas para protestar pelo resultado da eleição, reconhecido ainda no domingo (30) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a bloquear estradas e também a atuar nas redes sociais e em aplicativos de mensagem com conteúdos de desinformação (fake news). Grupos bolsonaristas espalham que as manifestações devem durar 72 horas para que possam recorrer ao artigo 142 da Constituição Federal e pedir a intervenção militar, mas não existe essa previsão na legislação.
A falsa teoria viralizou com vários argumentos, entre os quais que Bolsonaro ainda não havia se manifestado sobre o resultado da votação — o que acabou fazendo apenas na tarde desta terça-feira (1), 45 horas após o fim da apuração — justamente porque ele não poderia aparecer estimulando os movimentos para garantir o pedido de intervenção, mas é tudo mentira.
Coordenadora do mestrado e do doutorado em Direito Constitucional da FDV, a professora Elda Bussinguer explica que o artigo 142 trata do papel das Forças Armadas, apontando que as instituições que a compõem — Exército, Marinha e Aeronáutica — são responsáveis pela garantia dos Poderes constitucionais e, com base nisso, devem manter a ordem no país. Essa previsão constitucional, entretanto, não significa intervenção.
A professora diz, ainda, que as Forças Armadas não têm poder moderador, como sugerido em algumas postagens e, segundo Elda, estimulado também por manifestações do próprio presidente Bolsonaro. Essa atribuição conferida aos militares funcionaria como uma espécie de quarto poder do Estado, além do Executivo, Legislativo e Judiciário, e seria responsável por garantir a paz no caso de atritos graves. No Brasil, o poder moderador só existiu durante o período imperial, isto é, desde o início da República, em 1889, não é aplicado no país.
O professor Raoni Bielschowsky, do Núcleo de Fundamentos do Direito e Direito Constitucional da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), observa que não é a primeira vez que movimentos fazem interpretações equivocados do artigo 142. Ele lembrar que, em 2020, a secretaria-geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados precisou emitir um parecer esclarecendo que o dispositivo da constituição não autoriza a intervenção militar.
O posicionamento do Legislativo foi feito depois que Bolsonaro, durante reunião ministerial em abril daquele ano, disse que, com base no artigo 142, as Forças Armadas poderiam intervir para restabelecer a ordem. Com a declaração do presidente, frequentemente as manifestações pró-intervenção se apoiam nesse dispositivo para tentar conferir legalidade ao movimento.
A Gazeta mesmo já havia entrado nesse debate, ainda em 2018, para explicar que a tese de intervenção com base no artigo 142 não procede, o que demonstra que a teoria se arrasta a despeito dos vários esclarecimentos já apresentados sobre o assunto.
Há ainda outro componente nessa discussão: o princípio de separação entres os poderes. Raoni reforça que o poder civil, como o que cabe ao TSE para, por exemplo, reconhecer o resultado das eleições no país, tem preponderância ao militar. Isso significa dizer que as Forças Armadas estão subordinadas às autoridades civis.
Assim, acrescenta a professora Elda, caberia ao presidente da República solicitar uma eventual intervenção, mas a sustentação de um pedido dessa natureza precisa ter como foco a defesa da Pátria, o que não é caracterizado pelo resultado eleitoral que desagradou à parcela da população que votou em Bolsonaro.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta