Amigo do ex-governador Gerson Camata e arrolado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) como testemunha de acusação no julgamento sobre a morte do ex-chefe do Executivo, que ocorreu em dezembro de 2018 na Praia do Canto, o chef de cozinha Carlos Mariano Miranda Ayres, o Cassinho, contou, nesta terça-feira (3), como foram os últimos minutos antes do crime e o que aconteceu logo depois.
Em frente ao juiz Marcos Pereira Sanches, que conduziu o julgamento, Cassinho disse que também conhece o réu, o economista Marcos Venicio Moreira Andrade, que confessou ter matado o ex-governador. Segundo ele, Camata o cumprimentou ao sair de uma padaria, conversou amenidades e seguia para casa, com uma sacola de pães em uma mão e um jornal em outra. Marquinhos, como é conhecido, apareceu logo em seguida, cumprimentou Cassinho e chamou Gerson Camata, por duas vezes.
"'Gerson, Gerson', o Marquinhos gritou, depois de me cumprimentar. O ex-governador parou, mas em nenhum momento ficou de frente para o Marquinhos, que estava com uma mão no bolso. Ele ficou de lado o tempo todo. Eu fiquei mexendo no celular, mas observando ao mesmo tempo. A leitura que eu faço era que o Gerson estava querendo fugir da conversa, querendo ir embora. Eu não consegui ouvir o diálogo, mas ouvi a última frase. Marquinhos disse a ele 'mas eu me sinto roubado', deu um passo atrás, tirou a arma do bolso e, com as duas mãos na arma, atirou no Camata", relatou.
O tiro disparado por Marquinhos atingiu Camata na altura do mamilo, em uma perfuração pela parte lateral do tórax.
Segundo Cassinho, a imagem da qual se recorda deste momento é a do ex-governador correndo em sua direção. Um vídeo extraído de câmeras de segurança registrara Camata sangrando, aproximando-se dele, já sem as sacolas nas mãos.
Para o MPES, o fato de a vítima estar com as mãos ocupadas na hora do crime caracteriza que o autor dos disparos não deu chances para Camata se defender. Na denúncia, o Ministério Público considera que o homicídio foi cometido por motivo torpe e de forma premeditada. Durante o julgamento, os promotores afirmaram que iriam mostrar o vídeo das câmeras para Cassinho, mas que declinaram após a testemunha dizer que não havia visto e nem queria ver as imagens.
"Nessa segunda vez que ele disse 'ele me matou', já saiu muito sangue da boca do Camata. Eu fiquei desesperado e falei 'calma senador, senta aqui, tenta respirar'. Ele fez que ia se abaixar, mas antes de sentar ele desfaleceu e apagou. Foram os últimos suspiros", revelou.
Outra testemunha ouvida no julgamento do caso, nesta terça-feira (3), foi o comerciante Benedito Voss Neto, que era dono de uma loja na Praia do Canto para onde Marquinhos correu, logo após o crime. Ele contou que conhecia, de vista, tanto o acusado como Gerson Camata. Segundo ele, Marquinhos entrou na loja esbaforido e dirigiu-se a uma escada, onde deixou a arma do crime.
"Na hora, quem estava lá na frente eram as funcionárias que trabalhavam comigo. Elas ficaram nervosas com a arma. Eu cheguei, olhei para o Marcos e ele me disse 'matei uma pessoa'. Eu não sabia o que fazer. Em uma questão de segundos, ele sumiu e saiu da loja. Foi quando liguei para o (então delegado e hoje deputado estadual) Danilo Bahiense para saber o que fazer", descreveu.
Segundo a testemunha, o delegado estava em Vila Velha e o orientou a colocar a arma em uma sacola e escondê-la, fora do alcance do acusado, até que Danilo chegasse na loja. Até então, o comerciante tinha visto a movimentação de policiais na região, mas não sabia que Camata tinha sido morto. Foi Danilo Bahiense quem o informou sobre a morte do ex-governador. Cerca de 30 minutos depois, Marquinhos retornou ao local, perguntando pela arma.
"Ele estava branco, muito pálido, e desorientado. Quis levar a arma com ele. Falei para ele se sentar e beber uma água. Ele obedeceu. Foi quando despistei, liguei novamente para o Danilo, que estava chegando. De lá, ele levou o Marcos e a arma para a DHPP (delegacia de homicídios) e disse que me chamaria depois para depor", afirmou.
Durante as oito primeiras horas do julgamento, foram raras as vezes que o réu, Marcos Venicio, não esteve imóvel. Ao serem reproduzidas as imagens das câmeras de segurança que filmaram o crime, ele se manteve calado, acompanhando o vídeo durante boa parte do tempo, mas, por duas vezes, abaixou a cabeça e desviou o olhar no momento em que as imagens mostraram Camata, ensanguentado, caindo na calçada.
Além de alguns cochichos com a advogada Junia Karla Passos Rutowistsch Rodrigues, outra das poucas reações de Marcos Venicio durante a sessão ocorreu quando as testemunhas de defesa foram ouvidas. Clóvis Menescau e Antonio Carlos Cruz Franca, que disseram ser amigos tanto do réu quanto de Camata, contavam sobre a rotina de encontros que tinham com Marquinhos.
Descrito como alguém introspectivo, mas de bom coração, sempre disposto a ajudar. Marquinhos era, segundo as testemunhas, alguém que sempre era visto tomando café, na praça de alimentação do shopping Centro da Praia, próximo de onde morava. "A turma do Marquinhos ficava sempre por ali", relataram. Lá, segundo seus amigos, eles conversavam amenidades e, embora soubessem da sua relação com Camata, ele pouco contava sobre o ex-governador. Ao ouvir esses relatos, Marcos Venicio chorou e recebeu um lenço de papel da advogada.
Clóvis Menescau revelou que agiu, em um episódio, para evitar o encontro entre Camata e Marquinhos. Segundo ele, já era sabido que os dois haviam rompido, após denúncias feitas pelo réu, apontando que Camata, quando senador, teria cometido caixa dois e ficado com parte dos salários dos funcionários. O conteúdo foi publicado por jornais de circulação nacional. Como não foram apresentadas provas, o processo foi arquivado e o ex-governador moveu uma ação por danos morais contra o ex-assessor, que o levou a ter os bens bloqueados no banco.
"Eu encontrei com o Camata lá no café e liguei para o Marcos. Falei para ele para que não viesse naquele dia porque o Camata estava ali. Fiz isso porque sabia que, se eles se encontrassem, poderiam discutir. Pelo o que o Marcos me contava, Camata ficava o desmerecendo na frente de outras pessoas, o achincalhando, embora eu nunca tenha visto isso acontecer diretamente", contou.
Processado por homicídio com motivação torpe, Marcos Venicio matou Camata, segundo o Ministério Público, por ganância, tendo como principal motivo para cometer o crime, a indisponibilidade de seus bens, provocada pela ação por danos morais movida por Camata.
No entanto, a tese que a defesa tem levantado é que o homicídio foi por movido por "relevante valor moral" e que o réu teria matou Camata devido a uma relação conflituosa entre os dois, em um histórico em que muitas vezes Marcos Venicio se sentia ridicularizado pelo ex-governador.
O crime ocorreu no dia seguinte ao Natal, em 26 de dezembro de 2018. Gerson Camata havia acabado de comprar um livro e cumprimentava conhecidos em uma calçada na Praia do Canto, em Vitória, quando foi abordado por Marcos Venicio, ex-assessor dele. Aos 77 anos, o ex-governador foi morto com um tiro, um crime que chocou o Espírito Santo.
Marcos Venicio foi detido em flagrante horas depois do assassinato e, no dia seguinte, a prisão foi convertida em preventiva. Ele é mantido no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Viana II.
Em 2019, o ex-assessor confessou o crime em interrogatório prestado ao juiz Felipe Bertrand Sardenberg Moulin, da 1ª Vara Criminal de Vitória. Na ocasião, afirmou que não premeditou o crime e que saber que tirou a vida do ex-chefe é uma “tortura diária”. "O presídio é muito duro, mas mais duro ainda é saber que tirei a vida dele", disse Marcos Venicio, de acordo com a transcrição das declarações prestadas por ele em juízo.
Assessor de Camata por 20 anos, Marquinhos, como é conhecido, foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPES) pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. Marcos Venicio relatou ao juiz que abordou a vítima para questionar sobre um processo judicial por danos morais movido por Camata, em que o ex-assessor teve cerca de R$ 60 mil na conta bancária bloqueados pela Justiça.
Ainda em 2019, o ex-assessor foi pronunciado – decisão para conduzi-lo a júri popular – pelo juiz Moulin. A decisão sobre a condenação ou não de Marcos Venicio vai ser tomada pelos jurados e a sentença será proferida pelo juiz de Direito.
Procurada pela reportagem, a advogada Junia Karla Passos Rutowistsch Rodrigues, umas das responsáveis pela defesa de Marcos Venicio, informou que aguarda um julgamento tranquilo e esclarecedor.
"Marcos é réu confesso e desde o fatídico dia, quando se apresentou espontaneamente e confessou o fato, contribui com a Justiça. Não esperamos pela absolvição, até mesmo porque ele já foi condenado há muito tempo, mas que os jurados e toda a sociedade possam conhecer a cronologia dos fatos desde 1986, quando o senador e ele se conheceram, e todos os eventos que se sucederam a partir de então", iniciou.
"A acusação pretende descaracterizar, desconstruir toda a sequência de fatos que ocorreram ao longo desses anos. A acusação qualificou o homicídio pelo pior desvalor humano, a torpeza, a ganância, tão repugnante que no rol das qualificadoras é a primeira, o que não é verdade. A defesa pretende, desde o início, esclarecer e permitir que Marcos tenha um julgamento justo e não um justiçamento a qualquer custo. Todos sofreram e ainda sofrem, e o Marcos não menos. Ele, como a pessoa justa e correta que foi ao longo de toda a vida, hoje sofre pelo seu ato que tirou a vida de um ser humano, sofre pelo seu ato que matou a pessoa que mais amava e, por fim, sofre na pele as consequências da prisão. Não pedimos clemência, mas sim Justiça", afirmou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta