Os candidatos a cargos majoritários que vão disputar as eleições municipais deste ano poderão ter de lidar com um contexto diferente ao brigar pela preferência do eleitorado nas urnas. Isso porque a disputa pelo comando das cidades do país ocorrerá em um cenário em que Estados como Espírito Santo e Rio Grande do Sul ainda estarão se recuperando dos estragos ocasionados pelos desastres ambientais que assolaram diversos municípios nos últimos meses.
Muito mais do que apresentar soluções para o pós-tragédia e tecer críticas às gestões atuais e anteriores, especialistas alertam que os candidatos deverão convencer seus eleitores, principalmente os diretamente afetados pelos desastres ambientais, de que estão comprometidos com a pauta do meio ambiente e as mudanças climáticas, abrindo mais espaço para políticas públicas voltadas para a área em seus planos de governo.
Para Marcos Woortmann, cientista político e coordenador de Políticas Ambientais do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), a comoção com a tragédia vivenciada por parte das cidades do Sul capixaba, entre elas Mimoso do Sul – a mais afetada pelas enchentes e alagamentos –, e por Porto Alegre, no Rio Grande Sul, terá algum reflexo na decisão de quem for às urnas no pleito de outubro, especialmente dos moradores dessas regiões.
Ao fundamentar sua análise, Woortmann cita o aumento do interesse dos brasileiros pela pauta ambiental, mesmo que o crescimento, segundo ele, ainda seja tímido quando comparado à importância do tema para o futuro do planeta.
“Em pesquisa recente, a gente pode ver, por exemplo, que em 2021 já houve um aumento, que não foi grande. Mas foi para 81% o eleitorado que tem grande preocupação com a questão do aquecimento global. Em 2020, esse número era de 78%. Então, hoje, no ano de 2024, a tendência, após toda a comoção desse que, aparentemente, foi o maior desastre climático até o momento, na história do Brasil (no caso do Rio Grande do Sul), a tendência é que esse número aumente”, avalia.
O especialista, no entanto, chama a atenção para a diferença entre preocupação com as questões climáticas e decisão, a partir do voto, por nomes comprometidos com essa agenda.
“Uma coisa é a preocupação, outra é, de fato, a decisão do voto. E isso é algo muito importante. A questão do crescimento da preocupação com o meio ambiente já era uma tendência consolidada 20 anos atrás”, pontua.
Felipe Savalli, pesquisador do Laboratório de História das Interações Político-Institucionais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), por sua vez, entende que as tragédias ambientais registradas em território brasileiro nos últimos meses terão pouco peso na escolha da maioria do eleitorado que for às urnas nas eleições deste ano.
Ele assevera que “somente aqueles que sofreram de forma direta com desastres tenham essa postura na hora do voto”. E aponta, em sua análise, dados de pesquisa da Atlas, realizada em 2022.
“Não terão (os desastres climáticos) peso para a grande população, no sentido que provavelmente somente aqueles que sofreram de forma direta com desastres tenham essa postura na hora do voto. Uma pesquisa da Atlas, em 2022, mostrou que somente 2% do eleitorado brasileiro considera as questões ambientais como prioridade na hora do voto. Isso demonstra como a pauta ambiental é tratada”, frisa.
Savelli ainda acrescenta que as recentes tragédias ambientais não ocasionarão muitas mudanças na postura dos gestores municipais no que se refere ao aumento do comprometimento e da responsabilidade com ações efetivas visando à prevenção de desastres causados pelas mudanças climáticas. Entretanto, ressalta que mandatários com planos de governo com foco no meio ambiente poderão ter vantagem em relação aos demais, na hora de serem avaliados pelo eleitorado.
“Vimos a pandemia e as eleições de 2022, em que negacionistas foram eleitos e reeleitos por todo o país. Todavia, gestores que tiverem esses planos ambientais atualizados, levando em conta tudo o que está sendo desenvolvido mundo afora, sairá na frente numa gestão responsável”, afirma.
Esse desafio que os atuais e os candidatos a futuros gestores dos municípios do país terão de enfrentar se soma ao fato de, conforme a coordenadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Socioambientais da Universidade de Vila Velha (UUV), Teresa da Silva Rosa, a população brasileira lidar, atualmente, com diferentes problemáticas relacionadas ao que classifica como “processo de vulnerabilização territorial”.
"O gestor público tenta solucioná-las (as problemáticas citadas pela especialista) com estratégias estruturais que nem sempre são as mais adequadas ao território, as quais requerem uma manutenção constante – estações de bombeamento das águas, comportas, diques e contenção de encostas. Ou ainda ele flexibiliza normas ambientais para dar lugar aos interesses econômicos que, frequentemente, não respondem às demandas da população”, pondera Teresa da Silva Rosa.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta