Em articulação travada nos bastidores da Câmara de Vitória, vereadores preparavam um projeto de emenda à Lei Orgânica para aumentar de 15 para 21 o total de cadeiras no parlamento municipal.
Após repercussão negativa, a proposta perdeu força e a dupla apontada pelos pares como idealizadora da ideia garante que não protocolará o texto.
Além do recuo, há, ainda, o fator tempo. A alteração legislativa deveria ser aprovada e sancionada até 4 de outubro, um ano antes do pleito de 2020. O presidente da Casa, Cléber Félix (PP), avalia não haver mais tempo hábil para a tramitação por comissões e votação em plenário em dois turnos. "Está morto e sepultado", disse, nesta segunda-feira (26).
Apesar da aparente perda de força, uma reviravolta não pode ser totalmente descartada. É que a essência política do projeto do aumento do número de vereadores passa também pela busca dos atuais vereadores por reeleição. Em outras palavras, pela sobrevivência na Câmara de Vitória. É o que garantem políticos e observadores do processo político da Capital.
Antes de adentrarmos na leitura eleitoral da medida arquitetada discretamente nos bastidores, é necessário termos em mente dois fatos:
1. Com mais vagas em disputa, cai a quantidade de votos necessários para alguém virar vereador. Afinal, a quantidade de vagas ofertadas cresce e a procura fica mais ou menos a mesma.
2. Não haverá coligação proporcional a partir da eleição de 2020.
Esses dois pontos têm, um com o outro, plena relação. Explico: sem coligação de chapas de vereador, os candidatos de cada partido precisam alcançar o quociente eleitoral sozinhos. Essa é uma matemática que leva em conta o desempenho coletivo da chapa.
O quociente eleitoral é definido pelo total de votos válidos divido pela quantidade de vagas. Em 2016, ele ficou perto dos 12 mil votos. Isso significa que cada chapa (partido isolado ou coligação) ganhou uma cadeira a cada 12 mil votos alcançados pelo grupo de candidatos - as vagas ficam com os mais votados da chapa, por ordem.
Quando você vota para vereador, talvez não saiba quem vai vencer. Mas os partidos e analistas já têm uma boa noção do resultado. Pela fotografia das chapas, eles sabem quem são os candidatos competitivos. Às vezes, candidatos considerados fortes lançam assessores na disputa apenas para que os votos destes engordem a votação da chapa e ajudem a eleger o candidato principal.
Como tradicionalmente os políticos com mandato têm mais estrutura, dinheiro e chances de reeleição, interessa mais aos novos candidatos juntarem-se em partidos que não tenham mandatários. Assim, disputam com pessoas "do mesmo tamanho". É nesse contexto que entraria o projeto da ampliação do número de vereadores.
Para um grupo de parlamentares atuais, tem sido difícil construir uma chapa forte que lhes dê boas condições de reeleição. Não têm conseguido reunir possíveis candidatos que os fariam alcançar o quociente eleitoral. Por isso, teriam interesse em reduzir o tamanho do quociente.
Caso a emenda para 21 vereadores passasse, o mercado política previa que o quociente cairia de 12 mil para algo entre 8 ou 9 mil votos.
Outra característica da eleição do ano que vem é a mudança na forma como os votos da sobra são aproveitados. O conceito é complexo, mas funciona assim: até 2016, só conquistavam vagas nas Câmaras as coligações que alcançassem o quociente eleitoral. Se a chapa não superasse a marca, não tinha nenhum assento.
Agora, mesmo esses continuam com chances. Imagine o seguinte exemplo hipotético: uma eleição para uma Câmara com 10 vereadores teve quociente eleitoral de 1 mil votos. Nove coligações alcançaram 1,2 mil. Todas elas teriam direito a uma cadeira e os 200 votos "a mais" são computados, no linguajar dos políticos, como "sobra".
A única coligação que não alcançou a margem teve, na soma de todos os seus candidatos, 800 votos. E como a última cadeira seria definida? Justamente pela comparação das sobras de cada coligação. Logo, a vaga seria distribuída para a chapa que conseguiu os 800 votos porque essa "sobra" supera as sobras de 200 de cada uma das demais chapas.
OS IDEALIZADORES
Na Câmara de Vitória, vereadores dizem que as cabeças por trás do pré-projeto para aumentar a quantidade de vagas eram Wanderson Marinho (PSC) e Sandro Parrini (PDT). Procurados pela reportagem, os dois foram taxativos: não apresentaram e tampouco apresentarão nenhuma proposta nesse sentido.
"Não há nada protocolado até o momento sobre isso, apenas especulações. E ele não trabalha com especulações. Sobre a chance de apresentar formalmente essa proposta, ela é nula. Ele não apresentará", informou a assessoria de Wanderson.
Parrini desconversou sobre o interesse eleitoral da proposta. Disse que o incremento aumentaria a fiscalização sobre o Executivo e seria acompanhado por cortes de gastos. Contudo, também reconheceu que a medida perdeu força.
"Acho que não vai aparecer nada. Não vejo possibilidade de avançar. Nem tempo mais tem. Teria que ser aprovado até outubro", disse.
O PASSADO
Vitória já teve 21 vereadores. E não faz muito tempo. A quantidade só caiu para 15 em 2004, por votação da maioria. Houve um debate nacional sobre essa redução, no início dos anos 2000. A própria Justiça Eleitoral foi envolvida e recomendou a redução em várias cidades.
No início, a cúpula da Câmara da capital capixaba foi contra. Em 2004, porém, voltou atrás. Políticos que frequentavam o plenário, na época, dizem que a estratégia da ocasião era exatamente inversa a de hoje. O objetivo, porém, era o mesmo: reduzir as vagas para aumentar o quociente e dificultar a vida de quem não tinha a estrutura do mandato para ser eleito.
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