A proximidade ou tentativa de proximidade entre políticos e religiosos não é novidade no Brasil, mas uma onda conservadora tem impulsionado a estratégia. Isso pode ocorrer como artifício de marketing ou como consequência natural, afinal, conservadores tendem a eleger quem se identifica com os valores que propagam.
Assim, não é raro encontrar políticos principalmente pré-candidatos em ano eleitoral dispostos a vincular sua imagem a igrejas ou denominações religiosas, com destaque para a católica ou as evangélicas, em busca de votos. Esse público, entretanto, não é uniforme. E aí reside uma armadilha.
É uma falta de cuidado analítico a gente pensar que dentro dessa diversidade toda evangélica poderia haver um voto evangélico em bloco, alerta Christina Vital da Cunha, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e colaboradora do Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Mas há um fenômeno em desenvolvimento. Várias pesquisas mostram como a variável religião ganha importância para a população em geral. O capital que a religião tem como elemento positivo da garantia da moral e da confiança, do bem-estar, da honra, da honestidade vai sendo disputado pelos políticos, afirma.
Apresentar-se como religioso, apresentar uma vinculação, um apoio de religiosos é como estar buscando uma legitimidade, uma limpeza moral da sua imagem pública, já que a imagem de político tem sido muito degradada paulatinamente em muitas democracias, na nossa também, complementa.
A pesquisadora nota que essa tem sido uma estratégia crescente desde 2014 de modo mais acentuado no Brasil.
Em outubro, os brasileiros vão às urnas para escolher vereadores e prefeitos. Os candidatos a vereador são, neste caso, as candidaturas proporcionais. Os candidatos a prefeito, as majoritárias.
Para as candidaturas proporcionais, essa vinculação religiosa tem mostrado bastante importância. Claro que tem um número muito grande de candidatos evangélicos ou que se apresentam como católicos e nem por isso são eleitos. É um conjunto de elementos que possibilita a vitória de um e não a de outros, mesmo pensando dentro do segmento religioso, mas essa tem sido uma estratégia que tem tido sucesso, pontua.
O especialista em marketing político Darlan Campos lembra que a sociedade brasileira é, em geral, conservadora. No Espírito Santo, não é diferente.
O Espírito Santo é um dos Estados com maior índice de evangélicos, tem um elemento de importância do religioso no aspecto político. Há pessoas que vêm desse universo e outras que se aproximam para vincular sua imagem e construir uma reputação.
Há até quem mantenha um pé em uma denominação e outro em outra. Nacionalmente, há exemplos. O próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é católico, mas fortemente vinculado aos evangélicos.
O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, outro exemplo, frequentava ao mesmo tempo a Assembleia de Deus e a Sara Nossa Terra.
Do ponto de vista sociológico, o público evangélico tem duas grandes raízes: os tradicionais e os pentecostais e neopentecostais. Entre os pentecostais há pouca diferença ideológica. Se é Mundial, Universal ou Internacional da Graça de Deus (nomes de denominações religiosas) há pouca diferença, então o político pode transitar por mais de uma expressão religiosa sem problemas. O peso da denominação é menor na cabeça do eleitor evangélico. É comum que o evangélico tenha passado por duas ou mais denominações, destaca Campos.
Engana-se quem pensa, no entanto, que receber a bênção eleitoral de um líder religioso é garantia de vitória. Toda liderança religiosa tem um poder de influência. Lógico que um pastor ou padre quando opina sobre uma candidatura tem peso. Mas o processo de construção do voto é mais complexo do que um simples curral eleitoral, lembra.
Para Adriano Oliveira, doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o vínculo com o segmento evangélico é similar ao que os políticos buscam com categorias como a de policiais ou militares em geral. É um atalho, define.
Quem pega essa atalho nas igrejas pode encontrar maior ou menor facilidade no caminho.
O pastor Enoque Castro, presidente da Associação de Pastores Evangélicos da Grande Vitória, explica como funciona a separação, ou não, entre púlpito e urna:
Há mais liberdade para se ter ou não contato com candidatos, a depender do pastor. Tem os que não misturam e os que pedem votos rasgadamente. Eu, que sou batista, nunca deixei que usassem o púlpito para falar de política, mas achava importante trazer este tema para a comunidade. Eu fazia da seguinte forma: no fim do culto eu dizia que no dia tal faria uma reunião sobre política, para explicar como funciona a eleição, por que é importante e ouvir alguém que quisesse se apresentar. Mas acontecia fora do culto religioso.
A depender da quantidade de candidatos, pode haver até um incômodo entre os fiéis. Incomoda, sim. Uma pessoa da igreja vem e pede seu voto, depois tem um outro irmão que também sai candidato que pede votos também. É complicado apoiar institucionalmente, porque pode dividir a igreja, conta Castro.
Em época de eleição se intensifica, sim, a procura por lideranças evangélicas. A gente até recepciona, ouve as propostas e até indica, de maneira individual, mas sem usar o espaço do culto, diz o pastor Romerito Oliveira, presidente da Associação de Pastores Evangélicos de Vitória.
Já vi comentários de outros pastores que receberam promessas de cargos de candidatos, caso fossem eleitos; gente que chega prometendo doar material de construção em troca de apoio. Considero isso algo ruim, indecoroso, critica.
(Com colaboração de Rafael Silva)
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