"Tem gente que vai dormir em um partido e acordar em outro". A frase dita por um articulador político do Espírito Santo traz uma ideia do que serão as últimas 24 horas da janela partidária de 2022, em que os deputados podem trocar de partido sem perder o mandato para disputar as eleições.
A janela partidária é um período de 30 dias que é aberto durante todo ano eleitoral. Começou no dia 3 de março e termina nesta sexta-feira (1º).
Ainda com muitas peças soltas, o tabuleiro da política capixaba é incerto. Muitas filiações vão ficar para o último minuto e, no caso de quem não tem mandato, as negociações se estendem até às 23h59 de sábado (2), prazo final para que quer disputar a eleição se filiar.
O mercado político assiste curioso definições em alguns partidos, entre eles o Podemos, de onde é esperada uma debandada. Nos bastidores, cogita-se que, assim como Neucimar Fraga (PP), que abdicou da presidência do PSD para sobreviver politicamente em outro partido, Gilson Daniel (Podemos) possa fazer o mesmo e se abrigar legenda do governador Renato Casagrande (PSB). Procurado por A Gazeta, Gilson Daniel diz que só fala de política após as filiações.
Diante dessa movimentação, pré-candidatos pelo Podemos têm mantido conversas com outras legendas, principalmente com aquelas que tem alto poder de sedução, leia-se recursos e legenda - como o PSB, que tem a máquina na mão, e o PP.
O PP, por sinal, abocanhou o maior número de mandatários no Estado. Até o momento, o partido comandado pelo ex-secretário de Casagrande e ex-deputado federal Marcus Vicente filiou nada menos do que quatro deputados estaduais (Theodorico Ferraço, Marcos Garcia, Raquel Lessa e Marcos Madureira) e três deputados federais (Da Vitória, Norma Ayub e Neucimar Fraga). E garante ter espaço para mais gente.
"Estamos abertos e dialogando. O PP é um partido que fez o dever de casa e sempre conversou com candidatos. Isso fez com que a gente não ficasse desesperado nesta reta final", afirmou Marcos Delmaestro, vice-presidente estadual do PP.
As negociações são naturais na política, mas foram antecipadas este ano devido ao fim das coligações para cargos proporcionais, de deputados e vereadores. Sem poder se juntar em uma chapa para alcançar o número mínimo de votos para eleger candidatos, os partidos têm que montar a própria chapa e, sozinhos, conquistarem os votos.
"A maioria dos operadores políticos não tinha se dado conta da enorme dificuldade que seria já pensar nas chapas agora. Ter que antecipar essas conversas com os candidatos pegou muita gente de surpresa, e alguns partidos estão tentando resolver tudo em cima da hora", analisou o cientista político Antônio Carlos Medeiros, que escreve sobre política aos sábados para A Gazeta. Ele pontua que muito mais do que montar chapas é necessário ter chapas competitivas.
"Quem vai sair candidato quer ter a segurança que o partido não vai se desidratar até julho, quando tem início as convenções partidárias", destacou.
Nessa lógica de sobrevivência política, partidos menores como Avante, PSC e DC, por exemplo, podem perder filiados, principalmente mandatários, para legendas maiores. A situação do deputado estadual Renzo Vasconcelos, que trocou o PP pelo PSC, e de Carlos Von, agora no DC, gera dúvida no mercado político. Outra troca do tipo foi feita por Alexandre Xambinho, que saiu do PL para também ir para o PSC.
"Eles vão permanecer em um partido pequeno para disputar uma eleição, tendo menos chance, ou vão mudar para um partido maior, que tem uma chapa mais competitiva?", questionou um articulador político à reportagem.
"Quem tem mandato segue a linha de pensamento de que é preciso ir para um partido em que as pessoas que estão lá ajudem a eleger alguém, mas que eles também consigam se eleger, acima de tudo. É uma conta casada de colaboração e competitividade", analisa o cientista político João Gualberto Vasconcelos.
Até o prazo final de filiação, estarão na mesa de negociações dois fatores: recursos e legenda. Enquanto os partidos buscam atrair filiados para viabilizar chapas, os pré-candidatos fazem contas puramente eleitorais. "Fico onde estou? Troco de partido?", são duas perguntas que vão se repetir nesta reta final para tentar responder uma outra pergunta: "Onde é mais fácil se eleger?"
Dentro dessa aritmética eleitoral, Antônio Carlos Medeiros pontua que a identidade partidária é o que menos importa para os pré-candidatos na hora de se filiar.
Foi essa a conta feita por veteranos na política como Luzia Toledo, que trocou o MDB, partido ao qual ela era filiada desde 2009, pelo Republicanos. Elas assinou a ficha de filiação na manhã desta sexta-feira (01).
"O prazo de filiação está acabando, muitos partidos ainda não fizeram chapa e não teria como eu participar do processo eleitoral se não fosse por outra legenda. Não foi fácil sair do MDB, mas é o que o momento exige", afirmou Luzia.
O Republicanos é comandado no Estado por Roberto Carneiro e abriga atores políticos importantes como o deputado federal Amaro Neto, o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini e o presidente da Assembleia e pré-candidato ao governo, Erick Musso.
Segundo Luzia, a falta de diálogo e espaço dentro do MDB também impulsionou a mudança. O partido passa por um esvaziamento desde a saída do ex-governador Paulo Hartung (sem partido), em 2018, o que foi intensificado desde que a senadora Rose de Freitas (MDB) assumiu o comando da legenda após intervenção do diretório nacional.
Com essa debandada, o MDB corre o risco de não conseguir formas chapas para outubro. Importante pontuar que a legenda já chegou a ter o maior número de cadeiras na Assembleia Legislativa.
É nesse cenário que Guerino Zanon, que acaba de renunciar a Prefeitura de Linhares para ser pré-candidato ao governo do Espírito Santo, abriu mão de mais de duas décadas de militância no MDB para se filiar ao PSD. A dificuldade de diálogo e de espaço no partido foram citados por Guerino como determinantes na troca de partido.
Por motivos semelhantes, é provável que o ex-deputado federal Lelo Coimbra (MDB) acompanhe Guerino. É especulada a filiação dele ao PSD, partido que volta ao controle do grupo político de Hartung, do qual Lelo faz parte.
"É uma decisão pragmática de como eu garanto o meu mandato, ou, no caso de quem não conseguiu se reeleger em 2018 e quer voltar, de como eu recupero o meu mandato", pontuou Antônio Carlos Medeiros.
A legenda já conta com outros hartunguistas como o ex-vice-governador César Colnago. Depois de mais de 20 anos no PSDB, ele se filiou ao PSD na última quarta-feira (30) e, assim como Guerino, quer concorrer ao governo do Estado. A capacidade do PSD de viabilizar chapas, contudo, é uma dúvida no cenário político.
Dos 30 deputados estaduais, pelo menos dois ainda têm destinos indefinidos: Doutor Hércules (MDB) e Adilson Espíndula (PTB). Eles afirmam estar conversando com diferentes partidos. A situação de Hércules, em específico, é emblemática por ser considerada "uma penalização pelo sucesso", como explica João Gualberto.
"Deputados eleitos com votação expressiva, como é o caso do Hércules, já chegam no partido tirando uma vaga, e as pessoas que tem menos votos não querem isso. É o famoso caso em que o sucesso vira um problema. Para nenhum partido é interessante", pontua. A filiação de Hércules deve ser uma que só será selada no último minuto.
Não só a do emedebista, pontua João Gualberto. "Essas últimas horas são decisivas porque muita coisa pode mudar. É cada um por si, levando em conta a competitividade da chapa para onde vai, é a corrida pela sobrevivência", finaliza.
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